Elaboração e validação de diagramas de área padrão (DAP) para avaliação da severidade do míldio (Peronospora variabilis Gäum) em quinoa (Chenopodium quinoa Willd)

Revista Agrária Acadêmica

Agrarian Academic Journal

Volume 4 – Número 4 – Jul/Ago (2021)

doi: 10.32406/v4n4/2021/43-54/agrariacad

 

Elaboração e validação de diagramas de área padrão (DAP) para avaliação da severidade do míldio (Peronospora variabilis Gäum) em quinoa (Chenopodium quinoa Willd). Elaboration and validation of standard area diagram (SAD) to assess the downy mildew severity (Peronospora variabilis Gäum) of the quinoa (Chenopodium quinoa Willd).

 

Pablo Israel Álvarez-Romero1*, Virginia Mariño-Frías2, Carlos Francisco Carpio-Coba1, Ana Francisca Tiburcia Amorim Ferreira-Ferreira3

 

1- Facultad de Recursos Naturales, Escuela Superior Politécnica de Chimborazo, Riobamba, CH, Ecuador. Panamericana Sur km 1 1/2, Riobamba, Ecuador. CEP: EC060155.
2- Pesquisadora externa.
3- Programa de Pós-Graduação em Agronomia Tropical, Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Manaus – AM, Brasil.
*Autor para correspondência: E-mail: pabloi.alvarez@espoch.edu.ec

 

Resumo

 

O míldio da quinoa é uma das principais doenças que afetam a quinoa no Equador. Considerando a falta de métodos padronizados para quantificar esta doença nas folhas, o objetivo deste estudo foi desenvolver um diagrama para quantificar a severidade do míldio da quinoa. Para padronizar a avaliação, desenvolvemos dois conjuntos de diagramas de área padrão. Para validar o diagrama, doze avaliadores estimaram a severidade de 50 imagens de folhas digitalizadas em diferentes níveis de severidade. O diagrama proposto com incrementos lineares proporcionou bons níveis de acurácia e precisão, constituindo-se em uma ferramenta útil em estudos epidemiológicos e para o desenvolvimento de estratégias de controle do míldio da quinoa.

Palavras-chave: Fitopatometria. Sanidade vegetal. Quantificação. Quinoa, Peronospora.

 

Abstract

 

The quinoa downy mildew is one of the major diseases affecting quinoa in Ecuador. Considering the lack of standardized methods to quantify this disease on leaves, the aim of this study was to develop a standard area diagram to quantify the severity of the quinoa downy mildew. To standardize the assessment, we developed two sets of standard area diagrams. To validate the diagram, twelve raters estimated the severity of 50 scanned leaf images at different severity levels. The proposed diagram with linear increments provided good levels of accuracy and precision, constituting thus a useful tool in epidemiological studies and for the development of strategies to control the quinoa downy mildew.

Keywords: Phytopathometry. Plant health. Quantification. Quinoa. Peronospora.

 

 

Introdução

 

A Quinoa é uma cultura anual domesticada por civilizações pré-colombianas na região central dos Andes da América do Sul há aproximadamente 7.000 anos (VEGA-GÁLVEZ et al., 2010). A maior parte da produção de quinoa é tradicionalmente realizada em países andinos como Bolívia, Peru e Equador (PANDO, CASTELLANOS, 2016). Nas principais regiões produtoras de quinoa, a principal doença das plantações é o míldio  (DANIELSEN; BONIFACIO; AMES, 2003), causado por Peronospora variabilis Gäum (anteriormente P. farinosa f. sp. chenopodii Byford) (CHOI et al., 2010).

As epidemias de míldio causam uma redução na produção de quinoa (DANIELSEN; BONIFACIO; AMES, 2003), e sob condições experimentais, P. variabilis diminuiu os rendimentos em pelo menos 33% nas variedades resistentes, e em até 99% nas variedades suscetíveis (DANIELSEN et al., 2001). Embora o míldio da quinoa seja uma doença importante, ainda existem várias áreas-chave de pesquisa sobre esta doença que estão subdesenvolvidas, incluindo estudos epidemiológicos de P. variabilis, como exemplo, a quantificação de danos e perdas.

A quantificação de danos é essencial para estudos epidemiológicos e para a implementação de alternativas de controle de doenças em culturas (AMORIM; REZENDE; BERGAMIN  FILHO, 2018). A severidades é a variável que avalia os níveis de danos das doenças e nos permite implementar alternativas de controle de doenças em culturas, como o uso de fungicidas, agentes de controle biológico e o uso de variedades resistentes. Para uma unidade de amostragem doente (exemplo: uma folha), a severidade da doença descreve a proporção ou porcentagem da área da hospedeira total afetada pela doença, e é geralmente expressa como uma média da severidade de todas as unidades. A estimativa da quantidade de doença através da avaliação da severidade, é realizada diretamente através da observação dos sintomas. A quantificação do tecido doente pode ser realizada com o auxílio de ferramentas como diagramas de área padrão (DAP) ou diagramas de severidade (DS), ou ainda através da estimativa visual feita pelos avaliadores (AMORIM; REZENDE; BERGAMIN  FILHO, 2018).

Os DS são representações ilustradas de uma série de plantas ou partes de plantas com sintomas de doenças com diferentes níveis de severidade, e constituem a principal ferramenta de quantificação de muitas doenças (AMORIM; REZENDE; BERGAMIN  FILHO, 2018). O DS há muito são usados como uma ferramenta para ajudar a estimar a severidade de doenças de plantas, sendo uma variável essencial em fitopatometria (DEL PONTE et al., 2017). O objetivo principal da utilidade da SD é mostrar de forma real vários níveis de gravidade levando em consideração o tamanho, a forma e a distribuição das lesões. A avaliação da severidade de qualquer doença por meio de estimativas subjetivas pode estar sujeita a erros, portanto, é necessário o uso de critérios padronizados para medir ou quantificar a intensidade das doenças. O uso de um conjunto de DS tem sido um método importante para minimizar os erros de estimativa dos valores de severidade e aumentar a exatidão e precisão das estimativas (LENZ et al., 2010).

As variáveis usadas na validação dos DS são: LCC (Coeficiente de Correlação de Concordância de Lin ou ρc), coeficiente de correlação de Pearson (r) e coeficiente de bias (Cb). O LCC mede a concordância da correlação entre exatidão e precisão (LCC ou ρc), e é é obtido pelo produto do coeficiente de correlação de Pearson (r) e um coeficiente de viés (ou viés) (Cb). O intervalo do coeficiente abrange valores de -1 a 1 quando aplicado a variáveis contínuas (LCC=1 quando há concordância perfeita, ou quando a concordância é aleatória; LCC= -1 quando os valores estimados aumentam enquanto os reais diminuem). Portanto, quanto mais próximo o coeficiente LCC estiver de 1, maior será a concordância da avaliação (MADDEN; HUGHES; VAN DEN BOSCH, 2007).

É comum utilizar o coeficiente de correlação de Pearson (r) como média de precisão, pois esta avalia o grau de variabilidade, sendo que quanto maior a variabilidade de um conjunto de dados, menor a precisão. Para variáveis contínuas, o intervalo de r varia de -1 a 1 (r=1 indica uma relação perfeita entre as variáveis, ou seja, um aumento de um grau em uma variável aumenta um grau na outra variável; r= 0 indica que não há relação entre o par de variáveis; r= -1 há relação perfeita negativa, ou seja, um aumento de um grau em uma variável diminui um grau em outra variável (MADDEN; HUGHES; VAN DEN BOSCH, 2007).

O coeficiente de enviesamento (Cb) é considerado uma medida de precisão, uma vez que envolve tanto a diferença entre os valores estimados e reais (u) como as diferenças de escala (v). Portanto, Cb é uma indicação da diferença entre o melhor ajuste da linha e a linha de concordância perfeita, que é a linha com inclinação igual a 1 e o intercepto igual a 0. Quando o valor de Cb é menor que 1 há uma diferença entre as duas linhas, e quando não há diferença, os modelos são iguais. O Cb é influenciado por dois coeficientes, a mudança de localização ou mudança de local (location shift) (u) e a mudança de escala (scale shitf) (v). O deslocamento de localização ocorre quando os valores observados são diferentes dos valores reais na média, sendo o valor ideal igual a 0. O deslocamento de escala ocorre quando o valor difere de 1, ou seja, quando a variância do estimado os valores são diferentes da variância dos valores reais (MADDEN; HUGHES; VAN DEN BOSCH, 2007).

Levando em consideração a importância do míldio da quinoa e a ausência de DS validados para avaliar a severidade desta doença nesta cultura andina transcendentalmente importante, este artigo tem como objetivo desenvolver e validar diagramas de severidade (SD) para medir com precisão e confiabilidade a severidade de Peronospora variabilis em quinoa, que servirá de base na incorporação e validação de novas alternativas para o manejo integrado de doenças, como o uso de variedades com resistência genética horizontal, uso de agentes de controle biológico ou aplicação de fungicidas específicos.

 

Material e métodos

 

Em março de 2020, folhas sintomáticas de quinoa cv. Chimborazo de 2 meses de idade foram coletadas em três campos produtores, dois localizados na região de Colta- Cajabamba, e um na região de Penipe, ambos localizados na província de Chimborazo, principal produtor da quinoa no Equador. As folhas de quinoa com os sintomas característicos de míldio (manchas cloróticas irregulares na parte superior da folha e vilosidades cinzas na parte inferior) foram coletadas aleatoriamente, evitando as bordas do plantio. Um total de 314 folhas de todos os campos com diferentes níveis de severidade do míldio foram coletadas e armazenadas em embalagens de papel, previamente etiquetadas e acondicionadas em um cooler até o processamento.

As folhas coletadas foram digitalizadas individualmente em scanner EPSON STYLUS TX100, com resolução de 300 dpi (pontos por polegada) e fundo azul. As fotos digitalizadas foram salvas no formato png (gráfico de rede portátil), e cada folha foi analisada quanto à proporção da área lesionada (severidade) usando o software Assess 2.0. A partir das folhas analisadas e com as severidades quantificadas pelo Software Assess 2.0, foram estabelecidos os níveis mínimo e máximo de danos causados por míldio em cada campo.

Para a elaboração dos diagramas, foram considerados os critérios propostos por Del Ponte et al., (2017), com algumas modificações. A partir da severidade mínima e máxima encontrada nas folhas, foram estabelecidos dez níveis de severidade do míldio para compor o DS, com dois tipos de incrementos, um logarítmico-H-B ou seguindo a lei de Weber-Fechner e outro linear, a ser capaz de fazer dois tipos de diagramas. Utilizando o software Adobe Illustrator CS5, foi desenhada uma folha padrão de área conhecida, que foi utilizada para representar os dez níveis de severidade da DS, a fim de reproduzir os sintomas observados nas folhas, e verificar o percentual de danos no software Assess 2.0 . Por fim, com as informações acima, foram elaborados os DS para a quantificação da intensidade do dano ou severidade.

A validação dos DS foi realizada por um grupo de 12 avaliadores (6 técnicos e 6 produtores). Na primeira etapa, os avaliadores tiveram que analisar 50 imagens das folhas com diferentes níveis de severidade, sem ajuda dos DS, e na segunda etapa as mesmas imagens foram distribuídas e a avaliação ocorreu utilizando o DS proposto (linear e com incrementos logarítmicos- HB) para determinar a severidade do míldio da quinoa. Para avaliar cada folha, o avaliador comparou a imagem da folha com o DS e, em seguida, fez uma estimativa da porcentagem de área doente.

A partir dos dados de cada avaliador (produtores e técnicos), a exatidão e precisão foram determinadas usando o coeficiente de correlação de concordância de Lin (LCC), coeficiente de bias (Cb), mudança de escala (s.shift), mudança de localização (l.shift), regressão linear simples entre a severidade real (variável quantificada no programa Assess 2.0) e a severidade estimada (variável estimada com e sem o uso de DS), realizando as análises separadamente com os dados sem e com o uso de DS. Além disso, a precisão foi avaliada por meio do coeficiente de correlação (r) e pela variância dos erros (severidade estimada menos severidade real). Todo o processamento e análise de dados, além dos gráficos, foram realizados com R v. 4.0.2 (TEAM, 2017).

Os dados obtidos posteriormente foram analisados por meio de estatística descritiva e gráficos boxplot. A precisão ou exatidão geral (igual à concordância) das estimativas, que se refere a como as estimativas de severidade estão próximas da severidade real (BOCK,  KuoSzu, Del Ponte, 2016; MADDEN; HUGHES; VAN DEN BOSCH, 2007) foi determinada para cada avaliador e condição (sem diagrama, com diagrama linear e diagrama logarítmico-HB) com base no coeficiente de correlação de concordância de Lin (LCC, ρ c), conforme sugerido para dados de doenças de plantas (BOCK et al., 2010; MADDEN; HUGHES; VAN DEN BOSCH, 2007). Além disso, os dois componentes da precisão geral (precisão e enviesamento) foram explorados para investigar as ramificações dos erros.

Para comparar a precisão e confiabilidade entre os métodos de estimativa de severidade, um modelo linear generalizado misto foi ajustado aos dados dos parâmetros de concordância-LCC para cada avaliador. As avaliações (sem diagrama, com diagrama linear e diagrama logarítmico-H-B), e os avaliadores foram considerados fatores de efeito fixo e aleatórios no modelo, respectivamente. As médias dos mínimos quadrados de cada parâmetro de concordância LCC entre os métodos de avaliação da condição foram comparadas com base no Teste de Tukey no nível de significância de 5%. A confiabilidade ou reprodutibilidade entre avaliadores foi avaliada usando dois métodos diferentes: correlação intraclasse (ICC), conforme descrito em Schwanck; Del Ponte, (2014), e correlação de concordância geral (OCC), que é um método LCC multi-avaliador aprimorado. Os ICC foram comparados com base nos intervalos de confiança.

 

Resultados e discussão

 

Nos campos de culturas selecionadas de quinoa no Equador, plantas com sintomas característicos de míldio foram observadas nas folhas com clorose em diferentes níveis de severidade e até necrose em algumas folhas (Figura 1).

 

Figura 1 – Folhas com sintomas de míldio (Peronospora variabilis) em diferentes níveis de severidade. A) severidade = 6,19 % ; B ) severidade=2,37%; C) severidade=6,19%. Fonte: Os autores.

 

Os diagramas de severidade (DS) desenhados (linear e logarítmico-HB) neste estudo foram desenhados com 10 imagens de folhas, cada uma com diferentes severidades de míldio da quinoa conforme recomendado nas boas práticas de uso de DS (DEL PONTE et al., 2017). Para o diagrama de severidade com aumentos lineares, os valores de severidade utilizados foram 2,5; 7,6; 12,6; 17,6; 22,6; 27,6; 32,6; 37,6; 42,6; 67,6 % (Figura 2). Para o diagrama de severidade com incrementos logarítmicos ou H-B, os valores de severidade foram 0,7; 1,5; 4,5; 9,0; 18,5; 37,5; 62,5; 80,0; 85,0; 88,0 % (Figura 3).

 

Figura 2 – Diagrama com incrementos de severidade lineares. Fonte: Os autores.

 

Figura 3 – Diagrama com incrementos de severidade logarítmicos ou H-B. Fonte: Os autores.

 

Para 100% dos avaliadores dos produtores, a concordância evidenciada pelo coeficiente de concordância Lin-LCCC (ρc) foi melhorada quando foram utilizados diagramas com incrementos lineares e H-B (Figura 4). No caso dos produtores quando não utilizaram os diagramas, as faixas de concordância (ρc) foram de 0,258 a 0,651 com média de 0,418, porém, quando utilizaram os diagramas com incrementos lineares a concordância (ρc) variou de 0,750 a 0,875 com média de 0,803 e ao utilizar os diagramas de HB a concordância (ρc) variou de 0,590 a 0,717 com média de 0,669. Os coeficientes de localização (u) e deslocamento de escala (v) melhoraram quando os diagramas foram utilizados pelos produtores, as faixas de deslocamento de localização sem o uso de diagramas foram de 0,576 a 1,510 com uma média de 1,158, porém, quando eles usaram os diagramas linear, a mudança de localização (u) variou de -0,179 a 0,249 com uma média de 0,165 e ao usar os diagramas de HB a mudança de localização (u) variou de -0,179 a 0,550. Enquanto a escala muda (v) sem diagrama, os intervalos foram de 1,104 a 1,427 com uma média de 1,255. Para o diagrama linear, as faixas foram de 0,772 a 0,896 com média de 0,833, enquanto para o diagrama logarítmico- HB foram de 0,633 a 1,302 com média de 0,891 (Figura 4).

 

Figura 4 – Valores estimados de severidade do míldio da quinoa (Peronospora variabilis) sem o uso de DS (A), com o uso de DS (B) com incrementos lineares e com o uso de DS (C) com incrementos logarítmicos HB, mostrando a relação entre os valores de severidade reais e os valores de severidade estimados (linha contínua) para seis avaliadores (produtores). A linha tracejada é a linha de concordância e representa a concordância perfeita entre a severidade real e a severidade estimada (declive = 1 e intercepto = 0). As linhas cheias representam a regressão linear entre a severidade real e a estimada. Linhas tracejadas representam a situação ideal em que a severidade estimada é igual a real. Fonte: Os autores.

 

Para o 83% dos avaliadores técnicos, a concordância (ρc) melhorou quando foram utilizados os diagramas com incrementos lineares e logarítmicos- H-B. Quando este grupo de avaliadores não utilizou os diagramas, as faixas de concordância (ρc) foram de 0,091 a 0,852 com média de 0,453 porém, quando utilizaram os diagramas lineares a concordância (ρc) variou de 0,305, a 0,884 com média de 0,679, e ao usar os diagramas logarítmicos-HB a concordância (ρc) variou de 0,136 a 0,918 com média de 0,670. A localização (u) e o deslocamento de escala (v) melhoraram quando os diagramas foram usados pelos avaliadores. Os intervalos de deslocamento de localização sem o uso de diagramas foram -0,083 a 1,366 com uma média de 0,209, no entanto, ao usar diagramas lineares a mudança de localização variou de -0,042 a 0,694 com uma média de 0,159,  e ao usar os diagramas de HB a mudança de localização (u) variou de -0,156 a 0,552. Enquanto a escala muda (v) sem diagrama, os intervalos foram de 0,194 a 1,711 com uma média de 0,967. Para o diagrama linear, as faixas foram de 0,554 a 1,264 com média de 0,926, enquanto para o diagrama de HB foram de 0,643 a 1,216 com média de 0,994 (Figura 5).

 

Figura 5 – Valores estimados de severidade do míldio da quinoa (Peronospora variabilis) sem o uso de DS (A), com o uso de DS (B) com incrementos lineares e com o uso de DS (C) com incrementos logarítmicos-HB, mostrando a relação entre os valores de severidade reais e os valores de severidade estimados (linha contínua) para seis avaliadores (técnicos). A linha tracejada é a linha de concordância e representa a concordância perfeita entre a severidade real e a severidade estimada (declive = 1 e intercepto = 0). As linhas cheias representam a regressão linear entre a severidade real e a estimada. Linhas tracejadas representam a situação ideal em que a severidade estimada é igual a real. Fonte: Os autores.

 

A análise do modelo linear generalizado misto mostrou que os valores de todos os parâmetros estatísticos (r, Cb, υ, u, ρc) melhoraram significativamente quando o DS linear foi usado pelo grupo de produtores para estimar a severidade do míldio da quinoa, comparado ao diagrama logarítmico ou a não utilização de DS (Tabela 1). Para a maioria dos avaliadores, a mudança de escala (υ) e a mudança de localização (μ) foram mais próximas do zero, respectivamente, ao usar o DS linear, indicando que a inclinação e a altura da linha ajustada se aproximavam da linha de concordância com os valores reais da severidade. Os resultados das estatísticas de ICC e OCC mostraram uma melhora geral e significativa na confiabilidade entre avaliadores para o grupo de avaliadores de produtores que usaram o diagrama com incrementos lineares para estimativa de severidade (Tabela 2).

 

Tabela 1 – Análise dos parâmetros do coeficiente de correlação de concordância Lin-LCC (ρc) para as avaliações feitas pelos produtores representando a exatidão (tipos de enviesamento), precisão (coeficiente de correlação).
Método  
μ b     
υ c  
Cbd 
re 
ρc f
Com DS linear
6
0,165a         
0,834a     
0,964a      
0,775a
0,804a
Com DS logarítmico-HB
6
0,143a       
0,820a       
0,919a      
0,616b
0,670b
Sem  DS
6
1,158b
1,256b
0,597b       
0,218c
0,419c
a Médias seguidas pela mesma letra na coluna não são significativamente diferentes (Teste de Tukey, com um nível do 5%); b Mudança de localização (μ); c Mudança de escala (υ); d Fator de correção Bias (Cb) mede o quanto a linha de melhor ajuste se desvia de 45° e é uma medida de precisão; e Coeficiente de correlação como medida de precisão (r); f Coeficiente de correlação de concordância de Lin (LCC), que combina as medidas de precisão (r) e exatidão (Cb) para medir a exatidão geral (concordância) com os valores reais de severidade.

 

Tabela 2 – Medidas de confiabilidade das avaliações da severidade do míldio da quinoa de 6 avaliadores (produtores).
Método
Coeficiente de correlação Intra-Clase (ICC) p (95% IC)a
Correlação de Concordância Geral (OCC)b
Com DS linear
0,876 (0,823-0,919)
0,864
Com DS logarítmico -HB
0,696  (0,596-0,790)
0,640
Sem DS
0,757 (0,670-0,836)
0,685
a Calculado com decisões do modelo ICC de acordo com Schwanck e del Ponte, 2014; b Estatística de concordância geral para avaliar a concordância entre múltiplos observadores.

 

Por outro lado, ao utilizar o diagrama com incrementos lineares ou logarítmicos pelos técnicos, a acurácia e precisão das estimativas de severidade não melhoraram significativamente em relação às estimativas de severidade sem diagrama (Tabela 3). Os resultados das estatísticas ICC e OCC mostraram uma melhora geral na confiabilidade para o grupo de avaliadores técnicos que usaram o diagrama com incrementos lineares e logarítmicos-HB (Tabela 4).

 

Tabela 3 – Análise dos parâmetros do coeficiente de correlação de concordância Lin-LCC (ρc) para as avaliações feitas pelos técnicos representando a exatidão (tipos de enviesamento), precisão (coeficiente de correlação).
Método
N
μ b
υ c
Cbd
re
ρc f
Com DS linear
6
0,159 a
0,927 a
0,907 a
0,616 a
0,679 a
Com DS logarítmico-HB
6
0,173 a
0,968 a
0,910 a
0,611 a
0,671 a
Sem DS
6
0,209 a
0,995 a
0,751 a
0,393 a
0,453 a
a Médias seguidas pela mesma letra na coluna não são significativamente diferentes (Teste de Tukey, com um nível do 5%); b Mudança de localização (μ); c Mudança de escala (υ); d Fator de correção Bias (Cb) mede o quanto a linha de melhor ajuste se desvia de 45° e é uma medida de precisão; e Coeficiente de correlação como medida de precisão (r); f Coeficiente de correlação de concordância de Lin (LCC), que combina as medidas de precisão (r) e exatidão (Cb) para medir a exatidão geral (concordância) com os valores reais de severidade.

 

Tabela 4 – Medidas de confiabilidade das avaliações da severidade do míldio da quinoa de 6 avaliadores (técnicos).
Método
Coeficiente de correlação Intra-Clase (ICC) p (95% IC)a
Correlação de Concordância Geral (OCC)b
Com DS linear
0,647 (0,538-0,752)
0,572
Com DS logarítmico-HB
0,544  (0,425-0,667)
0,490
Sem DS
0,454 (0,333-0,589)
0,299
a Calculado com decisões do modelo ICC de acordo com Schwanck e del Ponte, 2014; b Estatísticas de concordância geral para avaliar a concordância entre múltiplos observadores.

 

Os dois diagramas (linear e logarítmico-HB) desenvolvidos neste estudo são as primeiras ferramentas para avaliar a severidade do míldio em quinoa que consideraram as boas práticas na preparação e validação de diagramas (DEL PONTE et al., 2017) e que analisaram a melhoria na exatidão, precisão e confiabilidade das avaliações realizadas com e sem o uso dos diagramas. No presente estudo, os avaliadores que não utilizaram os diagramas (linear ou logarítmico – HB) tenderam a superestimar a severidade da doença, um fenômeno semelhante foi observado em estudos anteriores (DUARTE et al., 2013; LENZ et al., 2010).

O baixo desempenho, especialmente com o grupo de produtores do diagrama logarítmico -HB em comparação com o diagrama de aumentos lineares, pode ser devido ao fato de que este diagrama foi desenvolvido com base na suposição de que os aumentos entre severidades deve se basear na (inexistente) lei de Weber-Fechner, utilizada por muitos anos em fitopatometria (BOCK et al., 2010; DEL PONTE et al., 2017; SCHWANCK; DEL PONTE, 2014).

Sem o uso de diagramas, os avaliadores produtores apresentaram erros elevados, e para 83% dos avaliadores de produtores,s erros ultrapassaram aproximadamente 25%. Sem o uso de diagramas, os avaliadores técnicos tiveram erros de 10% e para 100% dos avaliadores dos produtores, os erros ultrapassaram 25%. Porém, quando utilizados os diagramas de linha e H-B, 100% dos avaliadores não apresentaram erros acima de 10%. Para todos os avaliadores, os erros foram <10% e concentraram-se perto de 8% tanto para H-B, quanto para DS linear usados. Sem o uso do DS, houve tendência de 100% dos avaliadores dos produtores superestimarem o dano (severidade), porém, quando foram utilizados os diagramas H-B e linear, essa tendência foi corrigida ou drasticamente reduzida (Figura 6).

De maneira geral, podemos dizer que os dois diagramas desenhados e avaliados (linear e logarítmico-HB) nesta pesquisa ajudaram os dois grupos de avaliadores (produtores e técnicos) a melhorarem consideravelmente suas avaliações, reduzindo o viés que tendia a superestimar os danos. A comparação entre os diagramas tanto com aumentos lineares quanto os logarítmicos serviram para corroborar a informação de que os diagramas com incrementos lineares têm maiores melhorias em termos de redução do erro (SCHWANCK; DEL PONTE, 2014), e isso foi evidenciado principalmente para o grupo de avaliadores de produtores (Figura 6).

 

Figura 6 – Gráficos de boxplot dos erros absolutos das estimativas da severidade do míldio da quinoa feitas com diagrama linear, com diagrama logarítmico-HB e sem diagrama, com dois grupos de avaliadores (produtores e técnicos). Fonte: Os autores.

 

De acordo com Del Ponte et al. (2017), o desenvolvimento de dois diagramas (linear e logarítmico-HB) para auxiliar na avaliação visual da severidade do míldio em quinoa foi motivado por desenvolvimentos recentes na tecnologia do diagrama de severidade (DS), bem como pelas melhores práticas para desenvolvimento e avaliação Estatísticas. As ferramentas disponíveis para avaliar a severidade do míldio na quinoa, como as escalas de severidade propostas por Aguilar et al. (2020),  são geralmente pouco práticas para os avaliadores, uma vez que não têm um diagrama associado, além de possuírem muita subjetividade. Alguns diagramas de severidade propostos, como os de Danielsen et al. (2001), possuem 14 níveis de severidade, o que dificulta a avaliação. Além disso, nenhuma das ferramentas acima citadas foi validada previamente por avaliadores de diferentes grupos (produtores, técnicos) e corrigida caso apresentasse problemas em relação à exatidão, precisão e confiabilidade das estimativas de severidade.

Como os pesquisadores do míldio da quinoa estimaram a severidade usando ferramentas que introduzem vieses indesejáveis ​​nas estimativas e comprometem o uso de recursos, é urgente que os novos diagramas propostos, especialmente o diagrama de incremento linear aqui proposto, sejam adotados como um novo padrão da quantificação da severidade do míldio da quinoa e, idealmente, pesquisadores da quinoa reavaliem suas estimativas de severidade.

O diagrama com incrementos lineares que apresentaram melhorias em geral em acurácia, precisão e confiabilidade tanto para o grupo de produtores quanto para técnicos deve ser amplamente recomendado e utilizado na quantificação da severidade do míldio em quinoa, em investigações de campo, principalmente para avaliar novos métodos de controle como, fungicidas, antagonistas microbianos e novas variedades ou linhagens de quinoa com resistência horizontal na experimentação de campo. Nossos resultados mostram que seu uso deve ser incentivado, não só por um claro benefício, mas também pelo efeito positivo nas estimativas dos avaliadores mais precisas.

 

Conclusões

 

  • O uso de diagramas de severidade (DS) com incrementos lineares melhorou significativamente a acurácia, precisão e confiabilidade das estimativas de severidade em relação aos DS com incrementos logarítmicos ou a não utilização de diagramas.
  • A metodologia recomendada por Del Ponte et al. (2017), para a elaboração e validação participativa dos diagramas de severidade foi eficiente e permitiu verificar a melhoria da exatidão, precisão e confiabilidade das estimativas de severidade pelos dois grupos de avaliadores (produtores e técnicos).

                                                  

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Recebido em 29 de junho de 2021

Retornado para ajustes em 13 de julho de 2021

Recebido com ajustes em 14 de julho de 2021

Aceito em 19 de julho de 2021