Revista Agrária Acadêmica
doi: 10.32406/v4n6/2021/74-84/agrariacad
Torção uterina em égua – relato de caso. Uterine torsion in mare – case report.
Anna Cristina Vieira Robinato1*, Yan Gabriel Demarchi2, Marta Cristina Cação3, Walnei Miguel Paccola3, Rafael Augusto Paccola3, Henry Wajnsztejn
4
1*- Discente do Curso de Medicina Veterinária, Universidade de Sorocaba (UNISO), Sorocaba, SP, Brasil. E-mail: anna.robinato@gmail.com
2- M.V. Autônomo, Graduado pela Universidade de Sorocaba (UNISO).
3- M.V. Autônomo, Hospital Veterinário Equicenter, Tatuí, SP, Brasil.
4- M.V. Ms. Docente do Curso de Medicina Veterinária, Universidade de Sorocaba (UNISO), Sorocaba, SP, Brasil.
Resumo
A Torção Uterina é uma afecção de baixa casuística em equinos que, contudo confere significativo risco de vida para égua gestante e feto. Ocorrendo no último semestre gestacional, os fatores predisponentes não são bem definidos, mas destacam-se características fetal e materna. Facilmente confundida com Síndrome Cólica, principalmente pela semelhança dos sinais clínicos, uma avalição assertiva durante a palpação transretal pode diferenciar e até definir graus de torção uterina. Passível de correção por diferentes técnicas, o prognóstico muda de acordo com as variáveis de cada caso. Objetiva-se nesse trabalho, relatar caso clínico-cirúrgico de uma égua que passou por laparotomia via flanco direito para correção de torção uterina, no Hospital Veterinário Equicenter.
Palavras-chave: Égua gestante. Laparotomia. Obstetrícia Veterinária. Útero equino.
Abstract
Uterine Torsion is a low casuistic condition in horses, which confers significant risk of life for pregnant mare and fetus. Occurring in the last gestational semester, the predisposing factors are not well defined, but the fetal and maternal characteristics stand out. Easily confused with Colic Syndrome due to similar clinical signs, an assertive assessment during transrectal palpation can differentiate and even define degrees of uterine torsion. Correctable by different techniques, the prognosis changes according to the variables in each case. The objective of this study is to report a clinical-surgical case of a mare that went through laparotomy surgery via the right flank to correct uterine torsion, at Hospital Veterinário Equicenter.
Keywords: Equine uterus. Laparotomy. Mare. Obstetrics.
Introdução
A torção uterina é um evento incomum na espécie equina, de origem não infecciosa, que acontece em 5 a 10% das distocias graves e, em 50% desses casos, em éguas no último trimestre de gestação (VANDEPLASSCHE et al., 1972, p. 105; PRESTES; SOUZA, 2019, p. 112). Para Frazer (2011, p. 2479) o termo distocia é utilizado para qualquer causa, que venha impedir o processo natural de parto. Segundo Toniollo e Vicente (1993, p. 50), uma torção do órgão sobre seu próprio eixo longitudinal, caracteriza a torção uterina, que pode ser classificada em leve, média ou grave, dependendo do grau do giro (PRESTES, 2017, p. 231).
De acordo com Prestes (2017, p. 231) características anatômicas, fazem com que a torção uterina na espécie equina ocorra de forma mais esporádica, quando comparado aos ruminantes. O ligamento largo ou o mesométrio, que suspendem o órgão, são dotados de uma ampla base dorsal, o que limita a alta incidência em éguas (VASEY; RUSSEL, 2011, p. 2435).
Segundo Dyce et al. (2010, p. 1124) a anatomia dos órgãos reprodutivos da fêmea é fortemente influenciada pela idade, histórico reprodutivo e condição corporal de cada indivíduo. Conforme a gestação vai se tornando a termo, o corno gravídico vai se tornando mais pesado, seguido pelo corpo uterino, causando assim seu afundamento junto à cérvix para fora da pelve e adentrando totalmente ao abdômen. Os ligamentos começam a exercer pressão nas margens mesometriais, aumentam assimetricamente e vão se flexionando sobre si mesmos. As artérias uterinas são puxadas para ventrocranial e apresentam frêmitos (SISSON, 1986, p. 512; LEY, 2006, p. 53; DYCE et al., 2010, p. 1126-1127; BUDRAS et al., 2011, p. 82).
Figura 1 – Visualização lateral esquerda dos órgãos do sistema reprodutivo da fêmea equina, em condições fisiológicas, sem camadas cutânea, subcutânea e muscular, assim como a ausência de peritônio, gradil costal e órgãos do sistema digestivo. Fonte: Arquivo pessoal.
De acordo com um estudo feito com 13 éguas prenhas que sofreram torção uterina, foi observada a maior incidência em éguas primíparas, de estágio avançado de gestação ou período de gestação completo (KHOSA et al., 2020, p. 245). A torção uterina é diagnóstico diferencial para a síndrome cólica em éguas que estão entre o oitavo e décimo primeiro mês gestacional, quando o tratamento de cólica gastrointestinal instituído não é efetivo (IMMEGART; THRELFALL, 2000, p. 657; YORKE et al., 2012, E2).
Ainda que estudos relatem possíveis incidências, acresce que, os fatores predisponentes não são bem definidos (PUROHIT, 2011, p. 29), mas incluem por parte do feto, movimentos vigorosos no final da gestação, posicionamento fetal na preparação para o nascimento e produtos gestacionais grandes. Já por parte materna, o ato rolar, quedas repentinas, flacidez do mesométrio, abdômen flácido e penduloso, devido à idade avançada da égua gestante, além da redução na quantidade de líquidos fetais são possíveis fatores (MACPHERSON, 2011, p. 323 e 324; PRESTRES; SOUZA, 2019, p. 112).
Mesmo que a patologia aconteça de forma ocasional, traz risco de vida tanto para a égua gestante como para o feto (JUNG et al., 2008, p. 272). A maioria das éguas apresenta quadro de cólica, de grau leve a moderado. Tendo os sinais clínicos como inquietação, sudorese, anorexia ou falta de apetite, micção frequente, postura de pernas abertas nos membros posteriores (cavalate), alongamento, rolamento, observação de flanco e elevação de membros até o abdômen, podendo esses sinais serem apresentados novamente quando a analgesia é cessada (THRELFALL; IMMEGART, 2000, p. 661; JUNG et al, 2008, p. 273).
Paralelamente, as complicações da torção uterina incluem separação prematura da placenta, necrose uterina, ruptura uterina, peritonites e aderências (VASEY; RUSSEL, 2011, p. 2439; DOYLE et al., 2002, p. 352). As alterações do fluxo sanguíneo materno fetal levam à hipóxia e muitas vezes à morte fetal, ocorrendo o abortamento após alguns dias, geralmente cerca de duas semanas (BRINSKO et al., 2011, p. 89).
O presente trabalho tem como objetivo relatar um caso de torção uterina em égua, durante o terço final de gestação, com correção por laparatomia exploratória via flanco com o animal em estação.
Relato de caso
Na noite de 12 junho de 2020, deu entrada no Hospital Veterinário Equicenter, localizado em Tatuí – SP uma égua, entrando no 10º mês de gestação, receptora, SRD, pesando aproximadamente 450kg e em torno de 5 anos de idade. A queixa principal se referiu ao desconforto abdominal, sendo este quadro não responsivo ao tratamento. Durante o exame físico, a frequência cardíaca se manteve em torno de 44bpm, presença de motilidade e descarga ileocecal incompleta, destacando o fato de a égua defecar durante essa avaliação. Na palpação transretal foi encontrada tensão do ligamento largo, sinal clássico nos casos de torção uterina.
O animal recebeu cerca de 22 litros de fluidoterapia intravenosa durante 9 horas, a fim de que o animal fosse estabilizado hidricamente para o procedimento cirúrgico no dia 13 de junho. Foi optada pela conduta cirúrgica de laparotomia pelo flanco direito com animal em estação. Para tal procedimento, o animal foi sedado com Xilazina 10% na dose de 0,45 mg/kg associada a uma manutenção anestésica com 1/3 da dose do mesmo fármaco, por via intravenosa. Após tricotomia ampla na região e antissepsia cirúrgica, foi realizada uma anestesia local na pele, no tecido subcutâneo e na musculatura com 40 ml de lidocaína 2% sem vasoconstritor, em “L” invertido, na região da fossa paralombar direita, infiltrando uma linha caudal a última costela e outra ventralmente desde a última costela até 4º vertebra lombar.
A incisão vertical, de aproximadamente 12 centímetros, foi feita na fossa paralombar direita (entre o final do gradil costal e a tuberosidade coxal), passando pela pele, musculatura, oblíquo externo, obliquo interno e transverso do abdômen, seguido pela punção do peritônio. Após a localização do útero, ocorreu a correção de forma manual através do apoio fornecido pelo corpo do feto. Depois do reposicionamento do útero gravídico para sua posição anatômica, a fim de confirmar a eficácia do ato cirúrgico, foi solicitado que outro médico veterinário realizasse a palpação via retal. A síntese da musculatura e do subcutâneo foi realizada com Vycril® 2-0, enquanto da pele foi realizada com Vycril® 0, em todos os planos o padrão de sutura utilizado foi o simples contínuo. O animal voltou à baia após total recuperação anestésica.
Seguindo para o pós-operatório, a conduta terapêutica utilizada foi a associação de penicilina (15000 UI/kg/SID) e amicacina (10 mg/kg/SID) por via intramuscular durante 7 dias; flunixina meglumina (1.1 mg/kg/BID) via intravenosa; omeprazol (1 mg/kg/SID), nos primeiros 3 dias via intravenosa e passando para (2 mg/kg/SID) via oral durante período de utilização de anti-inflamatório; heparina sódica (40 a 60 UI/kg/BID) via subcutâneo durante 5 dias; pentoxilina (7,5 mg/kg/BID) via oral. O uso de lidocaína sem vasoconstritor foi realizado por via intravenosa em bolus (1.3 mg/kg/h) e manutenção (0,05 mg/kg/h), ambos BID durante 7 dias. O curativo da incisão cirúrgica era realizado duas vezes ao dia, sendo usado degermante PVPI 10% e spray prata (inseticida, cicatrizante, repelente e larvicida), durante todo período internação.
Na madrugada do dia 21 de junho, o animal entrou em trabalho de parto. Ela apresentou a estrela cervical e expeliu o feto ainda sem rompimento da placenta. Essa manobra, por sua vez, foi realizada com auxílio de instrumental cirúrgico. Devido sua prematuridade, o feto permaneceu vivo cerca de 30 minutos com auxílio de oxigenoterapia, sendo o mesmo não responsivo a terapia com corticosteroide e epinefrina vindo, portanto, a óbito. A égua por sua vez passou por lavagem uterina, a fim de evitar qualquer complicação ocasionada pelo aborto, realizada nas primeiras 72 horas, duas vezes ao dia com solução fisiológica. A cada 500 ml da solução era acrescentado 2 ml de Clorexidina degermente e era feita a administração intrauterina de Ginovet® (cloridrato de tetraciclina em forma de pastilhas efervescentes). Após as 72 horas o lavado uterino passou a ser uma vez ao dia, seguindo o mesmo protocolo. Animal recebeu alta após estabilização do peso corpóreo.
Discussão
De acordo com os exames hematológicos sem alterações significativas, o presente relato corrobora com o citado por Hong et al. (1993, p. 561 e 565), em que a torção uterina é um evento de origem não infecciosa, que ocorre normalmente no último trimestre da gestação, e é definido como torção do útero sobre seu próprio eixo longitudinal. Para Stout (2014, p. 71), a torção uterina ocorre quando o feto, na hora de girar leva o útero junto a ele, ao invés de girar livremente dentro do órgão. Fato esse que respalda o presente relato, onde o feto possuía espaço livre dentro da cavidade abdominal para movimentos vigorosos junto ao útero. O órgão pode girar de 90 a 540º tanto no sentido horário, como no sentido anti-horário envolvendo normalmente o corpo uterino (TONIOLLO; VICENTE, 1993, p. 51; MCKINNON; MCCUE, 2011, p. 2153; VASEY; RUSSEL, 2011, p. 2435).
Figura 2 – Visualização lateral esquerda dos órgãos do sistema reprodutivo da fêmea equina, após torção uterina, sem camadas cutânea, subcutânea e muscular, assim como a ausência de peritônio, gradil costal e órgãos do sistema digestivo. Fonte: Arquivo pessoal.
Torções em sentido horário e cranial à cérvix são mais corriqueiras, sendo classificadas em grau leve, médio ou grave (TONIOLLO; VICENTE, 1993, p. 51; MCKINNON; MCCUE, 2011, p. 2153; VASEY; RUSSEL, 2011, p. 2435). Para Santschi e Vaala (2011, p. 6), a patologia apresenta risco suave a moderado para as éguas, e moderado a severo, quando levado em consideração o futuro produto da gestação, o neonato. Isso faz com que éguas diagnosticadas, passem a ter gestação classificada como de alto risco.
Segundo Purohit (2011, p. 29) os fatores predisponentes não são bem elucidados, e, apesar do presente relato trazer um caso de uma égua, SRD, de aproximadamente 5 anos de idade e 10 meses de gestação, Mc Kinnon e McCue (2011, p. 2153) mostram que as raças de tração, quando comparadas com raças mais leves são mais acometidas. Vasey e Russel (2011, p. 2435) alegam que a predileção de raça e idade não é demonstrada. Khosa et al. (2020, p. 247), por sua vez relataram em um estudo com 13 éguas, que primíparas, jovens, em estágio avançado, são mais acometidas por essa afecção.
Para Vasey e Russel (2011, p. 2435) a torção uterina é considerada diagnóstico diferencial da síndrome cólica em éguas que estão entre o oitavo e décimo primeiro mês gestacional. No presente trabalho, essa dúvida foi levantada, uma vez que os sinais clínicos incluíram quadro de cólica leve a moderada, que tem como manifestações dor abdominal, inquietação, sudorese, anorexia ou falta de apetite, micção frequente, postura de cavalete (abertura lateral dos membros posteriores), alongamento, olhar para o flanco, rolar e chutar o abdômen. Estes são apresentados novamente sempre que a analgesia é cessada e o tratamento de cólica gastrointestinal instituído não é efetivo, assim como os relatos apresentados pela literatura levantada (IMMEGART; THRELFALL, 2000, p. 657; JONKER, 2008, p. 209; MCKINNON; MCCUE, 2011, p. 2153; YORKE et al., 2012, E2).
De acordo com Mc Kinnon e Mc Cue (2011, p. 2153), estes sinais podem durar de horas a 3 dias, ou ainda imitar os clássicos sinais da primeira parte do parto. Vale ressaltar que a gravidade dos sinais clínicos pode mudar de acordo com os diferentes graus de torções, dado confirmado em presente relato. Em muitos casos há o aparecimento de dor em considerada intensidade quando o ligamento largo é alvo de palpação (MARTENS et al., 2008, p 398 e 399; TIBARY; PEARSON, 2012, p. 351).
O diagnóstico, assim como no presente caso, é feito por palpação ao útero gravídico através do reto, sendo averiguada a tensão dos ligamentos largos, espiralando na direção da torção. Se a torção ocorrer no sentido horário, o ligamento esquerdo se encontrará tenso e atravessado sobre o útero, enquanto o direito se estenderá dorsalmente sobre o órgão. O oposto se faz presente em casos de torção uterina em sentido anti-horário (MCKINNON; MCCUE, 2011, p. 2153; VASEY; RUSSEL, 2011, p. 2435).
A literatura relata que em torções maiores que 270º, podem ocorrer dores severas e possível ruptura uterina (PERKINS; FRAZER, 1994, p. 660). Determinados graus de torção uterina podem impedir a execução do exame de palpação transretal, sendo nesses casos a determinação da direção da torção difícil e o auxílio da ultrassonografia necessário para detecção do espessamento da parede uterina e da distensão causada pela compressão vascular (FRAZER et al., 2002, p. 20). Isso também se aplica em casos de uma possível ruptura uterina (BUCCA, 2006, p. 758), o que nesse caso não foi necessário, uma vez que durante a palpação transretal, o médico veterinário diagnosticou torção uterina de 180º em menos de 24 horas após aparecimento dos sinais clínicos.
A torção uterina de longa data pode mostrar alterações como edema uterino e placentário, separação placentária e ligamento largo congestionado. No presente relato, devido características citadas logo acima, não se observaram tais sinais. Em casos de ruptura uterina, que pode ser uma complicação da torção uterina, a abdominocentese, segundo literatura, é indicada quando a égua se apresenta deprimida, endotoxêmica ou pálida (MARTENS et al., 2008, p. 403), sinais não apresentados pelo indivíduo desse relato. Mc Kinnon e McCue (2011, p. 2153), lembram que os animais também podem apresentar sinal de choque hipovolêmico e toxêmico em casos de ruptura uterina.
A correção dessa afecção é feita através de diversas técnicas. Quando o parto está a termo e a cérvix apresenta dilatação suficiente, pode-se tentar a correção manual da torção por meio da manipulação ventrolateral do feto, pelos membros anteriores do mesmo ou através do colo do útero. Contudo, normalmente isto só é possível em torções menores que 270º. Rolamento da égua gestante em decúbito dorsal, que deve estar em plano anestésico geral adequado, também é uma das formas possíveis para a correção da afecção, dependendo do peso fetal, mas as complicações, como a ruptura uterina e separação precoce da junção útero placentária, também podem ser observadas após técnica corretiva (STEEL; GIBSON, 2002, p. 12; MARTENS et al., 2008, p. 400; VASEY; RUSSEL, 2011, p. 2436-2347; SANTSCHI, 2017, p. 824).
Tratamentos cirúrgicos por meio de celiotomia mediana ventral ou laparotomia pelo flanco também podem ser tomados (MARTENS et al., 2008, p. 401 e 402). A laparotomia pelo flanco deve seguir o sentido da torção, por exemplo, uma torção no sentido horário deve ter incisão feita no flanco direito. Mas quando o sentido da torção não é claro, deve se optar pela incisão no lado esquerdo, a fim de evitar o ceco do animal (VASEY; RUSSEL, 2011, p. 2437-2438), entretanto no presente caso, o médico veterinário cirurgião optou pela incisão no flanco direito, uma vez que o mesmo faz a preferência de desviar-se do baço, que fica localizado no antímero esquerdo do animal.
Quando feita pela linha mediana ventral, a celiotomia permite melhor acesso a cavidade abdominal, consequentemente também ao útero e é muito usada quando uma histerectomia ou reparo uterino se faz necessário (MACPHERSON, 2011, p. 223; VASEY; RUSSEL, 2011, p. 2438). Vale ressaltar que, quando a termo e possível, o feto pode ser retirado através de cirurgia cesariana (LEBLANC, 2008, p. 709), o que não foi levado em consideração, uma vez que a égua não apresentava sinais clássicos de parto e o feto ainda estava em período de maturação e o cirurgião acredita que a colocação do animal em decúbito dorsal, possa mudar a ectopia da patologia.
Como no relato, a literatura mostra que a escolha de formas de tratamento leva em consideração fatores econômicos, instalações disponíveis, estágio de prenhes, duração do caso clínico e viabilidade fetal e uterina (VASEY; RUSSEL, 2011, p. 2438-2439). Laparotomia via flanco direito, foi a decisão terapêutica escolhida para o presente caso, uma vez que pela experiência do cirurgião, o animal em estação permite a permanência da ectopia do órgão e o antímero direito possibilitar o M.V Walnei Miguel Paccola, desviar do baço presente no antímero aposto ao acesso cirúrgico.
O prognóstico dos casos é variável de acordo com o grau de torção, tempo de duração da afecção, fase de gestação e comprometimentos placentários secundários a mesma (JACKSON, 2006, p. 110; CHANEY et al., 2007, p. 34.; MCKINNON; MCCUE, 2011, p. 2153), sendo considerado o intervalo entre o início desta síndrome e o diagnóstico definitivo, muito relacionado as chances de sobrevivência fetal (MARTENS et al., 2008, p. 402 e 403). Segundo Lofstedt (2011, p. 2442), um estudo com 6 éguas, mostrou que o tratamento cirúrgico se fez mais eficiente que a técnica de rolamento sobre plano anestésico, e está associado a uma alta taxa de sobrevivência de éguas e fetos, principalmente quando ocorre no início da gestação.
Ainda, um estudo retrospectivo mostra que a sobrevivência dos fetos se faz na média de 80% quando a torção uterina ocorre antes dos 10 meses de gestação, enquanto a sobrevivência da égua não se mostra com alterações significativas (CHANEY et al., 2007, p. 34). Outro estudo feito através da observação de prontuários clínicos de 189 éguas, diagnosticadas com torção uterina em 3 hospitais veterinários holandeses, concluiu que o prognóstico para égua e potro é favorável, quando a patologia acontece antes dos 320 dias de gestação, mas em ocorrências mais tardias, está associado a resultados menos positivos para o potro (SAINI et al., 2013, p. 34; SPOORMAKERS et al., 2016, p. 174). Tal fato corrobora com o presente relato, em que o feto não resistiu ao ambiente extrauterino.
Para Jackson (2006, p. 111) a avaliação fetal e placentária deve ser realizada por ultrassonografia transabdominal diariamente, durante a primeira semana após correção da torção uterina. Bucca (2011, p. 52) mostrou que a monitorização via ultrassonografia em gestações classificadas como de alto risco, permite a avaliação da frequência cardíaca fetal, mostrando assim se há ou não sofrimento intrauterino do mesmo. Ainda assim, em locais que não possuem aparelho ultrassonográfico, a identificação de movimento fetal através da palpação também pode ser realizada como forma de monitorização, uma vez que o mesmo é vigoroso durante a última metade da gestação (LOFSTED, 2011, p. 2442). Ainda para Satoh et al. (2017, p. 167), a avaliação quantitativa dos hormônios progesterona e estrógeno é viável para esses casos.
A monitorização da égua, relatada no presente trabalho, através do exame físico constantemente realizado durante a internação é justificada por Vaala (2011, p. 16), uma vez que a mesma afirmou que gestações que apresentaram torção uterina são candidatas à severa avaliação de risco. Isso corrobora com Perkins e Frazer (1994, p. 649) que indicam que o prognóstico vai de acordo com os distúrbios circulatórios, já Jackson (2006, p. 111) mostra que o prognóstico é reservado em casos que passaram por correção.
Conclusão
A torção uterina apresenta significativo risco de vida materna e fetal, mas pode ser diagnosticada por um médico veterinário experiente via palpação transretal. Fatores como tempo de atendimento, possibilidade de realização do procedimento em posição quadrupedal e protocolos pré, trans e pós-operatórios adequados foram essenciais para a manutenção da vida da égua, mas não evitaram o abortamento após uma semana da correção.
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Recebido em 24 de outubro de 2021
Retornado para ajustes em 6 de dezembro de 2021
Recebido com ajustes em 13 de dezembro de 2021
Aceito em 9 de janeiro de 2022