Estimativa da produção de etanol a partir de biomassas lignocelulósicas pré-tratadas com peróxido de hidrogênio

Revista Agrária Acadêmica

Agrarian Academic Journal

Volume 4 – Número 3 – Mai/Jun (2021) 

doi: 10.32406/v4n3/2021/72-83/agrariacad

 

Estimativa da produção de etanol a partir de biomassas lignocelulósicas pré-tratadas com peróxido de hidrogênio. Estimation of ethanol production from pre-treated lignocellulose biomasses with hydrogen peroxyde.

 

Leidiane de Paula1

 

1- Mestre em Agroenergia – UFT, Especialista em Produção de Ruminantes – UFT, Zootecnista – UEG. E-mail: leidiane-zootecnista@hotmail.com

 

Resumo

 

O objetivo deste trabalho foi comparar os pré-tratamentos com peróxido de hidrogênio a 1 e 2% (v/v) e pH a 11,5 usados nas biomassas lignocelulósicas do capim-elefante (CE), capim-mulato (HD364), casca de arroz (CA) e folhas da planta do abacaxi (AB) para estimar a produção de etanol de segunda geração (2G). O delineamento experimental foi inteiramente casualizado em esquema fatorial 4×2 com quatro repetição por tratamento. A hidrólise enzimática foi realizada com as biomassas pré-tratadas usando enzima Cellic/CTec2. Foram utilizados 7 ml do material hidrolisado e 0,14 g de levedura Saccharomyces cerevisiae não isolada. Após essa diluição o material foi levado para uma estufa de isopor e medidos a temperatura e volume do gás produzido nos horários 0,04; 0,08; 0,2; 0,63; 0,92; 1,19; 1,93; 2,19; 2,82; 3,15; 3,94 horas pós-incubação. Os resultados evidenciaram que as diferenças observadas entre os pré-tratamentos influenciaram o rendimento em etanol de 2G de forma diferente entre as biomassas, sendo o CE a que apresentou melhor rendimento, entretanto, ao se avaliar o rendimento pelo teor de peróxido dentro de cada biomassa, tanto o AB quanto o CE não apresentaram diferenças entre os pré-tratamentos. A HD364 teve melhor rendimento com o peróxido a 1% e a CA com o peróxido a 2%.

Palavras-chave: Metodologia. Peróxido de hidrogênio. Biomassas. Bioetanol.

 

 

Abstract

 

The objective of this work was to compare pre-treatments with hydrogen peroxide at 1 and 2% (v/v) and pH at 11.5 used in elephant-grass (EC), mulatto-grass (HD364) lignocellulosic biomass, bark of rice (CA) and leaves of the pineapple (AB) plant to estimate the production of second-generation ethanol (2G). The experimental design was completely randomized in a 4×2 factorial scheme with four replicates per treatment. Enzymatic hydrolysis was performed with the pretreated biomasses using Cellic/CTec2 enzyme. 7 ml of the hydrolyzed material and 0.14 g of non-isolated Saccharomyces cerevisiae yeast were used. After this dilution the material was taken to a styrofoam oven and measured at the temperature and volume of the gas produced at the time of 0,04; 0,08; 0,2; 0,63; 0,92; 1,19; 1,93; 2,19; 2,82; 3,15; 3,94 hours post-incubation. The results showed that the observed differences between the pretreatments influenced the yield in 2G ethanol differently between the biomasses, being the CE that presented the best yield, however, when evaluating the yield by the peroxide content within each biomass, both AB and EC showed no differences between pre-treatments. HD364 had better yield with 1% peroxide and CA with 2% peroxide.

Keywords: Methodology. Hydrogen peroxide. Biomasses. Bioethanol.

 

 

Introdução

 

Atualmente, o sistema energético internacional é fortemente dependente de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), pois cerca de 80% do consumo mundial de energia se originam dessas fontes. O consumo apresenta um crescimento anual de cerca de 2% (média em 20 anos) e cresceu 3,1% ao ano nos últimos 5 anos (GOLDEMBERG, 2008). Esta é uma situação que necessita mudanças não só pela exaustão gradativa das reservas de combustíveis fósseis como também pelos efeitos negativos ao meio ambiente que resultam do seu uso, entre os quais o aquecimento global. A busca por combustíveis alternativos levou al­guns países a optar pelo uso de biocombustíveis, devido principalmente ao recente interesse na energia da biomassa, o que gerou combustíveis líquidos tais como o etanol produzido pela fermentação de açúcares (etanol de primeira geração) extraídos, principalmente, da cana-de-açúcar, do milho, da beterraba, entre outras fontes. Outra via para a produção de etanol é pela hidrólise de biomassa lignocelulósica, com geração de glicose, a qual pode ser fermentada produzindo etanol de segunda geração (OGEDA e PETRI, 2010).

Pode-se dizer de uma maneira simples que a obtenção de etanol a partir de biomassa envolve duas etapas. A primeira consiste na hidrólise dos polissacarídeos, gerando mono e dissacarídeos. A se­gunda etapa envolve a fermentação dos mono e dissacarídeos em etanol. A hidrólise de celulose gera glicose e celobiose (um dímero de glicose). Por outro lado, a hidrólise de ligninas e hemicelulose gera açúcares e subprodutos (principalmente, difenóis, derivados de fenilpropano, cetonas, furfural e ácido acético), que muitas vezes inibem a fermentação microbiana (OGEDA e PETRI, 2010).

Aproveitando os avanços já obtidos em pesquisas bioenergéticas com biomassas lignocelulósicas como o bagaço de cana-de-açúcar (Saccharum spp.), outras matérias-primas ou resíduos lignocelulósicos podem ser avaliados para a produção de etanol. As gramíneas forrageiras tropicais são opções à obtenção de energia a partir das biomassas. Capim-elefante (Pennisetum purpureum), por exemplo, um capim muito produtivo, podendo chegar a 30 toneladas de biomassa por hectare anuais. Já o capim Mombaça (Panicum maximum), é uma alternativa, por também ser de alta produtividade (15 a 30 t/ha/ano) e propagado por semente, assim como o capim Andropogon (Andropogon gayanus) (12 t/ha/ano). As plantas forrageiras são materiais promissores para produção de etanol uma vez que não apresentam problemas relativos à sazonalidade, não competem com a produção de alimentos, e apresentam características de alta produtividade e facilidade de adaptação a várias regiões do país (PEREIRA, 2013).

O objetivo deste trabalho foi comparar os pré-tratamentos com peróxido de hidrogênio a 1 e 2% (v/v) e pH a 11,5 usados nas biomassas lignocelulósicas do capim-elefante (CE), capim-mulato (HD364), casca de arroz (CA) e folhas da planta do abacaxi (AB) para estimar a produção de etanol de segunda geração (2G).

 

Material e Métodos

 

O trabalho foi conduzido no Laboratório de Solos e Resíduos Agroindustriais da Universidade Federal do Tocantins (UFT), no Campus de Palmas – TO.

O delineamento experimental foi inteiramente casualizado em esquema fatorial 4×2 com quatro repetições por tratamento. Foram avaliadas quatro biomassas vegetais como matérias-primas para avaliar a produção de etanol de segunda geração (2G) através da determinação dos açúcares solúveis via hidrólise enzimática da fibra; e da estimativa do etanol via produção de gás (CO2).  As fontes de biomassa utilizadas foram: o capim Elefante (Penisetum purpureum), capim Mulato (Braquiária híbrida HD364 – Mulato II), casca de arroz (Oryza sativa) e folhas da planta do abacaxi (Ananas comosus L. Merril).

A normalidade dos dados foi avaliada pelo teste Shapiro-Wilk e posteriormente os dados submetidos à análise de variância pelo teste F a 5% de significância. As médias dos tratamentos foram comparadas pelo teste Scott-Knott a 5% de significância. Os procedimentos estatísticos realizados através do programa estatístico SISVAR.

As amostras de capim e folhas do abacaxi foram cortadas em frações de cerca de 2 cm e secas em estufa a 55 °C por 96 horas. Decorrido esse tempo, foram moídas em moinho de facas (Wiley®) com peneira para obtenção de partículas não maiores que 1 mm, acondicionadas em sacos plásticos e armazenadas a 4 °C até o momento de uso.

Para a determinação da fibra em detergente neutro (FDN) e da fibra em detergente ácido (FDA) foi utilizada a metodologia proposta por Van Soest conforme citado por Silva e Queiroz (2012).

A aplicação da metodologia da análise da parede celular de Van Soest foi realizada para a determinação do FDN da seguinte forma: 0,5 g da amostra submetida a um processo de lavagem da parede celular onde ficou por 60 minutos em 15 ml de solução de fibra de detergente neutro a quente (aproximadamente 100 °C).

Para a análise da FDA foi pesado 0,5 g de amostra e submetida ao mesmo procedimento de lavagem a quente que o descrito para FDN, utilizando-se o detergente ácido. Após este processo, a amostra foi filtrada com auxílio de uma bomba de vácuo e lavada com água a 100 °C, e depois com acetona. A amostra foi levada a uma estufa para secar a 60 °C. Depois resfriada em um dessecador para ser feita a pesagem.

O Pré-tratamento das biomassas foram feitos com peróxido de hidrogênio alcalino (PHA) utilizando uma concentração de 1 e 2 % v/v, em mesa agitadora, por 24 horas. A metodologia utilizada segue o melhor resultado obtido por Correa (2013).

Terminado o pré-tratamento, a amostra foi filtrada utilizando uma bomba de vácuo e sendo lavada por duas vezes com água quente, e outras duas vezes com acetona, até que as fibras se tornaram incolor em toda a amostra. A amostra foi secada em estufa a 60 °C e resfriada em dessecador por 1 h antes de ser pesada.

Os perfis acumulativos de produção de gás in vitro foram obtidos analogamente às metodologias descritas por Blummel e Orskov (1993) e Theodorou et al. (1994) que utilizaram sistemas baseados em seringas. O volume do gás produzido foi medido com seringa para a construção das equações de produção de volume e massa de gás (CO2).

Antes da incubação, as amostras de biomassa foram processadas (pré-secagem a 55 °C, moídas e pré-tratadas com peroxido de hidrogênio). Após o pré-tratamento o material foi para hidrólise enzimática em Banho-Maria conforme metodologia já descrita. A fração líquida hidrolisada foi separada da fração sólida por centrifugação (10 minutos) e a fração líquida resultante da centrifugação foi novamente homogeneizada. Foi coletada uma alíquota de 7mL do hidrolisado e colocada em tubos de vidro de 10 ml. Foram adicionados aos tubos 0,14g de levedura (2% p/v) e então os tubos foram imediatamente lacrados e levados para estufa entre 34 e 38°C.

Foram incubados um total de 32 tubos (4 repetições por tratamento) para a realização as medições da produção de gás (CO2) e cinética de fermentação (lag phase e taxa de fermentação). Cada tubo de vidro de 10 ml, teve: 7 ml de solução obtida por previa hidrolise enzimática em solução tampão, 0,14 g de levedura (Saccharomyces cerevisiae) obtendo uma relação final de 2% (p/v) de inoculo. Estes tubos foram selados com tampa de borracha e mantidas entre 34 e 38 oC em estufa com aquecimento tipo box de “isopor”. Para os ajustes de variação foram incubados tubos testemunhas, contendo as soluções tampão proveniente da incubação submetida ao substrato sem enzima (branco) e as medições dos volumes de gás foram coletados todos com um mesmo par de seringas de 3 ml. No momento das medições a temperatura do ambiente (estufa) foram registradas para ajustes matemáticos posteriores.

O volume de gás produzido em cada horário foi medido utilizando-se sempre um mesmo par de seringas a fim de reduzir efeitos de variação entre seringas diferentes. A cada horário de coleta a temperatura da estufa foi anotada, permitindo ajuste do volume à temperatura para cálculos posteriores da massa de CO2 produzida.

Com finalidade de hidrolisar as fontes de biomassas para a liberação dos açúcares fermentescíveis (principalmente a glicose), as amostras (pré-tratadas) foram submetidas à hidrólise enzimática, sendo determinada o rendimento da hidrólise dos materiais através da estimativa da fibra bruta hidrolisada (FBh).

O meio reacional foi constituído por 0,83 g do substrato pré-tratado, sendo utilizado 1200 ml de solução tampão contendo 13,26 g do tampão citrato e 18,98 g do fosfato de sódio, e 50 U da enzima Cellic/CTec2 do complexo enzimático diluído. Após feita a solução usou-se 40 ml em cada tubo com a biomassa pré-tratada, sendo feita 4 amostras de cada biomassa.

 As reações enzimáticas foram feitas em Banho-Maria a 48 °C, agitação de 180 rpm, durante 72 horas. A dosagem do complexo enzimático Cellic/CTec2 foi baseada na proporção relativa de fibra obtida após o pré-tratamento. Conforme recomendação do fabricante da enzima correspondente a 6,0% da fibra bruta. A hidrólise enzimática foi realizada em quadruplicata para cada tratamento experimental.

O processo de fermentação alcoólica foi realizado com a levedura Saccharomyces cerevisiae não isolada, obtido de fermento biológico comercial.

Após a hidrólise com os complexos enzimáticos Cellic/Ctec2, foram estimados os açúcares fermentescíveis pela diferença de massa da fração fibrosa antes e após a hidrólise. Para tanto, a metodologia teve por princípio a quantificação da fração da fibra que sofreu digestão enzimática pela diferença entre o peso inicial da amostra submetida à hidrólise e seu peso ao final da hidrólise. Pelo fato de as enzimas serem substratos específicos, a hidrólise observada no material se deu exclusivamente sobre o substrato fibroso que resultou na liberação dos açúcares solúveis e potencialmente fermentescíveis. Assim a fração fibrosa hidrolisada correspondeu aos açúcares livres solúveis disponíveis para fermentação etílica. Assim obteve-se uma quantificação indireta da proporção de açúcares solúveis obtidos a partir da digestão enzimática do material. Entretanto, pelo fato de o complexo enzimático apresentar além de uma ação hidrolítica intensa sobre a celulose, também uma atividade hemicelulolítica, pode resultar também em pentoses livres e não apenas hexoses. Desta forma, nem sempre toda fração hidrolisável de uma dada biomassa vegetal formará apenas glicose para a fermentação quando se utiliza Cellic/Ctec2. Uma vez que a estimativa do etanol está baseada na quantidade de glicose disponível à fermentação, nem sempre o método da hidrólise poderá ser o mais indicado para sua determinação.

Para se estimar a produção de etanol a partir da fração hidrolisada da fibra (açúcares solúveis), Finguerut et al. (1985) sugeriram a estimativa do rendimento de fermentação alcoólica via a forma estequiométrica pela aplicação da equação de Gay–Lussac que, para efeito de cálculo, considera que cada 100 kg de Açúcar Redutor Total (ART) (expressos em glicose) fermentado, produz-se 46,49 kg de etanol e 46,49 kg de CO2. Por outro lado, submeter a solução contendo os açucares solúveis à fermentação alcoólica da Saccharomyces cerevisiae pode ser interessante para a aferição da quantidade de glicose que há disponível no complexo de açucares solúveis obtidos pela hidrólise enzimática.

Após hidrólise enzimática realizada foi determinado o potencial de geração de etanol através da: Estimativa de etanol via determinação dos açúcares solúveis via hidrólise enzimática da fibra e estimativa do etanol via produção de gás (CO2).

 

Resultados e Discussão

 

Os teores de FDN e FDA das biomassas analisadas são apresentados a seguir na tabela 1, e estão dentro da faixa dos teores descritos por vários autores.

 

Tabela 1 – Caracterização dos componentes fibrosos das diferentes biomassas.
Frações da Parede Celular
Braquiária
Convert HD 364
Capim Elefante
Casca de Arroz
Folhas do Abacaxi
FDN(%MS)
83,57
87,42
89,86
53,86
FDA(%MS)
46,40
59,59
67,59
23,60
Hemicelulose (%MS)
37,17
32,88
22,27
30,26
Lignina (%MS)
3,78 1
11,74 2
21,50 3
4,91 4
Celulose (%MS)
42,68
42,80
46,09
18,69
1: Parâmetro CQBOL pag. 135
2: Parâmetro CQBOL pag. 173
3: Parâmetro Coral et al. (2016)
4: Parâmetro CQBOL pag. 407
Celulose: Valor estimado = FDA – Lignina
Hemicelulose: estimada pela diferença entre FDN – FDA

 

O teor de hemicelulose foi determinado pela diferença entre fibras em detergente neutro (FDN) e fibras em detergente ácido (FDA).

Segundo Bianchini et al. (2007), a fibra vegetal é a uma denominação geral aplicada a diversos materiais compostos de hidrogênio, oxigênio e carbono, representados majoritariamente por celulose, hemicelulose e lignina, constituindo a parede celular dos vegetais. Sendo possível estimar as frações digestíveis e não digestíveis através de sua caracterização química. O teor de hemicelulose foi determinado pela diferença entre fibras em detergente neutro (FDN) e fibras em detergente ácido (FDA).

Não foi observada interação significativa para o rendimento no pré-tratamento (P>0,05) entre as Biomassas e as concentrações de peróxido como se pode observar no gráfico 1. Para todas as biomassas estudadas a concentração 2% de peróxido resultou em uma fração residual menor de material tratado quando comparado com 1%, o que significa dizer que a concentração 2% retirou mais material durante o pré-tratamento das biomassas. Dentro de cada concentração de peróxido foi observado um comportamento diferente entre as concentrações, sendo que para 1% de peróxido, o resíduo do pré-tratamento foi semelhante entre CE e CA diferindo entre os demais. Já para 2% de peróxido, foram semelhantes os resíduos de HD e CE diferindo entre os demais. Explicação em função da composição da Parede celular das biomassas. Mas ainda assim não houve uma diferença significativo de acordo com o material e o pré-tratamento usado.

 

Gráfico 1 – Coeficiente de Rendimento do Pré-tratamento com Peróxido de Hidrogênio para diferentes biomassas.

Médias seguidas de mesma letra minúscula (biomassas dentro de peróxido) e maiúscula (peróxido dentro das biomassas) não diferem entre si pelo teste scott-knott (p > 0,05).

 

Não foi observada interação significativa (P>0,05) entre as biomassas e as concentrações de peróxido de hidrogênio. As médias do coeficiente de hidrólise médio para diferentes biomassas e o coeficiente de hidrolise médio com H2O2 são apresentados nos gráficos 2 e 3.

 

Gráfico 2 – Coeficiente de Hidrólise médio para as diferentes biomassas.

Médias seguidas de mesma letra não diferem entre si pelo Teste de Kcott-Knott a 5% de significância.

 

Gráfico 3 – Coeficiente de Hidrólise médio observado em biomassas pré-tratadas com Peróxido.

Médias seguidas de mesma letra não diferem entre si pelo Teste de Kcott-Knott a 5% de significância.

 

No gráfico 2 observou-se que houve diferença significativa para o coeficiente de hidrólise apenas entre a casca de arroz e as demais biomassas estudadas. Este fato já era esperado uma vez que a casca de arroz apresentou maior resíduo ao pré-tratamento com peróxido indicando haver muito material resistente na sua composição. O Gráfico 3 apresenta o coeficiente de hidrólise médio observado entre os pré-tratamentos, evidenciando que a concentração de 2% de peróxido foi mais efetiva em promover maior potencialidade de hidrólise nas diferentes biomassas.

Não foi observada interação significativa (P<0,05) entre o tipo de biomassa e a concentração de peróxido de hidrogênio. Ficou evidenciado que a realização do pré-tratamento com 2% de peróxido de hidrogênio possibilitou a obtenção de maiores coeficientes de hidrólise para todas as biomassas. E que entre as biomassas estudadas, a casca de arroz foi a que apresentou o pior coeficiente de hidrólise em ambos os tipos de pré-tratamento estudados. O pré-tratamento com 2% de peróxido possibilitou um incremento médio de 46 % na hidrólise dos materiais (peróxido 1% – 0,50 e peróxido 2% – 0,73).

No trabalho de Garcia (2009) ao analisar o comportamento das amostras de bagaço de cana de açúcar em relação ao tempo, verificou-se que até 12 h de hidrólise a variação em termos de glicose e ART não foi muito significativa, exceto para a amostra sem pré-tratamento. Nota-se grande diferença entre o bagaço que não foi pré-tratado e os que foram submetidos a este processo. A partir de 12 h de hidrólise em diante, foi possível observar que a variação da concentração de peróxido alcalino durante o pré-tratamento influencia a hidrólise do bagaço de cana-de-açúcar de maneira que, quanto maior a concentração, mais eficaz é a produção de glicose e ART. Concentrações maiores que 11% de peróxido no pré-tratamento leva somente a ligeiro aumento na liberação de glicose e ART.

Correa (2013) avaliou as seguintes concentrações de peróxido de hidrogênio alcalino (0,645; 2,15 e 4,3 % v/v PHA) com pH de cada solução e peróxido de 11,5 no pré-tratamento com bagaço de caju (BC), também foi realizado um ensaio controle no qual não adicionou peróxido de hidrogênio, ou seja, uma concentração de 0,0% v/v. O experimento com 4,3% v/v PHA resultou em uma perda de 35,1% de rendimento em massa de sólido pré-tratado, o que indica que 65,0% do bagaço de caju foi solubilizado. A lignina foi o principal componente solubilizado nesta condição de pré-tratamento.

O rendimento em massa de lignina foi somente 6,9 g, considerando que a porcentagem de lignina referente à composição inicial do bagaço in natura foi 35.2 ± 0.9% m/m, o resultado mostra que 80,2% da lignina inicial foi solubilizada. Na fração líquida obtida após o pré-tratamento foi detectado uma baixa concentração de xilose (0,52 g/L), resultado da baixa eficiência na hidrólise da hemicelulose.  Houve um aumento de 37,6% m/m na porcentagem de celulose no BC pré-tratado com 4,3% v/v PHA em comparação ao bagaço não tratado, correspondendo ao teor de 32,9% m/m de celulose no BC-PHA. No entanto, o teor de lignina diminuiu, o que era esperado, pois segundo a literatura o pré-tratamento com peróxido de hidrogênio aumenta a solubilidade da lignina (ALVIRA et al., 2010). O pH foi ajustado para 11,5 com hidróxido de sódio (NaOH) Pinar et al. (2012) estudaram o efeito da concentração inicial de PHA em palha de colza e obtiveram como resultado a concentração ótima de 5% v/v. Saha e Cotta (2006) verificaram que o rendimento de açúcar máximo foi obtida através da hidrólise enzimática da casca de arroz, com pré-tratamento de 7,5% v/v de PHA, com pH 11,5, a 35 °C durante 24 h de pré-tratamento. Pode-se perceber que mesmo com um tempo curto de hidrólise (24 h) há um rendimento considerável de 48,6 ± 6,2 mg/g BC, correspondendo a 138,3 ± 6,2 mg/g BC-PHA. Esse resultado deve-se aos efeitos da elevada deslignificação e da alteração na cristalinidade da celulose.

Através da digestibilidade enzimática e o rendimento de glicose, após a hidrólise mostrou que quanto maior a remoção de lignina, proporcionou maior digestibilidade e maior rendimento. Estes resultados já eram esperados e estão de acordo com a literatura a respeito da remoção de lignina e seus efeitos sobre a digestibilidade de substratos lignocelulósicos de acordo com Pinar et al. (2012).

Foram ajustadas regressões lineares através do método de polinômios ortogonais com o objetivo de realizar comparações dos modelos lineares entre as concentrações de peróxido de hidrogênio utilizadas como pré-tratamento dentro de cada biomassa (tabela 2).

Procedeu-se assim a comparação por identidade entre os interceptos e coeficientes de regressão das equações ajustadas entre as concentrações de peróxido dentro de cada biomassa. A diferença entre os interceptos pode indicar que outros fatores presentes no ambiente fermentativo tenham influenciado a fermentação, como por exemplo, possíveis inibidores de fermentação decorrentes do uso de peróxido no pré-tratamento. Já o coeficiente de regressão indicaria a taxa fermentativa se manifestou.

Neste sentido, para todos os ajustes de regressão realizados, não foram observadas diferenças significativas na inclinação das retas (coeficientes de regressão), indicando que a taxa fermentativa foi independentemente do tipo de pré-tratamento utilizado. Entretanto, a mesma independência não foi observada para os interceptos das regressões, indicando que a utilização de peróxido de hidrogênio pode ter colaborado para as diferenças observadas neste parâmetro. É fato que a maior concentração de peróxido de hidrogênio (2%) exerceu efeito positivo sobre o coeficiente de hidrólise das biomassas estudadas. Neste sentido, seria de se esperar um favorecimento da atividade fermentativa nesta condição. Porém, ao se observar a cinética fermentativa observando os interceptos das regressões lineares não foi possível detectar este efeito, o que pode estar ligado à presença de inibidores de hidrólise enzimática e da fermentação. 

 

Tabela 2 – Comparação entre interceptos e coeficientes de regressão ajustados para cada concentração de peróxido (pré-tratamento) dentro da biomassa e apresentação das equações de regressão, coeficiente de variação (CV%), e coeficiente de determinação (R2) para cada regressão.
Comparações entre Regressões
Intercepto
(p-valor)
Coeficiente Regressão
(p-valor)
Equações de Regressão
CV%
R2
 
Abacaxi
0,2295NS
0,8778NS
1% :  Y = 3,1010 + 2,8345 . T
44.95
97,00
(gráfico 5)
2% :  Y = 3,6380 + 2,8982 . T
21,14
96,08
 
HD364
>0,0001**
0,7888NS
1% :  Y = 2,7233 + 2,6860 . T
38,97
98,60
(gráfico 4)
2% :  Y = 6,8045 + 2,9002 . T
61,28
86,50
 
Capim-elefante
>0,0001**
0,0928NS
1% :  Y = 7,7927 + 4,3812 . T
4,79
87,44
(gráfico 6)
2% :  Y = 6,3550 + 3,7327 . T
13,61
88,10
 
Casca de Arroz
>0,0001**
0,6903NS
1% :  Y = 3,7524 + 3,2581 . T
21,82
93,47
(gráfico 7)
2% :  Y = 2,0023 + 3,1237 . T
31,63
98,34
 
Legenda: Y: estimativa do volume de CO2 (cm3); T: tempo em dias (intervalo: 0,04 até 3,96); CV(%): coeficiente de variação; R2: coeficiente de determinação; 1% e 2% : concentração de peróxido no pré-tratamento da biomassa; **: diferença significativa Scott-Knott (P>0,01); NS: diferença não significativa Scott-Knott (P>0,05).

 

A seguir são apresentados os gráficos 4, 5, 6 e 7 referentes à cinética fermentativa das diferentes biomassas.

 

Gráfico 4 – Cinética fermentativa da HD364
Gráfico 5 – Cinética fermentativa da planta do Abacaxi
Gráfico 6 – Cinética fermentativa do Capim-Elefante
Gráfico 7 – Cinética fermentativa da Casca Arroz

 

A determinação do coeficiente de hidrólise enzimática das diferentes biomassas permite que tanto a celulose quanto a hemicelulose contidos na parede celular sejam parcialmente hidrolisadas. Sabe-se, portanto, que a hidrólise da celulose é que gera a glicose livre para a fermentação subsequente das leveduras e que a hidrólise da hemicelulose libera pentoses livres que não servem de substrato fermentativo se houver glicose livre no meio.  Assim, a tabela a seguir apresenta a composição média da parede celular das diferentes biomassas e refletem a proporção de celulose em relação ao total. Assumimos que dá hidrólise total da parede celular está proporcionalidade de celulose se mantenha gerando o correspondente de glicose livre para subsequente fermentação.

 

Gráfico 8: Potencial de produção de etanol para diferentes biomassas.

Médias seguidas por letras minúsculas (compara biomassa dentro de peróxido) e maiúsculas (compara peróxidos dentro de biomassas) não diferem entre si pelo Teste Scott-Knott (P< 0,05).

 

A partir do gráfico 8 evidenciou-se que as diferenças observadas entre pré-tratamentos influenciaram o rendimento em etanol (2G) de forma diferente entre as biomassas estudadas. Foram observadas diferenças nos rendimentos em etanol entre as biomassas dentro de cada concentração de peróxido, sendo o Capim-elefante a biomassa que apresentou melhor rendimento em etanol (2G) entre todas. Entretanto, ao se avaliar o rendimento em etanol entre peróxidos dentro de cada biomassa, tanto o abacaxi quanto o capim-elefante não apresentaram diferenças entre os pré-tratamentos. A Convert HD364 apresentou melhor rendimento de etanol quando pré-tratada com peróxido 1% e a Casca de arroz apresentou melhor rendimento em etanol quando pré-tratada com peróxido 2%. Cabe ressaltar que a utilização do peróxido de hidrogênio tem o objetivo de retirar a lignina impregnada aos componentes da parece celular para que as enzimas possam atuar de forma mais eficaz. Entretanto, a utilização de peróxido de hidrogênio no pré-tratamento, pode solubilizar uma fração considerável de carboidratos fermentescíveis dependendo de sua concentração, podendo sobrepor um efeito positivo (sobre a hidrólise) contra um efeito negativo (sobre a solubilização de carboidratos).

 

Conclusões

 

Em relação ao coeficiente de hidrólise enzimática não foi observada interação significativa entre as biomassas e as concentrações de peróxido de hidrogênio, apenas a casca de arroz teve um menor potencial de hidrólise. Mas evidenciou-se que a concentração de 2% de peróxido foi mais efetiva em propiciar uma preparação da biomassa lignocelulósica para hidrólise.

Evidenciou-se que os pré-tratamentos influenciaram o rendimento em etanol (2G) de forma diferente entre as biomassas estudadas. Sendo o CE a que teve melhor rendimento, entretanto, ao se avaliar o peróxido dentro de cada biomassa, tanto o AB quanto a CE não apresentaram diferenças entre os pré-tratamentos. A HD364 teve melhor rendimento quando pré-tratada com peróxido 1% e a CA com peróxido com o 2%.

 

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Recebido em 27 de abril de 2021

Retornado para ajustes em 11 de maio de 2021

Recebido com ajustes em 14 de maio de 2021

Aceito em 25 de maio de 2021