Revista Agrária Acadêmica
Volume 3 – Número 5 – Set/Out (2020)
doi: 10.32406/v3n52020/25-35/agrariacad
Análise morfológica do fígado de filhotes de ratas Wistar induzidas ao diabetes gestacional e tratadas com melatonina. Morphological analysis of the liver of puppies of Wistar mice induced to gestational diabetes and treated with melatonin.
Anthony Marcos Gomes dos Santos1*, Ismaela Maria Ferreira de Melo
2, Érique Ricardo Alves
3, Laís Caroline da Silva Santos
3, Jaiurte Gomes Martins da Silva
3, Maria Vanessa da Silva
3, Valéria Wanderley Teixeira
4, Álvaro Aguiar Coelho Teixeira
4
1*- Programa de Pós Graduação em Biociência Animal, Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal/DMFA, Universidade Federal Rural de Pernambuco/UFRPE, Recife/PE, Brasil. E-mail: anthonymarcos20@gmail.com.
2- PNPD, Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal/DMFA, Universidade Federal Rural de Pernambuco/UFRPE, Recife/PE, Brasil. E-mail: ismaelamelo@yahoo.com.br.
3- Programa de Pós Graduação em Biociência Animal, DMFA, UFRPE, Recife/PE, Brasil. E-mail: eriquericardoalves@gmail.com, laiscarolinesantos89@gmail.com, jaiurte@hotmail.com, mvanessalira02@gmail.com.
4- Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal/DMFA, Universidade Federal Rural de Pernambuco/UFRPE, Recife/PE, Brasil. E-mail: valeria.wanderley@ufrpe.br, alvaro.teixeira@ufrpe.br.
Resumo
O objetivo do presente artigo foi analisar os efeitos deletérios produzidos pelo diabetes gestacional sobre o fígado da prole durante a gestação em ratas tratados com melatonina. Foram utilizadas 15 ratas albinas (Rattus norvegicus albinus), com 90 dias de idade, virgens, pesando aproximadamente 200g, da linhagem Wistar, procedentes do Biotério do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal, da Universidade Federal Rural, divididas em três grupos: I – Filhotes (n=12) nascidos de matrizes não diabéticas; II – Filhotes (n=12) nascidos de matrizes induzidas ao diabetes durante a gestação e III – Filhotes (n=12) nascidos de matrizes induzidas ao diabetes durante a gestação e tratadas simultaneamente com melatonina. Todos os grupos mantidos em ciclo claro/escuro de 12/12. O diabetes gestacional foi induzido, após confirmação do acasalamento, com injeções intraperitoneal de 60 mg/kg de estreptozotocina. A melatonina, foi administrada em injeções diárias de 0,8 mg/Kg, por toda a gestação. O fígado dos filhotes dos grupos controle (GI) e nascidos das matrizes filhotes nascidos das matrizes receberam melatonina (GIII), tanto com 30 como de 60 dias de vida, apresentaram parênquima hepático sem alterações significativas caracterizadas pela presença de cordões de hepatócitos em torno da veia centro lobular, entremeados por capilares sinusóides. Entretanto, os filhotes do das matrizes diabéticas sem tratamento com melatonina, apresentaram parênquima hepático com vacuolizações nos hepatócitos, indicando um possível desenvolvimento de esteatose hepática. Assim, conclui-se uma redução na porcentagem do parênquima lobular e aumento do parênquima não lobular nos filhotes das matrizes do grupo II, tanto aos 30 quanto aos 60 dias de vida, quando comparados aos demais grupos.
Palavras-chave: Doença hepática. Histologia. Estresse Oxidativo. Antioxidante. Gestação.
Abstract
The aim of this article was to analyze the deleterious effects produced by gestational diabetes on the liver of the offspring during pregnancy in rats treated with melatonin. Fifteen albino rats (Rattus norvegicus albinus) were used, 90 days old, virgin, weighing approximately 200g, of the Wistar lineage, coming from the vivarium of the Department of Animal Morphology and Physiology, of the Federal Rural University, divided into three groups: I – Puppies (n = 12) born to non-diabetic mothers; II – Puppies (n = 12) born to mothers induced to diabetes during pregnancy and III – Puppies (n = 12) born to mothers induced to diabetes during pregnancy and treated simultaneously with melatonin. All groups maintained on a 12/12 light / dark cycle. Gestational diabetes was induced, after mating confirmation, with intraperitoneal injections of 60 mg / kg of streptozotocin. Melatonin was administered in daily injections of 0.8 mg / kg, throughout pregnancy. The livers of the puppies of the control groups (GI) and born to the matrices pups born to the matrices received melatonin (GIII), both at 30 and 60 days of life, presented hepatic parenchyma without significant changes characterized by the presence of hepatocyte cords around the lobular center vein, interspersed by sinusoid capillaries. However, the puppies of the diabetic sows without treatment with melatonin, presented hepatic parenchyma with vacuolations in hepatocytes, indicating a possible development of hepatic steatosis. Thus, we conclude a reduction in the percentage of the lobular parenchyma and an increase in the non-lobular parenchyma in the offspring of the group II mothers, both at 30 and 60 days of life, when compared to the other groups.
Keywords: Liver disease. Histology. Oxidative stress. Antioxidant. Pregnancy.
Introdução
O Diabetes Mellitus (DM) é uma doença crônica que pode ser causada por diversos fatores internos (fisiológicos) e externos (estilo de vida, alimentação, consumo de drogas) que resultam num aumento das taxas de glicose plasmática (COTRAN, KUMAR, ROBBINS, 1994; WILD et al., 2004; FUCHS, WANNMACHER, 2010). Segundo dados da Sociedade Brasileira de Diabetes (2017), no Brasil, cerca de 6,9% da população (13 milhões de pessoas) vivem com a doença. A International Federation of Diabetes (2017) aponta que cerca de 1 em 11 adultos (425 milhões de pessoas) possuem diabetes no mundo inteiro.
Existem diferentes tipos de diabetes, classificados em 4 grupos de acordo com a sua origem (DENTZ, 2018). O diabetes tipo I, caracterizado pela ausência na produção de insulina pelas células beta pancreáticas (IDF, 2006; MILECH et al., 2016). O diabetes tipo II, caracterizado por uma resistência periférica a insulina, decorrente normalmente de um estilo de vida sedentário e outros fatores ambientais como alimentação (IDF, 2006; MILECH et al., 2016). O diabetes causado por tumores, cirurgias, consumo de drogas, etc. (GUYTON, HALL, 2002). E o diabetes gestacional, caracterizado por um aumento da glicemia plasmática durante o período gestacional (IDF, 2006; MILECH et al., 2016).
O Diabetes Mellitus Gestacional (DMG) foi por muito tempo considerado como um aumento da glicemia durante o período gestacional (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2014). Esse conceito facilita o diagnóstico, mas não é preciso, pois desconsidera quadros anteriores de DM tipo 1 ou 2, frequentemente não diagnosticados em mulheres jovens (LAWRENCE, 2008). Segundo a American Diabetes Association (2018), o DMG só é caracterizado com a ocorrência do aumento da glicose plasmática apenas no terceiro trimestre da gravidez, sem casos de ocorrência anterior de qualquer tipo de DM.
Considerado o mais frequente problema durante a gestação (HOD, 2019), o DMG apresenta fatores de risco como idade elevada das mães, sobrepeso e obesidade, estado nutricional, condições socioeconômicas, demográficas, sedentarismo entre outros (MASSUCATTI, 2012; OLIVEIRA, 2015; MILECH, 2016; HOD, 2019). Mães acometidas pela desordem podem ter partos prematuros, trauma torácico, e correm o risco da persistência do diabetes como um DM tipo 2 após a gestação. No concepto, temos aumento da glicemia fetal, infecções, má formações, congênitas, hipercalcemia, hiperbilirrubinemia, distúrbios respiratórios, policitemia fetal, distúrbios cardiovasculares, problemas na diferenciação celular, problemas na saúde reprodutiva, e aumento no risco do desenvolvimento de DM tipo 2 na fase adulta (BARKER et al., 1993; BOLOKER et al., 2002; DAMASCENO et al., 2014; SILVA JUNIOR, 2016)
Os malefícios do DM aparecem principalmente devido a formação de espécies reativas de oxigênio (EROS) (IBARRA, 2006). Em situações de estresse, o organismo apresenta uma deficiência na produção de agentes antioxidantes, o que causa o quadro de estresse oxidativo (DALLAQUA, 2011). O aumento dessas moléculas causa danos permanentes a estruturas celulares, pois são capazes de oxidar lipídios, proteínas e DNA (LOPES, 2008). Além dos danos estruturais, essas espécies reativas atuam como sinalizadores de diversos processos relacionados ao estresse, promovendo um aumento na produção de citocinas pró inflamatórias (LOPES 2008). Como consequências desse quadro temos a morte celular, que leva ao surgimento de diversas enfermidades crônicas (CUERDA, 2011).
A utilização de antioxidantes vem sido largamente estudada no tratamento dos efeitos deletérios causados pelo DM (GOTTLIEB, 2009; DALLAQUA, 2011). Cerca e 800 espécies de antioxidantes advindo de plantas tiveram potencial fitoterápico atestado no tratamento das complicações decorrentes do diabetes (SAXENA et al., 2004). Sanchez (2008) atesta o potencial de vitaminas na prevenção de danos causados por estresse oxidativo em pacientes diabéticos. Miranda (2004) relata em seu trabalho uma diminuição dos efeitos causados pelo estresse oxidativo na retina de ratos diabéticos submetidos a tratamento com antioxidantes sintéticos e naturais.
A melatonina (N-acetil-5-metoxitriptamina) é um hormônio neuroendócrino que é secretado pela glândula pineal, sendo sua secreção regulada pela luz e estimulada pela escuridão (TAMURA et al., 2014). Esse hormônio influencia no ciclo circadiano, temperatura corporal, metabolismo lipídico, metabolismo do açúcar, regulação imunológica e também na reprodução (KORKMAZ et al., 2009). Devido a sua poderosa ação antioxidante, a melatonina tem sido usada em diversos estudos como instrumento no combate aos efeitos patológicos produzidos pelo diabetes (MULDER et al., 2009).
Com isso, objetivou-se analisar se a melatonina administrada durante a gestação em ratas pode prevenir os efeitos deletérios produzidos pelo diabetes gestacional sobre as gônadas da sua prole.
Material e métodos
Foram utilizadas 15 ratas albinas (Rattus norvegicus albinus), com 90 dias de idade, virgens, pesando aproximadamente 200g, da linhagem Wistar, procedentes do Biotério do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Os animais foram confinados em gaiolas e mantidos com alimentação e água ad libitum, permanecendo no biotério a temperatura de 22ºC e iluminação artificial, produzida por lâmpadas fluorescentes (marca Phillips, modelo luz do dia, 40W), estabelecendo o fotoperíodo de 12 horas claro e 12 horas escuro, considerando o período de luz das 06:00 às 18:00 horas.
Após um período de adaptação de sete dias, foram realizados esfregaços vaginais para a determinação do ciclo estral. Os animais que apresentarem três ciclos estrais consecutivos regulares foram divididos, ao acaso, em três grupos, com cinco animais cada. A prole dessas fêmeas, sem diferenciação sexual, foi dividida em três grupos experimentais:
Grupo I – Filhotes (n=12) nascidos de matrizes não diabéticas eutanasiados após 30 e 60 dias de vida para análise das gonadas;
Grupo II – Filhotes (n=12) nascidos de matrizes induzidas ao diabetes durante a gestação, eutanasiados após 30 e 60 dias de vida para análise das gonadas;
Grupo III – Filhotes (n=12) nascidos de matrizes induzidas ao diabetes durante a gestação e tratadas simultaneamente com melatonina, eutanasiados após 30 e 60 dias de vida para análise das gonadas.
Acasalamento dos animais e diagnóstico da prenhez
As fêmeas que estavam ciclando, foram acasaladas na proporção de um macho para duas fêmeas, sempre no início da noite (18h). Na manhã (6h) do dia seguinte, foram realizados exames colpocitológicos para a confirmação do acasalamento, tomando-se como parâmetro à presença de espermatozóides nos esfregaços. Essas lâminas foram imediatamente mergulhadas em uma solução de álcool-éter, em partes iguais, e em seguida, coradas pelo método Shorr-Harris.
Indução do diabetes gestacional
Foi induzido, após confirmação do acasalamento, por meio administração intraperitoneal de solução de estreptozotocina (Sigma Chemical Co., USA) após jejum alimentar de 14 horas. A estreptozotocina foi diluída em tampão citrato de sódio a 10 mM e pH 4,5, na dosagem única de 60 mg/kg de peso do animal. Os animais não diabéticos (grupo controle) receberam da mesma forma, doses equivalentes de solução salina e decorridos 30 minutos da administração todos os animais serão alimentados normalmente (Dall’ago et al., 2002). Foram incluídos no estudo apenas as fêmeas que apresentaram glicose sanguínea acima de 200 mg/dL (Glicosímetro Kit Accu-Chek Activ), para início do tratamento com a melatonina.
Tratamento com melatonina
A melatonina, N-acetil-5-metoxitriptamina (Sigma Chemical Co., St. Louis, USA) foi administrada em injeções diárias de 0,8 mg/Kg, por toda a gestação. Para tanto, a melatonina será dissolvida em 0,2 mL de etanol e diluída em 0,8mL NaCl a 0,9%. As injeções foram aplicadas via intraperitoneal, sempre no período das 18:00 às 19:00h. Esta dose é comparável a dosagem humana (9 mg/kg), a qual foi convertida com base na área de superfície do corpo (GUVEN, 2006).
Microscopia de luz
Foram utilizados seis machos e seis fêmeas aos 30 e 60 dias de vida de cada grupo experimental. Os filhotes foram anestesiados com hidrocloridrato de cetamina (80 mg/kg) e xilazina (6,0 mg/kg) por via intramuscular. A seguir, foi realizada a abertura da cavidade abdominal desde o púbis até o rebordo das costelas; procedendo-se em seguida a disjunção da sínfise púbica, para facilitar a remoção das gonadas. Após a coleta dos materiais foi realizada a eutanásia com aprofundamento da anestesia até dose letal. O fígado foi mergulhado em formol tamponado, permanecendo no mesmo por 48 horas. Após esses procedimentos, foi desidratado em álcool etílico (concentrações crescentes), diafanizado pelo xilol, impregnado e incluído em “paraplast”. A seguir, os blocos foram cortados em micrótomo do tipo Minot (Leica RM 2035) ajustado para 5 µm. Em sequência, as lâminas foram submetidas à técnica de coloração pela hematoxilina – eosina (H. E.) para histologia e morfometria, e pelo tricromico de Mallory para a histoquímica. As lâminas foram analisadas em microscópio de luz, da marca OLYMPUS BX-49 e fotografados em microscópio OLYMPUS BX-50.
Análise morfométrica
O estudo morfométrico do fígado foi realizado segundo a metodologia descrita por Engelman et al. (2001), sendo quantificado o parênquima lobular e não lobular.
Análise estatística
Para a comparação dos dados morfométrica foram realizadas a Análise de Variância, quando significante esta será complementada pelo teste de Comparações Múltiplas de Tukey e Kramer (P < 0,05).
Resultados
O fígado dos filhotes do grupo controle, tanto com 30 como de 60 dias de vida, apresentaram parênquima hepático sem alterações significativas caracterizadas pela presença de cordões de hepatócitos em torno da veia centro lobular, entremeados por capilares sinusóides (Fig. 1A-B). Entretanto, os filhotes do das matrizes diabéticas sem tratamento com melatonina, apresentaram parênquima hepático com vacuolizações nos hepatócitos, indicando um possível desenvolvimento de esteatose hepática (Fig. 1C-D). Nos fígados dos filhotes nascidos das matrizes filhotes nascidos das matrizes receberam melatonina (GIII), foram observadas as mesmas características dos animais do grupo controle, sem a presença de esteatose (Fig. 1E-F).
A análise morfométrica revelou uma redução na porcentagem do parênquima lobular e aumento do parênquima não lobular nos filhotes das matrizes do grupo II, tanto aos 30 quanto aos 60 dias de vida, quando comparados aos demais grupos (Tabela 1).
Figura 1 – Fígado dos filhotes aos 30 e 60 dias. A-B: Controle (GI); C-D: Filhotes nascidos de matrizes diabéticas sem tratamento com melatonina (GII); E-F: Filhotes nascidos de matrizes diabéticas e tratadas com melatonina (GIII). Vcl – veia centro-lobular; seta longa – hepatócitos; seta curta – sinusóides; ponta de seta – vacuolização nos hepatócitos. H.E.
Tabela 1 – Média ± desvio padrão do percentual do parênquima lobular e não lobular do fígado dos filhotes aos 30 e 60 dias de vida.
Grupos | G I | G II | G III | P |
30 dias | ||||
Parênquima Lobular | 63,45 ± 3,42 a | 50,07 ± 2,62 b | 61,07 ± 1,75 a | 0,0009 |
Parênquima Não Lobular | 36,55 ± 2,14 b | 49,93 ± 3,91 a | 38,93 ± 2,44 b | 0,0122 |
60 dias | ||||
Parênquima Lobular | 72,87 ± 3,09 a | 47,11 ± 2,34 b | 70,20 ± 2,65 a | 0,0220 |
Parênquima Não Lobular | 27,13 ± 1,11 b | 52,89 ± 3,01 a | 29,80 ± 2,72 b | 0,0012 |
Médias seguidas pela mesma letra nas linhas não diferem significativamente entre si pelo teste de Múltiplas de Tukey e Kramer (P>0,05).
Discussão
O fígado é considerado o órgão central do metabolismo, tendo uma importante função na desintoxicação, metabolização de lipídios, degradação de proteínas, homeostase energética e metabolismo da glicose (REAVEN, 1995; FERRANINNI, 1985; BAIG, 2001; HOLSTEIN, 2002). Todas essas funções são alteradas em quadros de Diabetes Mellitus e resistência à insulina, o que causa problemas tanto no próprio órgão quanto a outros sistemas e tecidos do corpo como o tecido adiposo e muscular (STEPPAN et al., 2001; KIM, 2004).
A doença crônica do fígado é uma das maiores causas de morte no mundo inteiro (KIM, 2002). Casos de hepatocarcinoma estão também relacionados com a doença crônica do fígado, que normalmente é causada por fatores como consumo exagerado de álcool, doença hepática gordurosa não alcoólica, hemocromatose e o Diabetes Mellitus (DM), especialmente o tipo 2 (ANGULO, 1999). Maior parte dos casos de algum distúrbio hepático é associado com pacientes diabéticos (HICKMAN, MCDONALD, 2007). Essas alterações hepáticas são também a maior causa de morte entre pacientes diabéticos (TOLMAN, 2007).
As consequências hepáticas do Diabetes Mellitus são várias. Entre elas, podemos citar anormalidade de enzimas hepáticas, e aumento nos casos de hepatite C, que ainda não tem sua relação com o DM esclarecida (TROMBETTA, 2005; TOLMAN, 2007). A principal via de distúrbio no fígado se dá através da esteatose hepática, que se desenvolve em doença hepática gordurosa não alcoólica (acúmulo de gordura no fígado) e pode alcançar seu estágio mais agressivo, uma condição de necrose inflamatória crônica chamada de esteatohepatite não alcoólica. Essa complicação causa fibrose, câncer hepático e o estágio mais grave da doença crônica do fígado, a cirrose, que culmina com insuficiência hepática e morte (ZEN et al., 2001; SHIMADA, et al., 2002).
A análise histomorfométrica dos animais nascidos de mães diabéticas sem tratamento mostram vacuolização no parênquima hepático, o que sugere o desenvolvimento de esteatose hepática, corroborando com a literatura (HOLSTEIN, 2002; HASHEM, et al., 2004; COMPEAN, 2009; BRIOHNY, 2011; CAREYVA, STELLO, 2016; KELLEY, 2003). A esteatose é um dos primeiros estágios da doença crônica do fígado, que progride para a doença gordurosa não alcoólica, quadros de inflamação, necrose, fibrose, cirrose e consequentemente, insuficiência do órgão (EL SERAGE, 2002; HICKMAN, 2007; TOLMAN, 2007).
O estresse oxidativo pode ser um fator de alta toxicidade para órgãos e tecidos FREEMAN, 1982). Esse quadro é causado por um aumento na produção de espécies reativas de oxigênio (EROS), que tem sua produção aumentada e mecanismos de regulação alterados em algumas patologias, como o DM (IBARRA, 2006; DALLAQUA, 2011). O estresse oxidativo é a principal via de patogênese do diabetes, relacionado com a mediação de citocinas pró inflamatórias, dano mitocondrial e alteração de adiponectinas e morte celular o que segundo autores (COMPEAN, 2009; ALVES, 2020; ULLAH, 2020) é a principal causa da esteatose hepática e demais alterações. Isso também justificaria a diminuição do parênquima hepático nesse grupo.
No grupo contendo os animais nascidos de matrizes diabéticas e tratadas com melatonina (GIII), a análise histomorfométrica se mostrou semelhante à do grupo controle (GI), o que sugere que a melatonina desempenhou um papel protetivo nos órgãos. Tal afirmação é embasada em trabalhos que mostram que a melatonina atua como um poderoso antioxidante a nível tecidual e sistêmico, auxiliando no combate dos efeitos deletérios de diversas doenças, incluindo do DM (TRINDADE, 2017; ALVES, 2020).
Conclui-se que a administração da melatonina durante a gestação pode auxiliar na proteção de fígados da prole. No entanto, é necessário que haja um esclarecimento melhor das vias de ação, interação com outros fármacos, do período, da forma e das doses de administração da melatonina, para que possa se propor uma intervenção terapêutica segura e eficaz.
Agradecimentos
Ao CNPq pela concessão da bolsa de pesquisa ao primeiro autor, ao Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal da Universidade Federal Rural de Pernambuco, pela utilização do biotério e demais espaços físicos para realização dos experimentos.
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Recebido em 28 de junho de 2020
Retornado para ajustes em 1 de setembro de 2020
Recebido com ajustes em 8 de setembro de 2020
Aceito em 11 de setembro de 2020