O contato vaca-bezerro pós nascimento e o sistema de produção leiteira – revisão de literatura

Revista Agrária Acadêmica

Agrarian Academic Journal

doi: 10.32406/v4n6/2021/13-21/agrariacad

 

O contato vaca-bezerro pós nascimento e o sistema de produção leiteira – revisão de literatura. The post-birth cow-calf contact and the dairy production system – literature review.

 

Camila Ávila Cordeiro1, Bruna Stanigher Barbosa2

 

1- Discente do Curso de Medicina Veterinária – Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio – CEUNSP – Salto – SP, Brasil. E-mail: mila_avila@hotmail.com
2- Docente do Curso de Medicina Veterinária – Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio – CEUNSP – Salto – SP, Brasil.

 

Resumo

 

O Bem-Estar Animal (BEA) é uma prática que está em grande evidência na atualidade e que teve início da sua aplicabilidade na década de 60, por meio da divulgação do livro Animals Machines, de Ruth Harrison e formação do comitê Brambell, no Reino Unido. O objetivo da publicação foi sensibilizar os leitores e a população para uma visão da produção animal menos antropocêntrica, por meio do apregoamento de informações comprovadas de que os animais das demais espécies são seres sencientes, e que a domesticação, é uma atitude transformadora capaz de modificar, de forma intrínseca, o seu genoma com resultado direto na cadeia produtiva. Na pecuária, a criação de bezerras leiteiras tem grande importância para a produção mundial e economia do país, visto que é a área do agronegócio que mais emprega e cresce no Brasil, e portanto, cuidados criteriosos nas primeiras horas pós nascimento são primordiais para um desenvolvimento físico saudável destes animais, bem como uma resposta comportamental adequada para a espécie com excelente resultado econômico.

Palavras-chaves: Bem-estar animal. Relação materno-filial. Bovinocultura.

 

 

Abstract

 

Animal Welfare (BEA) is a practice that is in great evidence today and that began to be applied in the 60s, through the dissemination of the book Animals Machines, by Ruth Harrison and formation of the Brambell committee, in the United Kingdom United. The purpose of the publication was to sensitize readers and the population to a less anthropocentric view of animal production, through the proclamation of proven information that animals of other species are sentient beings, and that domestication is a transformative attitude capable of modifying , intrinsically, its genome with direct result in the production chain. In livestock farming, raising dairy heifers is of great importance for world production and the country’s economy, as it is the area of ​​agribusiness that employs the most and grows in Brazil, and therefore, careful care in the first hours after birth and throughout the period of breastfeeding are essential for a healthy physical development of these animals, as well as an adequate behavioral response for the species with an excellent economic result.

Keywords: Animal welfare. maternal-infant relationship. Cattle raising.

 

 

Introdução

 

A década de 60 foi o marco para o BEA pois foi o momento em que surgiu a busca pela criação de animais de forma mais humanitária, devido ao aumento expressivo da demanda social, por parte da população, pelo consumo de Produtos de Origem Animal (POA) oriundos da criação baseada na ausência de crueldade e opressão (BOND et al., 2012, p. 1287). Segundo a Organização Mundial de Saúde Animal (2017), órgão responsável por definir as normas sobre o bem-estar, o tema tem um contexto multifacetado, o qual é baseado em dimensões científicas, sociais, econômicas, políticas, culturais e religiosas com crescente desenvolvimento na sociedade civil atual.  

De acordo com o Código Terrestreda OIE (2017), o bem-estar animal pode ser descrito como o estado físico e mental de um animal em relação às condições em que vive e morre e cujos indicadores de diagnósticos descritos devem estar centrados em respostas fisiológicas, ambientais, comportamentais e de condições sanitárias atrelados à avaliação emocional dos animais, que apesar de subjetiva é de suma importância na área (BOND et al., 2012, p. 1288).

Como método analítico e qualitativo foram criados indicadores de avaliação diagnóstica do BEA que são pautados na possibilidade ou não do animal executar o seu comportamento natural, os recursos ambientais presentes para a expressão deste comportamento através de observações diretas sobre os parâmetros fisiológicos e biométricos. Somado a isso, existe também um nivelamento classificatório e valorativo do BEA, que são descritos como inadequado, parcialmente adequado e adequado. Para um BEA adequado, os recursos disponíveis devem ser suficientes para atender às necessidades específicas da espécie, com a boa interação com o tutor ou tratador e expressões positivas (BASTOS, 2020, p. 7).

Estudos recentes demonstram que a importância do BEA na cadeia produtiva é muito relevante e que historicamente, este elo era inexistente e a produção animal permaneceu opressora por alguns anos. Diante disto, o emprego do BEA tornou-se uma necessidade e realidade no agronegócio, visto que a população tem se conscientizado e se preocupado com a saúde e o tipo de produto que está consumindo (SILVA et al., 2019, p. 3).

Um dos indicadores de BEA mais elucidados e estudados nos dias de hoje é o comportamento, sendo considerado uma temática com enfoque no aperfeiçoamento na forma de criação de animais em grande escala e consequentemente na produção. Em bezerros, a quebra do vínculo materno-filial pós nascimento associada à criação de forma individual implica em uma capacidade cognitiva de aprendizagem precária, com interferência no comportamento social da espécie em resposta aos desafios a que será exposta ao longo do tempo (SILVA, 2017, p. 2).

A habilidade materna é um dos indicadores de avaliação comportamental e um atributo variável entre as diferentes raças bovinas, o qual possibilita a criação de bezerros com peso ao desmame muito favorável e consequentemente a expressão de todo o seu potencial reprodutivo. Dentre as raças e cruzamentos genéticos mais estudados, o cruzamento entre Angus-Nelore e Angus-Caracu demonstrou evidente habilidade e cuidado maternal, com alta produção de leite associada a um produto de grande valor nutritivo, e implicação direta na produção de qualidade (RODRIGUES, 2012, p. 53).

Já em relação ao comportamento materno inicial, COSTA et al. (2018, p. 4) aponta que existem escores visuais numa escala de 5 a 11 pontos, para a avaliação da proteção do recém-nascido, focados na análise da atenção dispendida pela mãe ao bezerro e agressividade para com o manejador e ameaças externas. Quanto maior a pontuação maior será o cuidado maternal e a relação materno-filial e, ainda, que as fêmeas multíparas e em condições fisiológicas pós-parto de higidez apresentam reações de comportamento mais intensas e uma relação parental mais estreita e evidente. 

Um estudo comparativo realizado por Waiblinger et al. (2020, p. 145) na Alemanha, com dois rebanhos leiteiros de raças europeias, cada grupo com cerca de 45-50 bezerros nomeados “artificial”, sem contato com as vacas e “em contato com as vacas” (CCC), e mantidos em alojamentos e soltos revelou que há maior competência social e potencial de habilidade para lidar com os desafios sociais no grupo do CCC, o que justifica a importância da manutenção do laço bezerro-vaca e associado a isso, os fatores abióticos como temperatura, umidade, intensidade de luz solar e vento são determinantes para o tipo de criação de bezerros leiteiros, que quando criados a pasto, tem uma menor restrição de comportamento, com proximidade à expressão do que se considera natural da espécie e consequentemente contemplação do BEA (BOND et al., 2012, p. 1289).

Ainda sobre a influência dos fatores abióticos, como temperatura, radiação solar, taxa de umidade, ventilação e também o agrupamento dos animais em instalações inadequadas, vale ressaltar que são cruciais e considerados de risco para a expressão do potencial genético do neonato, visto que o período neonatal, o qual é compreendido até os 28 dias pós-nascimento, tem uma percentagem de 75% de perdas, e portanto, a análise desta percentagem torna-se um indicador relevante para a criação de estratégias terapêuticas e de cuidados para com os animais, a fim de garantir o desenvolvimento de futuras matrizes hígidas (SILVA et al., 2019, p. 7).

Como descrito, o estreitamento da relação materno-filial é muito importante para o crescimento e desenvolvimento em potencial da espécie bovina e tem consequência direta na produção. É notório que a criação de bezerras leiteiras tem grande importância para a produção mundial, visto que é a área do agronegócio que mais emprega e cresce no Brasil, e é determinante para o futuro do rebanho. Portanto, cuidados criteriosos nas primeiras horas pós nascimento e ao longo do período do aleitamento devem ser considerados como primordiais para um desenvolvimento físico saudável destes animais, bem como uma resposta comportamental adequada para a espécie e excelente resultado na produção (SILVA et al., 2019, p. 9).

Este trabalho tem como objetivo apresentar um levantamento bibliográfico sobre o contato vaca – bezerro pós nascimento, os cuidados clínicos e os benefícios do bem-estar animal aplicados a bovinocultura leiteira durante o período de gestação da vaca e nos primeiros dias de vida do terneiro, por meio da compilação de ideias oriundas de diferentes fontes, além de propor um novo enfoque para o manejo rotineiro empregado na bovinocultura leiteira, sugerindo uma nova e atualizada abordagem baseada em conceitos relacionados ao bem-estar e ética animal e sua implicação na cadeia produtiva.

 

Material e métodos

 

Este trabalho foi realizado mediante uma revisão de literatura integrativa e coleta de dados dos descritores sobre a temática da relação materno-filial na bovinocultura leiteira e sua implicação na produção a fim de compilar informações sobre o assunto e produzir um trabalho revisional sobre o tema investigado. A coleta e análise de dados foi realizada por meio da consulta de publicações condizentes à área de Medicina Veterinária, em bancos de dados como o SciELO, PubMed e livros acadêmicos, com textos completos e análise de imagens, seguida de uma leitura crítica e agrupamento de informações concisas e relevantes. Os dados foram analisados e discutidos frente à revisão de bibliografia selecionada, com o uso de quadros para a análise de informações comparativas.

 

Resultados

 

A separação precoce da mãe e filhote na espécie bovina é uma prática comum, e têm implicações negativas no vigor, bem-estar e saúde destes animais, como comprometimento no desenvolvimento físico, de repostas comportamentais e na produção. Estudos demonstram que o grau de bem-estar de uma espécie está atrelado à forma como este animal se adapta frente aos desafios impostos ao meio em que está inserido e é recomendado um acompanhamento criterioso ao longo do parto, com a correta identificação nas falhas criadas no processo de formação do vínculo materno–filial, visto que o momento do parto pode ser traumático para bezerras por conta de oscilações hormonais presentes (cortisol fetal) juntamente com eventos físicos que acontecem no corpo da mãe até a saída do feto, o que pode ser determinante para a saúde do animal ao longo de toda a sua vida. Se o bezerro não for vigoroso ao nascimento, o primeiro indício observado é sua indisposição para levantar e sugar o colostro e esta falha nutricional nas primeiras horas de vida acarretará uma imunidade deficiente e baixa vitalidade do animal recém-nascido (SILVA, 2017, p. 3).

Pesquisas revelam que quando o bezerro está presente no momento da ordenha, há alterações quantitativas perceptíveis na produção cujos resultados podem ser negativos ou positivos, ressaltando que os positivos estão relacionados com a estimulação da ejeção de leite, logo, melhora na produção e por outro lado, os pontos negativos são evidenciados pela fêmea, por meio do aparecimento de quadros de mastite subclínica e redução no peso do terneiro ao final da gestação, o que é muito variável entre as raças bovinas (BRANDÃO et al., 2008, p. 527).

É importante lembrar também que a influência ambiental no vigor do bezerro recém-nascido tem um papel importante no seu desenvolvimento, e que os fatores abióticos (temperatura, radiação solar, taxa de umidade e ventilação) e o agrupamento em instalações inadequadas são considerados de risco para a expressão do potencial genético da espécie, uma vez que o período neonatal, o qual é compreendido até os 28 dias pós-nascimento, tem uma porcentagem de 75% de perdas, e portanto, a análise desta porcentagem se torna ponto-chave para a criação de estratégias terapêuticas para com os animais, a fim de garantir o desenvolvimento de futuras matrizes hígidas (SILVA et al., 2019, p. 4).

Além disso, estudos apontam que o sistema de criação tem implicação direta na expressão de comportamento do animal e na produção. No sistema de confinamento, o qual é muito comum nos dias atuais, os animais são alimentados no cocho e precisam de um local confortável para minimizar o estresse térmico, aumentar o BEA e a capacidade produtiva (MOTA et al., 2017, p. 434).

Ainda sobre os sistemas de produção e criação de bezerras, o sistema de aleitamento natural, em que os bezerros permanecem com a vaca durante toda a lactação (6 aos 8 meses de idade), é bastante favorável quando comparado ao sistema artificial, já que há a redução dos distúrbios do trato gastrointestinal e portanto, maior estimulação da imunidade e estreitamento do elo materno-filial. Sendo assim, o sistema de criação adotado deve proporcionar aos animais um ambiente calmo, enriquecido e favorável, o qual permita a expressão de seus comportamentos naturais, contribuindo para um grau de bem-estar bom e positivo dos animais (SILVA, et al., 2019, p. 5).

A bovinocultura leiteira é um sistema agropecuário de suma importância para a economia brasileira por ter representatividade em todo o território nacional com mais de 1 milhão de propriedades rurais em atividade e rentabilidade média de R$ 6 bilhões da produção nacional. A intensificação da atividade requereu grande tecnificação e novos métodos de exploração com o uso dos animais como fonte direta de leite e seus derivados. A competição no mercado pela transição do método extrativista para um método mais sustentável, com foco ambiental e no BEA é a realidade deste tipo de produção e os produtos oriundos de fazendas, que  juntamente com a massificação da tecnologia aplicada ao meio rural, as quais reúnem os cuidados dos animais em todas as fases da cadeia produtiva são os mais procurados pelos consumidores e apresentam maior valor agregado ao produtor, o que indica que o BEA deve estar presente na produção, a fim de que ela seja eficiente (FERREIRA et al., 2013, p. 196).

 

Discussão

 

A preocupação com o BEA iniciou na Europa, no século XVI, com a promulgação da primeira lei geral no ano de 1822 na Grã-Bretanha (LUDTKE et al., 2012, p. 533). No ano de 1964, no Reino Unido, houve a divulgação do livro Animal Machines, escrito por Ruth Harrison que descrevia basicamente os maus tratos dados aos animais em sistemas de confinamento. O livro traz informações sobre o uso de animais como máquinas para a produção e busca sensibilizar os leitores e a população para uma visão na produção menos antropocêntrica. E como resposta à pressão da população, indignada com os relatos descritos no livro de Ruth Harrison, no ano seguinte, em 1965 o governo britânico divulgou um inquérito de BEA – Relatório Brambell, formulado pelo Comitê Brambell, que descreve as cinco liberdades animais (Tabela 1). A partir de então, o BEA começou a ganhar visibilidade e potência e em 1979 a Farm Welfare CouncilFAWC (Conselho de BEA na produção animal) consolidou as cinco liberdades tornando o crescimento e conhecimento do BEA como ciência e de acesso universal. Algumas das informações discutidas e registradas ao longo do crescimento pelo interesse do BEA foram a confirmação de que os animais são seres sencientes e que a domesticação é uma atitude transformadora capaz de modificar o genoma dos animais de produção a partir da extinção do seu comportamento “natural” (HOAG, LEMME, 2018, p. 245).

 

Tabela 1 – Cinco Liberdades do BEA – Farm Animal Welfare Council, em 1979
1.      Liberdade de sede, fome e desnutrição
2.      Conforto e abrigo adequados
3.      Prevenção ou diagnóstico rápido e tratamento, de lesões e doenças
4.      Liberdade para expressar seus comportamentos normais
5.      Estar livre de medo e aflição
Fonte: Adaptado de Hoage e Lemme, 2018.

 

O estresse associado ao comportamento natural são os principais parâmetros utilizados para a avaliação do BEA. Grandin (1998, p. 123) e outros autores descrevem que, sob estresse, os animais desenvolvem mecanismos biológicos como respostas ao meio e situações em que estão inseridos, necessitando de ajustes fisiológicos ou comportamentais para adequar-se aos aspectos adversos do manejo ou ambiente (LUTDKE et al., 2012, p. 533).

É sabidamente comprovado que falhas no manejo resultam em estresse e risco mútuo (homem e animal), além de menor eficiência produtiva, e por estes motivos, na bovinocultura leiteira, vem sendo aplicadas práticas de BEA, a fim de se obter um melhor desempenho, uma redução na taxa de mortalidade e consequentemente ganho econômico. Tais práticas de BEA estão presentes em todas as fases de vida do bovino sobretudo no período do nascimento ao desmame que são marcadas mediante a realização de uma colostragem adequada, seguida de um agrupamento das bezerras para sociabilidade com aleitamento automatizado ou manual no tempo e quantias corretas, bem como na inserção nutricional de concentrado e volumoso de forma gradativa até o desmame final. Embora estas práticas estejam presentes nas fases iniciais da vida do bovino, elas não são garantia no aumento da produção de leite e por isso devem estar presentes também na fase de lactação, as quais são bem elucidadas no momento da ordenha, em que há uma maior interação entre o homem (ordenhador) e o animal (Tabela 2) (TARAZONA, CEBALLOS, 2021, p. 14).

 

Tabela 2 – Atitudes humanas e resultados no comportamento animal no momento da ordenha
Atitude
Resultado
1.      Insignificante ou ausência total de interação
Animais apáticos
2.      Desaconselhável ou atitudes agressivas para com o animal (tom de voz elevado e agressões físicas)
Animais amedrontados e agressivos e queda na produção de leite na ordem de 1,0 a 1,6 Kg/animal/ordenha
3.      Aconselhável ou interação total com o animal por meio de toques leves e conversas
Animais pouco agressivos, presença de ruminação durante a ordenha e manutenção na produção de leite
4.      Instável ou oscilação nas atitudes humanas (ações negativas se sobressaem às ações positivas)
Animais amedrontados e agressivos e queda na produção de leite na ordem de 1,0 a 1,6 Kg/animal/ordenha
Fonte: Adaptado de Tarazona e Ceballos, 2021.

 

As diferentes espécies de mamíferos exibem um comportamento maternal similar de afeto, cuidado e agressividade, nas fases de gestação, parto e lactação, porém em bovinos ainda é um assunto pouco explorado. Dias antes do parto é possível observar um isolamento social da vaca prenhe, comportamento do cuidado inicial com o bezerro, a partir da limpeza com a ingestão do líquido amniótico e envoltórios fetais, bem como a estimulação, via lambedura, dos processos fisiológicos vitais como respiração, micção e defecação, além da amamentação. Ademais, é evidenciado também um comportamento de agressividade para com os tratadores a fim de evitar eventuais predadores e ameaças externas visando a proteção de seus descendentes. Estudos mostram que a retirada da prole do lado da mãe extingue o comportamento de agressividade materna, mostrado que não há memória para este tipo de comportamento.  Todos estes comportamentos são essenciais para a criação do laço ou vínculo materno-filial de dependência mútua afetiva, a qual ocorre entre 6 e 24 horas pós nascimento, é duradoura e persistente sendo, portanto, de grande relevância para um bom desenvolvimento do bezerro em um animal adulto saudável, apto à sobrevivência, manutenção da espécie e consequentemente de implicação direta positiva na produção leiteira (COSTA et al., 2018, p. 7).

De maneira geral, o comportamento materno sofre grande influência genética e ambiental, os quais modulam a vida do animal recém-nascido ao longo do seu desenvolvimento e na classe dos mamíferos, tal comportamento, é muito similar entre as diferentes espécies e inicia-se dias antes do parto, por meio do isolamento social e quadros de agressividade da fêmea. Já no momento pós-parto, é hábito materno a limpeza e estimulação do recém-nascido, comportamentos associados que mostram o início do vínculo materno-filial e implicam positivamente na sobrevivência do feto. É importante lembrar que a interferência humana nos momentos peri e pós-natal, como manejo nutricional, colostragem e cura do umbigo, podem tornar a fêmea mais agressiva ou indiferente ao filhote e ter implicação direta na produção leiteira (COSTA et al., 2018, p. 3).

Na natureza, a vaca se separa do rebanho no momento do parto e, logo após o nascimento do bezerro, é estabelecida a relação materno-filial, que culmina com a capacidade de reconhecimento mútuo. Em fazendas leiteiras, este momento de separação se dá 24 horas após o nascimento cujas respostas comportamentais são induzidas até uma semana de contato, e se prolongam enquanto mantiverem uma conexão visual e auditiva. Este período inicial é chamado de “período sensível” e é crucial para a criação do laço parenteral.  Portanto, para o desenvolvimento deste vínculo primário (sensibilização), o qual é intrínseco às fêmeas de todas as espécies grávidas ou não, deve se levar em consideração o período da gestação (trimestre final) e a influência hormonal ou endócrina, fatores que favorecem para o estreitamento deste elo, o qual também é chamado de responsividade materna (KENT, 2020, p. 104).

A quebra do vínculo materno-filial pós nascimento muda o estado emocional do bezerro de forma a prejudicá-lo quanto ao desenvolvimento cognitivo e de aprendizagem. Sabe-se que os bezerros são animais que passam por adaptações rápidas e perdem a proteção materna neste mesmo período, tornando-se mais expostos e vulneráveis ao meio ambiente e isso implica diretamente na produção, por isso a necessidade dos cuidados com a vaca ao longo de todo período gestacional, o correto fornecimento de colostro, a cura do umbigo e terapias medicamentos. Por isso, estes cuidados são imprescindíveis para o fortalecimento do animal e seu preparo para enfrentar o novo ambiente ao qual será inserido (SILVA et al., 2019, p. 3).

Frente aos desafios impostos na produção leiteira, desde os cuidados primários com a vaca ao longo do seu período reprodutivo e gestacional até o nascimento do bezerro, o papel do produtor é o de acompanhar toda a cadeia produtiva, de forma visionária, e combinar a lucratividade com a responsabilidade, além da saúde humana e animal, culminando assim na oportunidade de agregar valor aos seus produtos e favorecer a economia do setor. Para isso é importante o produtor ter como base os conceitos de BEA, e sustentabilidade porque assim, a pecuária leiteira terá um crescimento exponencial (EMOND, 2019, p. 1).

 

Considerações finais

 

O BEA é uma prática que está em evidência e com grande participação e influência social, por parte dos consumidores de Produtos de Origem Animal (POA), os quais se preocupam em consumir alimentos provenientes de sistemas de criação que garantam produtos de qualidade e que não tenham causado dor e opressão aos animais. O comportamento animal é um dos indicadores de diagnóstico do BEA, e estudos mostram que o elo criado entre a vaca e o bezerro logo após o nascimento e prolongado por um período de convivência e reconhecimento mútuo contribuem positivamente na produção leiteira, além de ter um impacto na economia pois agrega valor aos produtos oriundos da pecuária.

 

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Recebido em 31 de agosto de 2021

Retornado para ajustes em 21 de outubro de 2021

Recebido com ajustes em 22  de outubro de 2021

Aceito em 5 de novembro de 2021