Isolamento e avaliação do comportamento do vírus ORF em células de córnea fetal caprina e identificação pela Reação em Cadeia da Polimerase

Revista Agrária Acadêmica

Agrarian Academic Journal

Volume 4 – Número 4 – Jul/Ago (2021)

doi: 10.32406/v4n4/2021/107-115/agrariacad

 

Isolamento e avaliação do comportamento do vírus ORF em células de córnea fetal caprina e identificação pela Reação em Cadeia da Polimerase. Isolation and evaluation of ORF virus in fetal caprine cornea cell and viral identification by the Polymerase Chain Reaction.

 

Rosana  Léo  de  Santana1

 

1- Médica Veterinária, Doutora em Ciência Veterinária pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, UFRPE, Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n – Dois Irmãos CEP.: 52.171.900 – Recife-PE. E-mail: rosanaleosantana@gmail.com

 

Resumo

O controle da infecção em  regiões  endêmicas  é  realizado  através  de vacinação,  no  entanto  ocorrem limitações  na produção de vacinas devido à dificuldade de replicação do vírus em cultura celular. Este trabalho foi conduzido com o objetivo de isolar e avaliar o comportamento de amostras de ECV em uma linhagem  de  células  de córnea  fetal  caprina  (CorFC)  naturalmente  imortalizada. Amostras  de crostas  de  vinte  e  dois  ovinos  e  de  sete caprinos  que  apresentavam  sinais  clínicos de  EC, originários   dos   Estados   de   Pernambuco, Bahia,   Sergipe   e   Paraíba,   foram isoladas em monocamadas  de células CorFC  e  identificadas  pela  reação  em  cadeia  da  polimerase  (PCR) utilizando primers para  amplificação  de  um  fragmento  de  235  pb  do  gene  B2L  do  envelope  do ECV. Onze  amostras  foram  submetidas  a sete  passagens  consecutivas,  a  intervalos  semanais. Observou-se  em  todas  as  passagens,  a  partir  de  24  horas  pós-infecção,  efeito  citopático  (ECP) caracterizado por arredondamento celular, fusão com formação sincicial, inclusão citoplasmática e  vacuolização.  Deste  modo, concluiu-se  que as  culturas  de  células CorFC  mostraram-se altamente  permissíveis  à  replicação  do  ECV,  com  pequena  variação  entre  as  amostras  virais.  A PCR  indicou  ser  um  método  eficiente  para  confirmação  da  infecção  por  ECV  em  amostras clínicas.

Palavras-chave: Parapoxvírus. Efeito citopático. PCR. Ectima contagioso.

 

Abstract

The control  of  the  infection  in  endemic  regions  is  performed  with  vaccines,  however  there are limitations in the vaccine production due to the difficulties in replicating the virus in cell cultures. This work was conducted so as to isolate and evaluate the behavior of ECV samples in  fetal goat cell  line  cornea  (CorFC)  naturally  immortalized.  Crust  samples  from  22  sheep  and  seven  goats presenting  the  clinical  symptoms  of  EC from  the  states  of  Pernambuco,  Bahia,  Sergipe  and Paraíba,  were inoculated  in CorFC monolayers and  identified  by  polymerase  chain  reaction (PCR)  using  primers  for  amplification  of  a  fragment  of235  bp  of  gene  B2L  envelope  ECV. Eleven  samples  were  submitted  to  seven  consecutive  passes,  at  weekly  intervals. Cytopathic effect  (CPE)  was  observed  in  all  passages,  after24  hours  post-infection, characterized  by  cell rounding,  syncytial  fusion  with  training,  inclusion  and  cytoplasmic  vacuolization.  Thus, CorFC cell  cultures  proved  highly  permissible  to  ECV replication with  small  variation  among viral samples. The PCR technique can be an efficient method used for confirmation of ECV infection in clinical samples.

Keywords: Parapoxvirus. Cytopathic effect. PCR. Contagious ecthyma.

 

 

Introdução

 

O Ectima contagioso (EC) foi descrito pela primeira vez em ovinos por Steeb, em 1787, e em  caprinos  em  1879  (BARRAVIEIRA,  2005).  É  causado  por  um  vírus  da  família Poxviridae, gênero Parapoxvirus, caracterizado pelo tropismo por células epiteliais e pela alta resistência às condições  ambientais,  geralmente  adversas  para  a  maioria  dos  vírus,  como  o  ressecamento (PASTORET e BROCHIER, 1990).

A penetração do vírus ocorre por meio de lesões cutâneas. O primeiro sintoma observado em animais acometidos pelo vírus é o aumento da espessura da pele na área de invasão do vírus, com  a  formação  posterior  de  pápulas,  vesículas,  pústulas  e  crostas.  Lesões  características  são observadas na face, principalmente nos lábios, porém em casos mais severos podem ser vistos no úbere,  tetos,  membros,  orelhas,  mucosas,  cauda  e  coroa  do  casco.  O  período  de  incubação  em ovinos  e  caprinos  é  de  dois  a  três  dias.  Cursando  a  enfermidade  em  três  a  quatro  semanas,  com desaparecimento das crostas e regeneração do tecido epitelial (ROBINSON e BALASSU, 1981; NANDI et al., 2011).

O Ectima contagioso é considerado uma enfermidade benigna. Entretanto, pode tornar-se grave, quando ocorre envolvimento de outros órgãos, além da pele, determinando grandes perdas ao  rebanho.  A  morbidade  em  animais  jovens  ou  de  rebanhos  indenes  pode  ser  alta,  chegando  a 100%, com mortalidade geralmente baixa,  podendo elevar-se em  animais  jovens,  devido  a infecções  secundárias  e  manejo  deficiente,  associados  à  infecção  por  cepas  de  alta  virulência (ROBINSON e BALASSU, 1981; NANDI et al., 2011).

Apesar  do  desenvolvimento  da  ovinocaprinocultura  brasileira,  do  caráter  endêmico  da enfermidade e da sua importância, poucos trabalhos de pesquisa têm sido realizados com relação ao   vírus   EC,   que   possam   subsidiar   o   controle   da   enfermidade,   que   se   fundamenta, principalmente,  na  vacinação  dos  animais  em  áreas  endêmicas  (TORRES,  1943;  ROBINSON  e BALASSU,  1981;  PINTO  JÚNIOR,  2007;  NANDI  et  al.,  2011; HONORATO et al., 2018; SANTANA, 2019).  Como  não  existem  vacinas inativadas contra EC que sejam eficientes, a vacinação deve ser feita com vírus vivo. Por isto, só é  recomendada  em  criações  endêmicas,  pois  o  uso  da  vacina  implica obrigatoriamente na introdução do vírus no rebanho (PINTO JÚNIOR, 2007, HONORATO et al., 2018; ; SANTANA, 2019).

Dentre  os  entraves  tecnológicos  para  a  produção  de  vacinas,  destaca-se  a  dificuldade  de replicação  do  vírus  em  cultivo  celular.  Estudos in  vitro utilizando  amostras  de  ECV  têm  sido realizados utilizando-se células de cultivo primário de testículo caprino (MAZUR e MACHADO, 1990; HOSAMANI  et  al., 2007), de rim caprino (OLIVEIRA  et  al.,  1998), queratinócitos de tecido  do  prepúcio  de  cordeiros (SCAGLIARINI  et  al.,  2005), células  de  linhagem  contínua MDBK (OLIVEIRA et al., 1998), fibroblasto de embrião de pinto (MERCANTE et al., 2008) e células Vero (VIKOREN et al., 2008). Nesses  estudos  tem  sido  relatada  a  dificuldade  de replicação  do  vírus,  pois  nenhum  dos  modelos  aplicados  mostrou-se  permissível  à  replicação contínua de ECV.

Baseado  no  exposto,  este  trabalho  foi  conduzido  com  o  objetivo  de  isolar  e  avaliar  o comportamento  de  amostras  de  ECV  em uma  linhagem  de  células  de  córnea  fetal  caprina (CorFC) naturalmente  imortalizada,  bem  como identificar  o agente  etiológico  pela Reação  em Cadeia da Polimerase (PCR).

 

Material e métodos

 

Origem das Amostras

 

Foram   utilizadas   crostas   coletadas   de   vinte   e   dois   ovinos   e sete caprinos   com sintomatologia clínica sugestiva de EC, originários dos Estados de Pernambuco, Bahia, Sergipe e Paraíba.  Os  animais  apresentavam  lesões  distribuídas  principalmente  nas  áreas  desprovidas  de pêlos, como face, lábios, cavidade bucal, narinas e orelhas, com intensidade variada, chegando a quadros  graves (Tabela  1). As  crostas  foram  acondicionadas  em  tubos  de  1,5  mL  estéreis  e enviadas resfriadas, em  caixas  isotérmicas, ao  laboratório de  viroses  (LAVIAN-UFRPE),  onde foram conservadas a –20ºC até o início do processo para isolamento viral.

 

 

Cultivo celular

 

As  monocamadas  de células  de  córnea  fetal  caprina  (CorFC)  (NASCIMENTO,  2012) foram cultivadas em garrafas  plásticas de  25  cm2,  em  meio  essencial  mínimo  de  Eagle  (MEM) suplementado  com  10%  de  soro  fetal  bovino  (SFB),  antibióticos (penicilina  e  estreptomicina)  e antifúngico (anfotericina B), incubados a 37ºCsob atmosfera de 5% de CO2 até total confluência da monocamada celular, quando eram feitas novas passagens por tripsinização.

 

Isolamento e Passagens em Monocamada Celular

 

As  crostas  foram  maceradas  com  areia  estéril,  utilizando-se  graal  e  pistilo,  re-suspensas em solução tampão salina (PBS) pH 7,6, estéril, formando uma suspensão, que foi clarificada por centrifugação 3.000g, por 20 minutos, em temperatura de 25º a 27Cº. O sobrenadante coletado foi tratado  com  200UI/mL  de  penicilina  G  potássica,  2mg/mL  de  sulfato  de  estreptomicina  e  2 mg/mL  de  anfotericina  B3  e  mantido  em  tubos  de  15  mL  (Corning)  a  4°C  por  24  horas. Monocamadas semi-confluentes de CorFC, cultivadas em garrafas de cultivo celular de 25cm² de área, foram inoculadas com 1mL dessa suspensão e incubadas durante 1 hora. Após esse período, o inóculo foi removido e a camada celular lavada duas vezes com MEM. Em seguida, procedeu-se  com  a  adição  de  5  mL  de  MEM  suplementado  com  2%  de  SFB  e  incubação  a  37ºC,  em atmosfera de 5% de CO2. Paralelamente, foi inoculado apenas MEM suplementado com 2% SFB, seguindo o mesmo procedimento, sendo estas garrafas consideradas controle.

A cada 24 horas, as garrafas foram avaliadas para observação detalhada da monocamada celular,  em  microscópio  de  luz  invertida  e verificação  da  formação  de  efeito  citopático  (ECP), cuja intensidade foi avaliada em relação às monocamadas controles, e registrada de acordo com a seguinte  classificação:  +  (até25%  de  ECP);  ++  (entre  25%  e  50%  de  ECP);  +++  (entre  50%  e 75%  de  ECP);  ++++  (75%  a  100%  de  ECP) (OLIVEIRA  et  al.,  1998).  Todas  as  garrafas,  que apresentaram  ou  não  ECP,  foram  congeladas  a -20ºC,  no  oitavo  dia  pós-inoculação  (p.i.). Para avaliar  o  comportamento  dos  isolados  do  ECV em  cultivo  de  CorFC,  onze  amostras  foram submetidas  a  sete  passagens,  cujo  inóculo  consistiu  da  suspensão  viral  obtida  por  três  ciclos  de congelamento  e  descongelamento  das  garrafas  de  cultivo, realizadas  com  intervalo  de  oito  dias, conforme protocolo descrito por Oliveira et al. (1998).

 

Identificação do ECV por PCR

 

Extração de DNA

 

Cerca  de  25  mg  das  crostas  dos  animais  afetados  foram  trituradas  e  re-suspensas  em solução   tampão   salina   (PBS)   pH   7,6   na   presença   de   antibióticos   (penicilina   200U/ml, estreptomicina 2mg/ml), as culturas de células CorFC inoculadas com as amostras de campo, na primeira  passagem, foram  congeladas,  descongeladas  e  usadas  diretamente  para  extração  do DNA. Os DNAs  das  amostras  de  crostas  e  das  passadas em  cultivo  celular foram extraídos e purificados usando  o  Kit  QIAamp  MinElute  Virus  Spin  (Qiagen®,  Alemanha),  conforme instruções do fabricante. Após as extrações os DNAs foram  armazenados a -20ºC para utilização nas PCRs.

 

Oligonucleotídeos iniciadores (Primers)

 

O par de primers, PPP-3 e PPP-4 denominados pan-parapoxvirus, descritos por Inoshima et al. (2000), foi utilizado neste estudo para amplificação de um fragmento de 235pb do gene do envelope B2L, da cepa NZ2.  As sequências dos primers PPP-3 e PPP-4 são: 5’-gcg agt cc gaga aga ata cg-3’ e 5’-tac gtg gga agc gcc tcg ct-3’, respectivamente.

 

PCR convencional

 

Para a reação de PCR convencional foram utilizados 112ng do DNA extraído, 10pmol de cada  primer  (PPP-3  e  PPP-4)  e  o  Top  Taq  Master  Mix  Kit  (Qiagen®,  Alemanha),  segundo recomendações  do  fabricante.  As  condições  de  ciclagem  consistiram  em  incubação  inicial  de 94ºC por 3 min, seguida de 30 ciclos: desnaturação 94ºC por 30 segundos, anelamento 60ºC por 30 segundos, extensão 72ºC por 1 min, 72ºC por 10 min, com etapa final de 4ºC. Os produtos da PCR  foram  submetidos  à  eletroforese  em  gel  de  agarose  a  1,5%  (LGC  Biotecnologia,  SP, BR), corados  com Blue  Green  loading  dye  I (LGC  Biotecnologia,  SP,  BR)  em  tampão  TAE  1x,  sob voltagem  constante  (80V)  durante  50  min.  Foi  utilizado  marcador  molecular  de  100pb  DNA ladder  (LGC  Biotecnologia,  SP,BR).  O  gel  foi  visualizado  sob  luz  ultravioleta  (UV)  através  do Sistema de Captura de Imagem/L-PIX-HE (Loccus-biotecnologia, Brasil).

 

Resultados e discussão

 

As células   CorFC   inoculadas   com   as   29 amostras   de   crostas   obtidas de   animais clinicamente  afetados apresentaram ECP  caracterizado  pelo  arredondamento  celular,  fusão  com formação  de  pequenos  sincícios,  vacuolização  e  corpúsculos  de  inclusão  intracitoplasmáticos (Figura  1).  Além  das  amostras  serem originadas  de  casos  clínicos  sugestivos  de  EC,  tais alterações  celulares  são  compatíveis  com  as  descrições  de  ECP  causado  pelos  vírus  da  família Poxviridae (ROBINSON  e  BALASSU,  1981). Além  disso, todas as amostras  foram positivas  à PCR  realizadas  para amplificação  do  gene  B2L  do  ECV, o  que  confirma  que  os  isolados  são  o ECV.

 

 

Dentre  os  entraves  tecnológicos  para  a  produção  de  vacinas,  destaca-se  a  dificuldade  de replicação  do  vírus  em  cultivo  celular.  Estudos in  vitro utilizando  amostras  de  ECV  têm  sido realizados,   utilizando-se   células   de   cultivo   primário   de   testículo   caprino   (MAZUR   e MACHADO,  1990,  HOSAMANI  et  al.,  2007),  de  rim  caprino  (OLIVEIRA  et  al.,  1998), queratinócitos  de  prepúcio  de  cordeiros  (SCAGLIARINI  et al.,  2005),  bem  como  células  de linhagem  contínua  MDBK  (OLIVEIRA  et  al.,  1998)  e  Vero  (VIKOREN  et  al.,  2008).  Nesses estudos  tem  sido  relatada  a  dificuldade  de  replicação  do  vírus,  pois  nenhum  dos  modelos aplicados  mostrou-se  permissível  à  replicação  contínua  de  ECV.  A  ausência  de  cultivo  celular permissível  à  replicação  continuada  de  EC  tem  levado  a  comercialização  no  Brasil  de  vacina obtida  a  partir  de  suspensão  de  crostas  de  animais  infectados,  que  apresenta  sério  risco  de disseminação de outras doenças, principalmente virais, já que não é inativada (PINTO JÚNIOR, 2007; HONORATO et al., 2018; ; SANTANA, 2019). O sucesso na replicação do ECV nas células CorFC poderá resolver este problema.

As 11 amostras   passadas   seriadamente   induziram   o   ECP,   com 25%   a   100%   de desprendimento  da  camada  celular, que  variou,  de  acordo  com  a  amostra viral.  As  amostras BrPB1.02,  BrBA1.01  e  BrBA1.02 apresentaram  ECP  mais  intenso  que  as  demais  em  todas  as passagens  realizadas  (Tabela  2).  A  amostra  BrPB1.02 foi  obtida  de  um  ovino  do  estado  da Paraíba, que apresentava sinais clínicos severos de EC, e as amostras BrBA1.01 e BrBA1.02 de caprinos  do  estado  da  Bahia  (Tabela  1).  As  demais,  todas  de  ovinos  de  distintos  rebanhos apresentaram  ECP  com  intensidades  variáveis  entre  as  passagens  (Tabela  2).  Esses  achados sugerem variação entre  as amostras, porém deve-se destacar que  as passagens  foram  executadas com volumes fixos dos inóculos. Assim, diferenças de comportamento entre as amostras podem ocorrer devido a diferentes títulos iniciais dos inóculos. Por outro lado, não é possível estabelecer relação entre intensidade de ECP e virulência, o que só poderá ser elucidada após inoculação de animais  susceptíveis.  De  acordo  com  Oliveira  et  al.  (1998),  as  alterações  celulares  de  menor intensidade foram observadas em amostras de ovinos e não de caprinos, o que não foi confirmado neste estudo, pois a maioria das amostras foi oriunda de ovinos, exceto BrSE1.01 e BrSE1.02, e apresentaram  ECP  máximo  às  192  horas  p.i. na  primeira  passagem,  semelhantes  às  amostras caprinas.

O comportamento das amostras de ECV foi diferente dos achados de Oliveira et al. (1998) que, utilizando  amostras  de  caprinos  de  Pernambuco  e  células  de  linhagem  MDBK  e  de  cultivo primário  de  rim  fetal  caprino,  conseguiram  a  replicação  viral  apenas  na  primeira  e  segunda passagens.  A  intensidade da replicação  viral  em  todas as passagens no  presente  estudo pode  ser um  indicativo  de  adaptação  das  amostras  virais  às  células CorFC,  sistema  de  cultivo  ainda  não testado para replicação de ECV. A escolha deste sistema ocorreu por serem as células de córnea de fácil cultivo, pelos bons resultados na replicação de outros vírus, como o da artrite-encefalite caprina  (CAEV)  (OLIVEIRA  et  al.,  2007)  e  por  ser  o  ECV  epiteliotrópico  (ROBINSON e BALASSU,  1981).  Adicionalmente,  é  conhecido  que  o  epitélio  da  córnea  não  é  irrigado diretamente pela corrente sanguínea (BURKITT et al., 1994), o que o torna menos accessível aos agentes  virais.  Com  isto,  mesmo  sendo  de  natureza  epitelial  como  outras  células  susceptíveis  à infecção  pelo  ECV,  essas  células  poderiam  conter  receptores  menos  favoráveis  à  infecção  viral por não terem sido submetidas à forte pressão de seleção na interação vírus-hospedeiro. Do ponto de vista evolutivo, o contrário também é verdadeiro. Nesse caso, as células de córnea seriam mais permissíveis à infecção por ECV, o que poderia  explicar, em parte, a melhor replicabilidade em culturas  de  células  de  córnea,  quando  em  comparação  com  os  resultados  obtidos  em  outros estudos,  que  relataram  o  insucesso  ou  sucesso  parcial  na  replicação in  vitro de  ECV  em  outras células  (MAZUR  e  MACHADO,  1990;  OLIVEIRA  et  al.,  1998;  SCAGLIARINI  et  al.,  2005; HOSAMANI et al., 2007; VIKOREN et al., 2008).

 

 

Em algumas amostras foi observada que na terceira, quarta e quinta passagens, ocorreram formações  de  ECP  de  menor  intensidade.  Segundo  Webster  (1958)  e  Pyer  (1990),  isto  pode ocorrer  após  adaptação  do  ECV  às  culturas  celulares  chegando,  às  vezes,  a  não  ser  mais observado  formação  de  ECP,  temporariamente,  e  que  volta  a  ser  observado  com  passagens sucessivas,  provavelmente  para  seleção  de  amostras  virais  de  maior  poder  infeccioso  para  a população celular exposta. Por outro lado, as variações observadas entre as amostras de ECV em cultivo  celular,  dependem  também  do  nível  de  adaptação  do  vírus  ao  soro  utilizado  na suplementação  do  meio  de  cultura.  É  possível  que  as  diferenças  entre  amostras  tendam  a desaparecer  com  passagens  sucessivas  (HUSSAIN  e  BURGER,  1988;  MAZUR  e  MACHADO, 1990).

 

Conclusão

 

As  culturas  de  células CorFC mostraram-se  altamente  permissíveis  à  replicação  do  ECV,  com pequena variação entre as amostras virais. A  PCR  indicou  ser  um  método  eficiente  para  confirmação  da infecção  por ECV em  amostras clínicas.

 

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Recebido em 29 de janeiro de 2021

Retornado para ajustes em 28 de abril de 2021

Recebido com ajustes em 30 de julho de 2021

Aceito em 19 de agosto de 2021