Revista Agrária Acadêmica
Volume 3 – Número 6 – Nov/Dez (2020)
doi: 10.32406/v3n62020/117-121/agrariacad
Toracoxifopagia em ovinos neonatos – relato de caso. Thoracoxyphopagia in neonate sheep – case report.
Ana Greice Borba Leite1*, Weliton Galdino da Silva1, Daniela Oliveira2, Márcia Bersane Araújo de Medeiros Torres
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1- Departamento de Medicina Veterinária, Centro Universitário Maurício de Nassau – UNINASSAU/Unidade Graças – Recife/PE. E-mail: ag_mv530@hotmail.com, welitongaldino916@gmail.com
2- Departamento de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Agreste de Pernambuco – UFAPE – Garanhuns/PE – Brasil. E-mail: danisjc6@yahoo.com.br, marcia.bersane@ufape.edu.br
Resumo
A toracoxifopagia consiste na união de dois fetos pelo tórax e região xifoide, é uma alteração congênita rara. Este estudo teve como objetivo relatar um caso de toracoxifopagia em ovinos. Foi atendida uma ovelha com parto distócico, que teve o primeiro feto de nascimento normal, porém sem vida, necessitando de cesariana para o segundo nascimento. Após a cirurgia foi constatado uma malformação congênita do tipo toracoxifopagia entre dois fetos, que nasceram mortos. Na literatura não foram encontrados relatos semelhantes, devido ser uma condição rara, que pode estar relacionada a diversos fatores, como vírus, drogas, plantas teratogênicas e consanguinidade, conduzindo a gestação a um parto distócico e incompatibilidade com a vida.
Palavras-chave: Thoraco Xifopagus. Malformação Congênita. Fetos Unidos.
Abstract
Thoracoxypophagia consists of the union of two fetuses by the chest and xiphoid region, it is a rare congenital alteration. This study aimed to report a case of thoracoxypophagia in sheep. A sheep with dystocic delivery was attended, who had the first fetus of normal birth, but lifeless, requiring a cesarean section for the second birth. After the surgery, a congenital malformation of the thoracoxypophagia type was found between two fetuses, who were stillborn. Similar reports have not been found in the literature, as it is a rare condition, which may be related to several factors, such as viruses, drugs, teratogenic plants and inbreeding, leading to gestation to a dysthocic delivery and incompatibility with life.
Keywords: Thoraco-Xiphopagu. Congenital Malformation. United Fetuses.
Introdução
O conceito de anomalia é tudo aquilo que difere do normal, sendo o conceito de normal referente ao indivíduo que mais se aproxima do padrão de sua espécie. No entanto, uma característica pode não ser considera natural para uma espécie, mas pode ser um diferencial racial de outra espécie (WERNER, 2017, p. 81).
A ocorrência das variedades de malformações indica que elas podem estar envolvidas com vários erros genéticos ao longo do processo evolutivo. No entanto, alguns fatores externos também podem influenciar no surgimento das malformações que se desenvolvem durante a formação do organismo (CRISTO et al., 2012).
As causas das malformações são na maioria das vezes desconhecidas, mas sabe-se que alguns vírus, como o vírus da língua azul e o vírus da diarreia bovina, e drogas, como a tetraciclina, dimetil sulfóxido, diazepan e excesso de vitamina A, podem causar alterações na formação do feto (PICHLER, 2007; WERNER, 2017, p. 81), assim como a ingestão de algumas plantas teratogênicas, como a Mimosa tenuilora e Cesalpinia pyramidalis, principalmente no momento da fase embrionária (SANTOS et al., 2012; CORREIA et al., 2017; SOUZA et al., 2018). Outro fator importante é a consanguinidade dentro do rebanho, que predispõe o surgimento das alterações congênitas, aumentando as chances de expressão de genes homozigotos (HAGE et al., 2017).
Como consequência das anomalias morfológicas congênitas está o parto distócico, que pode afetar diretamente o momento do nascimento, necessitando de uma intervenção profissional (SANTOS; LEAL, 2018). Além disso, tem as perdas econômicas, visto que as alterações mais graves são incompatíveis com a vida do animal (SANTOS et al., 2016). O que torna importante mais estudos sobre o tema.
Diante disso, este trabalho tem como objetivo relatar um caso de toracoxifopagia em ovinos neonatos.
Relato de Caso
Em uma propriedade da zona rural de Toritama, interior do estado de Pernambuco, uma ovelha da raça dorper teve sua primeira gestação de três fetos machos, sendo o cruzamento realizado por monta natural. A mesma era criada em regime de confinamento e sem nenhuma intercorrência durante o período gestacional. Ao final da gestação, o primeiro feto nasceu de parto natural, mas nasceu morto e foi descartado pelo proprietário, os outros dois não conseguiram nascer de parto normal precisando realizar uma cesariana e também nasceram mortos. Após o nascimento o médico veterinário constatou uma malformação entre dois fetos, que se apresentavam unidos pelo tórax e região xifoide, alteração denominada de toracoxifopagia, caso inédito na propriedade. No exame pós morte foi verificado que os fetos se apresentavam uniformemente desenvolvidos, com ausência do esterno em ambos os animais, apresentando uma união entre as cavidades torácicas e região xifoide. Havia duplicidade de todos os órgãos e um único cordão umbilical (Fig. 1).
Figura 1 – Fetos natimortos de ovinos apresentando união entre as cavidades torácicas e regiões xifoides (A). Observar a presença de um único cordão umbilical para os dois fetos (seta).
Discussão
Apesar de serem consideradas condições raras, casos de malformações em ruminantes vêm sendo descritos no território brasileiro ao longo dos últimos dez anos. Alguns de causa conhecida e outros, como a alteração apresentada nesse estudo, de causa desconhecida. Entre eles a aprosopia e fetos unidos pelo tórax com cabeça única (MARCOLONGO-PEREIRA et al., 2010), malformação facial em feto bovino (NOVANSKI et al., 2010), dicefalia em caprino (FAVARETTO et al., 2011), acefalia em ovino (SOUZA et al., 2012), dicefalia em bovino (ROTTA et al., 2008; BERTOLI et al., 2014; SANTOS et al., 2016), artrogripose, palatosquise e queilosquise em ovino e caprino (QUEVEDO et al., 2013). Entre os vários relatos verificados na literatura, não foi encontrado nenhum caso semelhante ao apresentado nesse estudo.
Ao realizar o exame pós morte, nos fetos deste relato, verificou-se o desenvolvimento simétrico dos fetos, presença de órgãos duplicados, sendo os corpos unidos pelo tórax e região xifoide. No entanto, apesar de estarem completamente formados, na maioria das vezes, os fetos já nascem mortos devido o tempo de nascimento prolongado ocasionado pelo parto distócico, fato também ocorrido nesse relato. Necessitando de intervenção do médico veterinário, seja realizando manobras obstétricas ou cesariana, para ajudar no nascimento do feto (ANDOLFATO; DELFIOL, 2014).
No caso relatado a fêmea era criada confinada, descartando a possibilidade de ingestão de plantas teratogênicas, o reprodutor da propriedade não apresentava parentesco com a fêmea e não era realizada medicações sem acompanhamento veterinário, tornando a etiologia nesse caso desconhecia. Outras prováveis causas desta alteração podem ser de origem viral ou um defeito congênito sem herança genética estabelecida (ROSA, 1990).
Segundo Cristo et al. (2012), a compreensão de como ocorre a maioria das alterações congênitas ainda não é clara. No entanto, supõe-se que cada malformação é desencadeada por um agente teratogênico possuindo sua própria patogenia. Apesar de uma grande parte das malformações serem facilmente identificadas, a sua etiologia, ao contrário, ainda é difícil.
Em uma pesquisa realizada por Dantas et al. (2010), sobre malformações congênitas em ruminantes diagnosticadas no semiárido nordestino, foram analisados 1.347 materiais de ruminantes, desses 3,48% apresentaram malformações congênitas. As malformações foram divididas em causadas pelo consumo de Mimosa tenuiflora e malformações sem causa conhecida. Com relação aos ovinos, dos 418 materiais analisados, 21 corresponderam a malformações, sendo 4,3% do total de malformações causadas pelo consumo da planta e 0,71% sem causa conhecida. Nesse mesmo ano Marcolongo-Pereira et al. (2010) também realizaram um estudo sobre malformações em ruminantes no sul do Brasil, no qual a ocorrência de defeitos congênitos em bovinos, ovinos e bubalinos representou 0,88%, 0,36% e 7,54% respectivamente. Todos os casos de defeitos congênitos observados em ovinos (gêmeos anômalos e aprosopia) afetaram vários sistemas e eram esporádicos.
Em casos de malformações em cordeiros é importante a realização do exame pós morte e colheita de amostras de soro, tanto da mãe quanto do feto, para o esclarecimento de causas virais (ROSA, 1990). Além disso, como prevenção é indicado realizar um manejo sanitário e nutricional adequado, não realizar tratamento com drogas sem a orientação de um profissional e evitar o cruzamento entre animais aparentados, pois há indícios de algumas malformações serem hereditárias (FAVARETTO et al., 2011; BERTOLI et al., 2014).
Conclusão
A malformação caracterizada pela união do tórax e região xifoide na medicina veterinária é uma condição rara, que pode estar relacionada a diversos fatores, conduz a gestação a um parto distócico e incompatibilidade com a vida do animal. Nesse relato as causas tóxicas e de consanguinidade foram excluídas pelo levantamento epidemiológico do caso, mas a causa viral não foi pesquisada.
Referências
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Recebido em 17 de outubro de 2020
Retornado para ajustes em 18 de novembro de 2020
Recebido com ajustes em 19 de novembro de 2020
Aceito em 10 de janeiro de 2021