Tratamento cirúrgico de persistência de ducto arterioso – relato de caso

Revista Agrária Acadêmica

Agrarian Academic Journal

doi: 10.32406/v4n6/2021/38-48/agrariacad

 

Tratamento cirúrgico de persistência de ducto arterioso – relato de caso. Persistent duct arteriosus surgical treatment – a case report.

 

Jéssica Caetano da Fré1, Carla Novelli da Silva2, Sandra Márcia Tietz Marques3

 

1- Médica Veterinária. Trabalho de conclusão de curso de especialização em cardiologia de pequenos animais/ ANCLIVEPA – SP. E-mail: jessicadafre@hotmail.com
2- Médica Veterinária, Cirurgia e Endoscopia Veterinária. Porto Alegre – RS. E-mail: contatogastroendovet@gmail.com
3- Médica Veterinária. Faculdade de Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. Av. Bento Gonçalves, 9090, Bairro Agronomia, Porto Alegre/ RS. Fone: (51) 3308.6136. CEP: 91540-000. E-mail: santietz@gmail.com.br 

 

Resumo

 

O ducto arterioso é um shunt arterial entre a aorta e a artéria pulmonar, fisiológico durante o desenvolvimento fetal, nesse período ele tem como função desviar parte da circulação sanguínea que iria para os pulmões que nesse momento ainda estão afuncionais para a circulação sistêmica. Após o nascimento há o fechamento fisiológico desse ducto, a sua não oclusão é chamada de persistência de ducto arterioso (PDA), cujo tratamento é cirúrgico. Relata-se o caso clínico de um canino, fêmea, da raça Spitz Alemão Anão que foi diagnosticada com PDA na consulta pediátrica de rotina pré-vacinal. Foi realizado então o exame de ecodopplercardiografia com confirmação de PDA. O tratamento constou de correção cirúrgica com a técnica padrão de ligadura do ducto arterioso patente. O procedimento foi bem sucedido com a recuperação do paciente.  

Palavras-chave: Cão. Cardiopatia congênita. Cirurgia. PDA. Shunt arterial.

 

 

Abstract

 

The ductus arteriosus is an arterial shunt between the aorta and a pulmonary artery, physiological during fetal development, during this period it shunts away part of the blood circulation that would go to the lungs, which at that moment are still afunctional. After birth, there is a physiological closure of this duct, its non-occlusion is called persistent ductus arteriosus (PDA), which is treated surgically. We report the clinical case of a female canine of the German dwarf spitz breed that was diagnosed with PDA in a routine pediatric pre-vaccination consultation. Doppler echocardiography was then performed with confirmation of PDA. Treatment consisted of surgical correction using the standard technique of ligation of the patent ductus arteriosus. The procedure was successful with the patient’s recovery.

Keywords: Dog. Congenital heart disease. Surgery. PDA. Arterial shunts.

 

Introdução

 

O ducto arterioso é uma estrutura vascular fetal que conecta a artéria pulmonar à aorta descendente, tendo como função o transporte de sangue rico em oxigênio proveniente da placenta materna diretamente para a aorta, desviando assim dos pulmões ainda colapsos na fase fetal (ETTINGER; FELDMAN, 2004; FOSSUM, 2014). Tem origem no sexto arco aórtico e conecta o tronco pulmonar com a aorta descendente (STOPIGLIA et al., 2004).

A circulação durante o período fetal tem vários shunts fisiológicos devido a algumas estruturas não serem funcionais e, também, a presença da placenta que fornece o sangue oxigenado e rico de nutrientes ao feto (MASSARI; MIGLINO, 2019).

Após o nascimento, com as primeiras respirações do feto ocorre o aumento da concentração de oxigênio sanguíneo, o que representa um estímulo para a inibição de prostaglandinas no ducto arterioso, propiciando assim seu fechamento. A oclusão ocorre devido à contração da musculatura lisa na parede do ducto, esse é um fechamento funcional que ocorre de minutos a horas após o nascimento (JERICÓ et al., 2015; STOPIGLIA et al., 2004). A degeneração não inflamatória do músculo começa em 48 horas em cães e a citólise está normalmente completa com um mês, deixando fibras elásticas advenciais remanescentes, também chamadas de ligamento arterioso (BUCHANAN, 2001).

A falha no fechamento fisiológico do ducto arterioso é chamada de persistência do ducto arterioso, essa anomalia também é conhecida como ducto arterioso patente ou persistência do canal arterial (MACÊDO et al., 2021; PARRA, 2008), como mostrado na Figura 1. 

 

Figura 1 – Coração normal, com correto fechamento do ducto arterioso em comparação  com a presença de ducto arterioso persistente com a flecha demonstrando o fluxo da artéria aorta para a pulmonar (PDA clássico). Fonte: PARRA (2008)

 

Diversos estudos apontam a persistência do ducto arterioso (PDA) como a anomalia congênita mais frequente em cães, representando de 25 a 30% (BUCHANAN, 2001; JERICÓ et al., 2015; STOPIGLIA et al., 2004), entretanto em gatos é considerada extremamente rara (ALLEN, 1982). Acomete com maior frequência cães de raças puras, com destaque para: Poodle, Maltês, Bichon Frisé, Lulu da Pomerânia, Chihuahua, Cocker Spaniel, Keeshond, Labrador Retriever, Pastor Alemão, Pastor de Shetland, Springer Spaniel Inglês, Terra Nova e Yorkshire Terrier (BUCHANAN, 2001; FOSSUM, 2014; JERICÓ et al., 2015). As fêmeas são mais acometidas que os machos, com proporções entre fêmeas e machos de 1,72:1 (VOLKWEIS et al., 2020) a 3:1 (JERICÓ et al., 2015). Sugere-se que há um mecanismo hereditário provavelmente poligênico associado à etiologia da PDA nessas raças (BOON, 2011; COSTA, 2016). Entretanto, alguns fatores não-genéticos também devem ser considerados na etiologia da PDA, uma vez que estudos demonstraram que a gestação curta influência diretamente na ocorrência da doença, pois a imaturidade do canal arterial e menor concentração de massa muscular são responsáveis pela não oclusão da luz do ducto no momento da contração após o nascimento (COSTA, 2016).

A persistência do ducto arterioso pode resultar em duas condições clínicas distintas: a primeira e mais comum, ocorre quando o ducto arterioso permanecer patente e com resistência vascular pulmonar normal ou próximo ao normal, a pressão na artéria aorta se sobrepõe à pressão no tronco pulmonar causando assim um fluxo de sangue com desvio da esquerda para a direita, denominado de Persistência de Ducto Arterioso clássico (PDAc). A segunda classificação ocorre quando há o aumento do fluxo pulmonar devido à sobrecarga gerada pelo PDA, aumentando a pressão no tronco pulmonar que pode igualar ou exceder a pressão na artéria aorta. O resultado desse processo será o desvio bidirecional ou desvio da direita para esquerda (tronco pulmonar para a aorta), denominada de Persistência de Ducto Arterioso reverso (PDAr) (HOUGHETON; WARE, 1996).  Nesse caso pode ser que o sopro fique inaudível devido à diminuição do gradiente de pressão no ducto, logo diminuição da velocidade do fluxo de sangue. Segundo Stopiglia (2004), no exame clínico também podemos observar cianose diferencial, isto é, mucosas craniais (oral e ocular) normocoradas e mucosas caudais (genitais) cianóticas, sendo esse um sintoma patognomônico do PDAr. Esse sintoma ocorre pela mistura do sangue pouco oxigenado proveniente da artéria pulmonar que se insere caudalmente ao tronco pulmonar e a artéria subclávia esquerda, gerando a cianose apenas na porção caudal do animal (RANDALL, 2000).

A persistência do ducto arterioso leva a alterações hemodinâmicas importantes que podem levar a edema pulmonar, fibrilação atrial, hipertensão pulmonar e ao óbito. Essa enfermidade pode ser classificada em quatro tipos (tipo 1, 2, 3A/3B e 4), que variam progressivamente de acordo com o diâmetro da falha do fechamento e suas consequências hemodinâmicas decorrentes (SAUNDER; GORDON, 2014; SMITH et al., 2016).

Nesses pacientes a estrutura da parede ductal é anormal, apresentando pouca quantidade de musculatura lisa e maior proporção de fibras elásticas, tendo estrutura bastante semelhante àquela da parede aórtica. Por conta disso, acredita-se que nesses casos a parede vascular ductal represente uma continuação da parede aórtica. Devido à menor proporção de musculatura lisa, a resposta vasoconstritora é ruim, resultando no fechamento incompleto do ducto ou até mesmo em ausência completa de oclusão. Na maioria dos casos a porção ductal próxima à extremidade pulmonar apresenta maior quantidade de musculatura lisa em comparação à extremidade aórtica, resultando em orifício pulmonar com diâmetro menor em relação ao aórtico; assim, o ducto adquire formato de cone. Em alguns casos, a extremidade pulmonar também é bastante deficiente em musculatura lisa, originando um ducto com orifícios de diâmetros semelhantes e com paredes paralelas (JERICÓ et al., 2015).

A parede do ducto normal é composta de 98% de tecido muscular liso e o restante é composto de fibras elásticas subadventiciais misturada com tecido conjuntivo frouxo na adventícia. A massa muscular do ducto pode ser considerada como cilindro muscular distinto posicionado entre as duas artérias elásticas. A distribuição normal da massa muscular no ducto é predominantemente circunferencial.  O músculo do ducto arterioso se contrai como resposta do aumento da tensão de oxigeno arterial e contrai dentro de minutos a horas após o nascimento (VOLKWEIS et al., 2020).

A falha no fechamento do ducto resulta da anormalidade histológica da parede do ducto. Cães com PDA possuem uma quantidade ‘subnormal’ e uma distribuição assimétrica de músculo liso circunferencial. Uma maior quantidade de tecido elástico em áreas que deveriam conter músculo liso resulta em uma parede ductal mais semelhante com a aorta; essa alteração histológica do ducto acaba impossibilitando a correta oclusão, gerando portanto a perpetuação do fluxo dentro do ducto mesmo após o nascimento (HOUGHTON; WARE, 1996). 

Diversos cortes histológicos em PDA em diversos cães de outras raças não relacionadas com PDA congênito revelaram similar proporção de tecido elástico na parede ductal onde deveria ser muscular, indicando que a etiologia de PDA em outras raças é provavelmente a mesma da PDA hereditária (BUCHANAN, 2001).

Esse trabalho objetiva relatar um caso clínico-cirúrgico de PDA em cão, abordando os procedimentos para a recuperação da integridade anatômica cardíaca e possibilitar melhora na sua qualidade de vida.

 

Relato de caso 

 

Este relato de caso teve a autorização dos tutores para a sua divulgação, constando no prontuário da paciente em concordância com todos os parâmetros éticos. 

Foi atendida em uma clínica veterinária em Porto Alegre/RS, para início de protocolo vacinal, uma fêmea canina, da raça Spitz Alemão Anão, com 70 dias, pesando 1,150 quilogramas, no exame clínico foi constatado um sopro contínuo do lado esquerdo do tórax em foco pulmonar, a paciente encontrava-se em bom estado geral, com as mucosas normocoradas, pressão arterial sistêmica de 120mmHg, temperatura retal de 38,3°C, tempo de preenchimento vascular de menos de 2 segundos, frequência cardíaca de 144 bpm, frequência respiratória de 28 mpm.

Na anamnese a tutora relatou que a paciente se encontrava completamente assintomática, se alimentando normalmente, alerta e ativa e negou qualquer sintoma cardiorrespiratório, como taquipneia, cianose, tosse, desmaio ou síncope. A paciente foi então encaminhada ao atendimento cardiológico para ser realizado o exame ecodopplercardiográfico, no qual foi visualizado presença de fluxo retrógrado, turbulento e contínuo no interior da artéria pulmonar (Figura 2). Achado compatível com persistência de ducto arterioso sentido esquerda-direita, tendo o ducto medido 0,2 cm (Figura 3).

A indicação foi para a realização de cirurgia assim que atingisse um tamanho mínimo para a abordagem cirúrgica aberta. Para avaliação pré-anestésica foi realizado exame de sangue com resultado sem alterações dignas de nota.

A técnica escolhida foi a técnica aberta de ligação de ducto arterioso, relatada por Fossum (2015). Foi realizada quando a paciente atingiu o peso de 4,1 quilogramas e idade de sete meses. A paciente foi encaminhada para o procedimento cirúrgico no dia 20 de agosto de 2020, com jejum adequado. O protocolo anestésico foi escolhido de acordo com o anestesista.

Para a abordagem cirúrgica, a paciente foi colocada em decúbito lateral direito, sendo realizada correta antissepsia para que a toracotomia fosse feita no lado esquerdo, no quarto espaço intercostal, seguido pela realização da incisão de pele, divulsão de subcutâneo e incisão da musculatura intercostal para ser possível acessar a cavidade torácica.

 

Figura 2 – Demonstração do fluxo turbulento dentro da artéria pulmonar no estudo ecodopplercardiográfico.

 

Figura 3 – Mensuração do tamanho do ducto arterioso persistente.

 

Assim que incisada a musculatura intercostal, foi colocado um afastador de Finochietto (Figura 4) para possibilitar o acesso ao tórax, com os lobos pulmonares sendo afastados gentilmente para poder fornecer o acesso ao coração. Na sequência, foi identificado e divulsionado cuidadosamente o nervo vago esquerdo, para ser isolado por fita cardíaca de modo que não fosse seccionado. Após a visualização do ducto, que também foi dissecado e divulsionado de maneira cuidadosa com a pinça hemostástica de ponta curva de Kelly,  passou-se dois fios Nylon 3.0, o primeiro abaixo do ducto arterioso, que ficou posicionado próximo a extremidade aórtica e o segundo fio colocado próximo a extremidade pulmonar, formando assim uma ligadura dupla que ocluiu o fluxo dentro do ducto (Figura 5). Na palpação foi possível sentir a ausência de frêmito no local. Após a ligadura, iniciou-se o fechamento da parede torácica com padrão simples isolado envolvendo as costelas (Figura 6), e na sequência, houve o fechamento do subcutâneo e fechamento posterior de pele. 

 

Figura 4 – Colocação do afastador de Finochietto para possibilitar o acesso ao tórax.

 

Figura 5 – Ligadura no ducto arterioso, uma em extremidade aórtica e outra em extremidade pulmonar. Na seta a fita cardíaca isolando o nervo vago esquerdo.

 

Foi restituída a pressão negativa no tórax por meio de um dreno torácico que foi acoplado cranialmente a incisão, permanecendo com ele durante um dia, onde manteve todos seus parâmetros estáveis, com verificação de hipotermia de 36,2°C no pós cirúrgico imediato. Demais parâmetros aferidos foram pressão arterial sistólica por meio de doppler vascular, oximetria, eletrocardiograma, frequência cardíaca, frequência respiratória, coloração de mucosa, débito urinário e tempo de preenchimento vascular, sem alterações.

 

Figura 6 – Fechamento da musculatura com padrão simples.

           

Foi utilizada terapia analgésica com metadona 0,2mg/kg QID nas primeiras 24 horas, após passando para tramadol 3mg/kg TID por mais 5 dias no total, dipirona 25mg/kg. A antibioticoterapia foi instituída de forma profilática com ampicilina 22mg/kg durante a internação e após o uso de amoxicilina com clavulanato 12,5mg/kg por 10 dias; para uso anti-inflamatório foi usado meloxicam na dosagem de 0,1 mg/kg SID durante 4 dias. Foi realizada a limpeza dos pontos a cada 12 horas com gaze e solução fisiológica e a manutenção de roupa cirúrgica para evitar a manipulação da ferida cirúrgica pelo próprio animal.  

O exame ecodopplercardiográfico realizado dois dias após a cirurgia, ainda na internação, mostrou fluxo diastólico turbulento na via de saída do ventrículo direito indicando uma insuficiência de valva pulmonar discreta, sem indicação de fluxo residual no ducto arterioso (Figura 7); e todos os demais parâmetros encontram-se dentro dos valores de referência, mas nota-se uma redução em valores de mensuração de átrio esquerdo, aorta, diâmetro diastólico e sistólico, fração de encurtamento e ejeção. 

Foi solicitado que os tutores executassem a limpeza dos pontos ao menos uma vez por dia, com gaze e solução fisiológica, bem como manter a roupa cirúrgica até a retirada dos pontos que ocorreu sem imprevistos, após 12 dias da cirurgia. 

 

Discussão 

 

Fossum (2014) relatou que a maioria dos animais jovens com PDA reverso são assintomáticos e um dos principais sintomas manifestado é o sopro contínuo em maquinaria, que é um fator patognomônico da doença, no caso relatado a paciente encontrava-se sem sintomatologia clínica e o único achado na paciente foi o sopro em maquinaria que se apresenta mais alto na sístole e vai diminuindo sua intensidade gradativamente na diástole.

 

Figura 7 – A figura mostra a ausência de fluxo proveniente de PDA, tendo apenas uma insuficiência pulmonar residual pequena. 

 

No caso descrito, o exame de sangue (hemograma e perfil bioquímico) não apresentou alteração o que é esperado em casos de PDA clássico. Segundo Ware (2007) é esperada alteração no hemograma apenas em casos de PDA reverso, por que essa alteração causa hipoxemia e a resposta fisiológica a isso é a policitemia, que pode chegar a 65% em alguns casos.

Foi indicado o exame de ecodopplercardiograma que é o exame capaz de fornecer o diagnóstico definitivo da persistência do ducto arterioso, no qual é possível diagnosticar o PDA avaliando possíveis alterações concomitantes congênitas ou resultantes do mesmo. Para a avaliação no modo bidimensional, o ducto pode ser visualizado em janela paraesternal esquerda cranial (JERICÓ et al., 2015; SMITH et al., 2016). A visualização do fluxo contínuo turbulento com Doppler espectral no interior da artéria pulmonar, que segundo Boon (2011) confirma a presença de PDA clássico.

Após a confirmação ecodopplercardiográfica de PDA, foi indicado cirurgia, pois a não realização do procedimento até o primeiro ano acarreta uma probabilidade de óbito de 65%, portanto existia a urgência na realização do procedimento o quanto antes fosse viável, visto que o tamanho e peso no momento do diagnóstico era um fator impeditivo (NELSON; COUTO, 2015; WARE, 2007). De acordo com Buchanan (2001) os pacientes que realizam cirurgia tem uma chance de 98% de ter uma vida sem intercorrência após a oclusão correta. Logo a cirurgia é curativa.

Outra razão para fazer o procedimento assim que possível é que 15% dos casos de PDA não operados evoluem para PDA r (WARE, 2007). A reversão do fluxo de sangue ocorre devido ao aumento de seu fluxo dentro da artéria pulmonar que leva a alterações na vascularização pulmonar, aumenta resistência e acarreta hipertensão pulmonar. Esse aumento de pressão na artéria pulmonar, pode se igualar ou sobrepor a pressão sistêmica, gerando assim, por gradiente de pressão, a troca no fluxo dentro do ducto, saindo da artéria pulmonar e passando para a aorta (shunt direita-esquerda).

Segundo Jericó et al. (2015) há uma grande parte dos pacientes com PDAr que apresentam também anomalia vascular pulmonar concomitante representada por maior quantidade de fibras elásticas na vascularização pulmonar em detrimento de tecido muscular liso.

A cirurgia é contraindicada apenas em casos de PDA reverso porque a oclusão desse shunt leva ao aumento súbito e acentuado na pressão arterial pulmonar, portanto, aumento na pós carga do ventrículo direito e redução brusca no débito da cavidade direita. O retorno venoso para o átrio esquerdo nesse caso ficaria drasticamente reduzido, podendo até levar ao choque cardiogênico (BUCHANAN, 2001; WARE, 2007).

A técnica aberta de ligadura do ducto foi a escolhida, apesar de invasiva e de apresentar riscos como ruptura do ducto arterioso, hemorragias, pneumotórax e maior dor no pós cirúrgico, como relatou Fossum (2014). Entretanto a realização desse procedimento por  um profissional experiente tem alta taxa de sucesso, apresentando mortalidade de 1 a 2% de acordo com Buchanan (2001), como foi avaliado no caso descrito, em que a paciente teve uma rápida recuperação, sem nenhuma intercorrência digna de nota e com dor controlada facilmente com analgesia de rotina.    Com os últimos avanços na cardiologia veterinária, a oclusão transarterial do PDA se apresenta como uma possibilidade e é uma técnica eficaz, segura, pouco invasiva e com baixas taxas de complicações associada. Buchanan (2001) descreveu que  existem algumas complicações associadas, como embolização do dispositivo, dilaceração de artéria femoral, infecção do dispositivo, presença de fluxo residual, hemólise. Todavia o fator limitante mais relevante é o custo dos equipamentos e a necessidade de uma equipe altamente treinada, o que acaba não sendo uma realidade na maioria dos estados brasileiros. 

No ecocardiograma pós-cirúrgico notamos que, mesmo dentro dos valores de referência, há diminuição nos parâmetros em relação às dimensões de câmaras cardíacas esquerdas, com uma ligeira diminuição da função sistólica, que  é esperada após a resolução cirúrgica do PDA, devido à redução de sobrecarga de volume nessas câmaras. Isso nos indica que após a correção cirúrgica, por se retirar a causa de sobrecarga cardíaca, há a melhora na função cardíaca.

 

Conclusões

 

A persistência do ducto arterioso (PDA) precisa de diagnóstico precoce para que o seu fechamento ocorra o quanto antes para evitar todas as alterações hemodinâmicas sistêmicas e que o animal possa viver de forma saudável. 

A técnica cirúrgica de fechamento de ducto por toracotomia foi utilizada com sucesso, com a paciente tendo uma rápida recuperação, sem nenhuma intercorrência e com dor controlada facilmente com analgesia de rotina. 

 

Agradecimentos

 

À Louise Gabryele da Rosa Alves, estagiária da clínica, por fazer o registro fotográfico durante o procedimento cirúrgico.

 

Conflitos de interesse

 

Não houve conflito de interesses dos autores.

 

Contribuição dos autores

 

Jessica Caetano da Fré: ideia original, execução dos procedimentos clínico e cirúrgico, leitura, interpretação das obras e escrita; Carla Novelli da Silva: execução do procedimento cirúrgico e avaliação do paciente no pós-operatório; Sandra Márcia Tietz Marques: orientação, correções e revisão do texto.

 

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Recebido em 19 de outubro de 2021

Retornado para ajustes em 24 de novembro de 2021

Recebido com ajustes em 25  de novembro de 2021

Aceito em 30 de novembro de 2021