Avaliação de indicadores zootécnicos e econômicos de propriedades leiteiras no estado de Goiás

Revista Agrária Acadêmica

Agrarian Academic Journal

doi: 10.32406/v5n1/2022/178-189/agrariacad

 

Avaliação de indicadores zootécnicos e econômicos de propriedades leiteiras no estado de Goiás. Evaluation of zootechnical and economic indicators of dairy farms in state of Goiás.

 

Guilherme Brandão Gonçalves Bizinoto1, Cleonice Borges de Souza2, Celso Pereira Neris Junior3

 

1- Mestrando em Zootecnia – EVZ – Escola de Veterinária e Zootecnia, Universidade Federal de Goiás – UFG – Campus Samambaia – Goiânia/GO – Brasil. E-mail: guilhermebizinoto@discente.ufg.br
2- Doutora em Ciências Ambientais – EA – Escola de Agronomia, Universidade Federal de Goiás – UFG – Campus Samambaia – Goiânia/GO – Brasil.
3- Doutor em Economia – Departamento de Economia – Universidade Estadual Paulista – UNESP, Campus Ville – Araraquara/SP – Brasil.

 

Resumo

 

A pecuária leiteira é uma das mais importantes atividades econômicas e sociais do agronegócio brasileiro, porém os resultados da atividade primária de produção leiteira são pouco expressivos. Assim, este trabalho tem o objetivo de avaliar indicadores zootécnicos e econômicos de propriedades leiteiras em Goiás, e ressaltar sua relevância como ferramenta de gestão para produtores. Todas as propriedades tiveram MB e ML positiva, e, 83% lograram lucro. A taxa de lotação foi de 3,47 cab./ha. Conclui-se pela importância tanto do uso de indicadores zootécnicos e econômicos como ferramenta de gestão e de tomada de decisão, quanto da relevância da assistência técnica e gerencial aos produtores de leite.

Palavras-chave: Agronegócio. Gestão da pecuária de leite. Rentabilidade.

 

 

Abstract

 

Dairy farming is one of the most important economic and social activities of Brazilian agribusiness, allthough the results of the primary activity of dairy production are not very expressive. Thus, this paper aims to evaluate zootechnical and economic indicators of dairy farms in Goiás, and emphasize its relevance as a management tool for farmers. All properties had positive GM and NM, and 83% had profit. The stocking rate was 3.47 head/ha. In conclusion, the importance of use both, zootechnical and economic indicators as a management and decision-making tool, as well as the relevance of technical and managerial assistance to dairy farmes.

Keywords: Agribusiness. Management of dairy farming. Profitability.

 

 

Introdução

 

O Brasil é atualmente o maior exportador de carne bovina do mundo e figura sempre entre os maiores players em outras diversas cadeias produtivas do agronegócio. De acordo com os dados da Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO, 2020), na pecuária leiteira, o Brasil é o terceiro maior produtor leite, atrás dos Estados Unidos da América e da Índia.

No estado de Goiás, o cenário é semelhante. Goiás é um estado de perfil agropecuário, sendo um grande produtor de grãos, leite, carne bovina e de frango. Segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017), Goiás é o quarto maior produtor de leite do Brasil, com produção de 2,39 bilhões de litros de leite no ano de 2017. Apesar do cenário de destaque na produção goiana de leite, quando se analisa a atividade primária de produção leiteira os resultados são pouco expressivos.

Na questão de produtividade, tanto por área quanto por animal, as propriedades leiteiras no Estado estão aquém do seu potencial, gerando como consequência produtores com margens baixas, com renda insuficiente, que impossibilitam seu crescimento produtivo e melhora na qualidade de vida. A bovinocultura de leite é uma atividade bastante complexa, que necessita atenção em vários fatores de produção para um resultado satisfatório.

Lima Jr. (2005) descreve a complexidade da atividade leiteira como várias unidades de negócio relacionadas ao mesmo processo de produção, tais como (i) melhoramento genético; (ii) cria e recria; (iii) comercialização e produção de volumosos; (iv) manejo reprodutivo e sanitário; e, (v) mecanização. Estas atividades prescindem um gerenciamento complexo para um empresário do leite, pouco preparado.

Culturalmente, a atividade leiteira é repassada de pai para filho, de geração a geração, na qual o modelo de gestão e o sistema de produção permanecem os mesmos. A gestão da propriedade baseia-se na experiência adquirida ao longo da vida e com pouca noção básica de princípios de administração técnica e profissional. As inovações tecnológicas surgem constantemente, através das universidades, institutos de pesquisa e empresas do setor, os quais aprimoram o processo produtivo e entregam soluções para as empresas em geral, mas também para aquelas que ainda são caracterizadas pela gestão incipiente (EMBRAPA, 2016). Assim, técnicas para uma gestão eficiente da atividade produtiva, por meio da análise de indicadores de desempenho, têm se mostrado fundamentais para a melhoria da produtividade da atividade leiteira.

Segundo Ferraza et al. (2015), tanto profissionais da assistência técnica e extensão rural quanto gestores de empresas rurais devem considerar o uso de índices zootécnicos e econômicos como ferramenta de gestão, mas também para avaliar o desempenho técnico-econômico da atividade leiteira. Comparar os índices alcançados em sistemas de produção diferentes, embasa o gestor rural para elaborar o planejamento estratégico de suas atividades. Corroborando com essa premissa, Atzori et al. (2013) afirmam que, identificar a interação de indicadores técnicos e econômicos é fundamental para melhorar a rentabilidade   da empresa rural e gerar benchmarks que permitem uma avaliação da eficiência, a qual não se restringe apenas a critérios técnicos.

No entanto, o acesso do produtor de leite à informação, para a implementação das novas ferramentas e soluções disponíveis no mercado, ainda é tímido. Segundo levantamento realizado, em 2009, pela Federação de Agricultura e Pecuária de Goiás (FAEG), 82,80% dos produtores de leite goianos nunca haviam recebido nenhum tipo de assessoria técnica em sua propriedade (FAEG, 2009). Dez anos depois, a FAEG fez um novo estudo, em que constatou que 79% dos produtores de leite de Goiás ainda não recebiam assistência técnica especializada (FAEG, 2019).

Portanto, o objetivo deste trabalho foi avaliar os indicadores zootécnicos e econômicos em propriedades leiteiras que foram acompanhadas pela assistência técnica e gerencial do Senar Goiás, no município de Silvânia, Goiás. Mais especificamente, avaliar a efetividade desses indicadores como ferramentas de gestão de propriedades leiteiras, para o estabelecimento de metas, avaliação sistemática de resultados e a tomada de decisões mais assertivas.

 

Material e métodos

 

Este estudo se caracteriza como teórico-empírico, uma vez que utiliza conceitos teóricos, mas também realiza a análise da aplicação prática dos mesmos. E, quanto à natureza, essa pesquisa se caracteriza como multimétodos, uma vez que utiliza, tanto a abordagem qualitativa quanto quantitativa. A abordagem qualitativa auxilia na compreensão do objeto de estudo, com base em dados qualificáveis, da realidade de determinados fenômenos, e, em algumas situações, da percepção dos diversos atores sociais estudados (SILVA, 2014). Nesse caso, não há preocupações com a frequência com que eles se repetem no contexto do estudo. Os atores sociais envolvidos na pesquisa são levados a refletir sobre suas ações e as consequências dessas ações para a realidade na qual estão inseridos.

Por outro lado, a abordagem quantitativa caracteriza-se pelo emprego da quantificação, tanto nas coletas de dados e informações quanto no seu tratamento, ao utilizar técnicas estatísticas e medidas previamente estabelecidas, cujos resultados quantificáveis garantem o estabelecimento de conclusões objetivas (SILVA, 2014).

 

Metodologia de assistência técnica e gerencial

 

Para o desenvolvimento do trabalho foram utilizados os dados coletados das propriedades produtoras de leite, assistidas pelo Programa Senar MAIS, no município de Silvânia – GO, de janeiro de 2017 a dezembro de 2018. Essas propriedades foram assistidas por meio da metodologia de assistência técnica e gerencial (ATeG) do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar Goiás).  A metodologia de ATeG consiste em visitas mensais do técnico de campo às propriedades assistidas durante 24 meses, por meio de cinco etapas: (i) Diagnóstico Produtivo Individualizado; (ii) Planejamento Estratégico; (iii) Adequação Tecnológica; (iv) Formação Profissional Complementar e; (iv) Análise Sistemática dos Resultados, conforme Figura 1.

 

Figura 1- Fluxograma das etapas da metodologia de assistência técnica e gerencial ATeG do Senar. Fonte: SENAR (2014)

 

De acordo com a metodologia, cada produtor recebe um caderno de campo, para registrar todos os dados produtivos e financeiros da atividade leiteira, relativos ao mês anterior à visita. Nas visitas mensais, o técnico de campo compila todos os dados registrados no caderno, bem como as demais ferramentas utilizadas pelo produtor, como planilhas, folhas de pagamento de leite, notas fiscais de insumos adquiridos e, os insere no sistema de monitoramento da ATeG (SISATeG). Além dos dados, o técnico registra no sistema e no caderno de campo do produtor, as recomendações das implementações tecnológicas necessárias ao alcance do resultado esperado. Portanto, a fonte de dados do trabalho foi o SISATeG, “software” oficial da ATeG, ilustrado na Figura 2.

 

Figura 2- Visão inicial do software SISATeG do Senar. Fonte: Acesso pessoal

 

Esse trabalho trás, especificamente, a evolução dos indicadores zootécnicos e econômicos das propriedades assistidas no ano de 2018 período correspondente ao segundo ano de acompanhamento dessas propriedades, visto que eram dados mais completos e acurados com relação aos dados de 2017, período inicial da ATeG, em que os produtores assistidos estavam assimilando e conhecendo a metodologia, aprendendo gradativamente com as visitas técnicas mensais, a importância da coleta dos dados produtivos e econômicos. Estes indicadores foram comparados com os de outros produtores de leite do estado e do Brasil, levantados em outros estudos e pesquisas, apresentados nos resultados e discussões. Ressalta-se que os dados, lançados e monitorados pelo técnico de campo, foram validados pelo supervisor técnico de ATeG.

A metodologia de assistência técnica e gerencial do Senar, para a bovinocultura de leite, conta com mais de cinquenta indicadores zootécnicos e econômicos, os quais abrangem todos os aspectos intrínsecos a atividade. Contudo, neste trabalho, foram utilizados quinze desses indicadores, considerados de maior relevância para uma discussão mais aprofundada a respeito da gestão da atividade.

 

Indicadores zootécnicos e econômicos

 

O programa de ATeG segue uma metodologia padrão de levantamento de dados técnicos, econômicos e produtivos, os quais subsidiam a geração dos indicadores zootécnicos e econômicos. Em relação ao cálculo de custo de produção, utilizou-se a metodologia proposta pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA), para a qual os custos de produção dividem-se em: custo operacional efetivo (COE), custo operacional total (COT) e custo total (CT) (MATSUNAGA et al., 1976). Bem como, segue as definições e as especificações dos indicadores zootécnicos e econômicos utilizados nesse trabalho, com base em SENAR (2014), conforme Quadro 1.

 

Quadro 1 – Definição dos indicadores zootécnicos e econômicos analisados.
Indicadores Zootécnicos e Econômicos
Definição
Produção anual de leite (litros ano-1)
Produção de leite ao longo de 12 meses: o que foi comercializado, consumido pela mão de obra, aleitamento de bezerros e leite de descarte.
Produção média de leite (litros dia-1)
Produção anual de leite dividido por 365 dias do ano.
Produção/área para pecuária (litros ha-1 ano-1)
A produção anual total de leite dividida pela área total utilizada para pecuária de leite.
Total de vacas em lactação/total do rebanho (%)
O número total de vacas em lactação dividido pelo número total de animais da propriedade, engloba todas as categorias de animais dentro da propriedade, incluindo machos e animais de serviço.
Preço médio do leite (R$ ano-1)
Preço médio recebido pelo litro do leite ao longo do ano, ponderado pelo volume produzido mensalmente.
Renda bruta anual da atividade leiteira (R$ ano-1) (RB)
Renda obtida com a venda de leite e lacticínios, animais e demais produtos oriundos da atividade. A variação do inventário animal é utilizada quando necessária, para corrigir distorções no custo.
Custo operacional efetivo da atividade leiteira (R$ ano-1) (COE)
Total dos desembolsos diretos ao longo do ano para produção de leite, envolve os desembolsos com mão de obra, insumos em geral, impostos e taxas, manutenção de máquinas e benfeitorias etc.
Custo operacional total da atividade (R$ ano-1) (COT)
Total dos desembolsos diretos para produção de leite, somado às despesas com a mão de obra familiar e às depreciações[1] dos bens utilizados na atividade, ao longo do ano.
Custo total da atividade (R$ ano-1) (CT)
Custo operacional total da atividade, somado aos juros sobre o capital investido na atividade leiteira, ao longo do ano. Utilizou-se a taxa de juros de 6% a.a., como padrão metodológico.
Margem bruta anual da atividade leiteira (R$ ano-1) (MB)
Renda bruta do leite descontado o custo operacional efetivo da atividade (MB = RB – COE).
Margem bruta unitária da atividade leiteira (R$ litro-1)
Margem bruta da atividade dividida pela produção anual de leite.
Margem líquida da atividade leiteira (R$ ano-1) (ML)
Renda bruta da atividade descontado o custo operacional total da atividade (ML = RB -COT).
Margem líquida unitária (R$ litro-1)
Margem líquida da atividade dividida pela produção anual total de leite.
Lucro total da atividade leiteira (R$ ano-1) (LT)
Renda bruta da atividade descontado o custo total da atividade (LT = RB – CT).
Lucro unitário da atividade leiteira (R$ litro-1) (LU)
Lucro total da atividade dividido pela produção anual total de leite.
Fonte: Elaborado pelos autores, adaptado de SENAR (2014)

 

[1] Depreciação: reserva monetária que a empresa deve realizar para reposição de máquinas, equipamentos, benfeitorias etc., ao final de sua via útil, para manter o mesmo nível técnico com o passar do tempo. Na metodologia do Senar, a depreciação é calculada pelo método linear, com valor residual do ativo igual a zero.

 

Caracterização das propriedades

 

Foram analisadas seis propriedades, de um total de trinta que faziam parte do grupo de produtores assistidos no município de Silvânia, o que corresponde a 20% das propriedades assistidas. Estas propriedades foram escolhidas devido ao fato de terem sido as que permaneceram no grupo do início ao fim do projeto, de janeiro de 2017 a dezembro de 2018, o que permitiu uma análise mais fidedigna dos indicadores. Além disso, são pequenas propriedades, em tamanho de área e todos utilizam o mesmo sistema de produção a pasto com suplementação e possuem níveis tecnológicos similares. Essas propriedades estão distribuídas no município de Silvânia conforme a Figura 3. As propriedades estão caracterizadas no trabalho, numericamente, como Fazenda 1, Fazenda 2, Fazenda 3, Fazenda 4, Fazenda 5 e Fazenda 6 para facilitar a identificação e manter o sigilo das informações dos produtores.

 

Figura 3- Distribuição das propriedades analisadas no município de Silvânia – GO. Fonte: Elaborado pelos autores

 

Resultados e discussão

 

Na tabela 1, tem-se o resumo das informações básicas das seis propriedades estudadas, como área total, total de vacas e tamanho do rebanho.

 

Tabela 1- Estatística descritiva das propriedades analisadas
Indicador
Unidade
Média
Desvio padrão
Mínimo
Máximo
Mediana
Área
ha
16,07
4,76
10,10
21,06
15,87
Total de Vacas
cab/mês
35,67
14,07
18,00
60,00
18,00
Total do Rebanho
cab/mês
55,83
17,09
36,00
85,00
53,00
Fonte: dados da pesquisa

 

Com base nos dados apresentados na Tabela 1, notou-se claramente que a atividade leiteira é desenvolvida em pequenas áreas, onde a média da área foi de 16,07±4,76 hectares. Com relação ao tamanho do rebanho, o resultado da média do total de rebanho foi de 55,83±17,09 cabeças.

A relação entre o número médio de cabeças pela área média das propriedades resultou numa taxa de lotação média, no ano de 2018, de 3,47 cabeças/ha. Resulta daí a importância do fomento à expansão das atividades de assistência técnica e gerencial às propriedades em geral, mas especificamente às produtoras de leite. Esse resultado é largamente superior à média brasileira, uma vez que, segundo dados do Censo Agropecuário (IBGE, 2017), a taxa de lotação média do país é de 0,92. 

 

Indicadores zootécnicos

 

Os indicadores zootécnicos que foram avaliados nas propriedades foram sintetizados e estão apresentados na Tabela 2.

 

Tabela 2- Estatística descritiva dos indicadores zootécnicos
Indicador
Unidade
Média
Desvio padrão
Mínimo
Máximo
Mediana
Produção anual de leite
L
50.161,25
81.150,40
50.574,00
291.124,00
142.302,50
Produção média de leite
L dia-1
 411,40
 222,33
 138,56
 797,60
 389,87
Produção por área
L ha-1 ano-1
 9.556,36
 4.581,51
 3.957,28
 15.343,76
 9.632,16
Total de vacas em lactação pelo total do rebanho
%
 49,22
 7,60
 36,11
 58,82
 50,05
Fonte: dados da pesquisa

 

A produção média total anual, em litros, durante o período do estudo, foi de 150.161,25±81.150,40, com uma produção média/dia de 411,40±222,33 litros. O resultado do indicador de produção por área, indicador mais importante de produtividade e uso eficiente da terra, o ativo de maior peso na composição do capital investido na atividade, foi de 9.556,36±4.581,51 (L ha-1 ano-1).

A análise realizada por Nascif (2008), em 318 propriedades leiteiras situadas em quatro mesorregiões de Minas Gerais, mostrou que um dos indicadores que tiveram maior correlação com o resultado econômico foi o de produção por área. Lucchi (2015), em seu estudo em propriedades de várias regiões de Minas Gerais, encontrou o resultado de 7.057,00±5.573,20 (L ha-1 ano-1). Pereira et al. (2016) avaliaram indicadores de desempenho de 159 fazendas de leite em duas regiões de Minas Gerais, encontrou uma produtividade por área de 3.333±2.720 (L ha-1 ano-1).

Este resultado demonstra que, apesar da pequena variação de tamanho e de possuírem níveis tecnológicos similares, a diferença na produtividade por área, das seis propriedades, se mostrou bastante expressiva em relação aos estudos realizados por outros pesquisadores. Essa diferença pode ser explicada, principalmente, pela estruturação do rebanho, além de indicadores zootécnicos como dias em lactação (DEL) e intervalo entre partos (IEP). A fazenda 2, com 58,82% de vacas em lactação, foi a que apresentou a maior porcentagem no rebanho, em relação às demais fazendas. Já a fazenda 5 apresentou 36,11%, que foi a menor porcentagem. Na média, as propriedades analisadas apresentaram 49,22% neste indicador, algo bem próximo do recomendado por Camilo Neto (2008) que é estar próximo de 60%, vez que o valor mínimo de referência é 40%. Os dois estudos realizados pela FAEG (2009; 2019) encontraram uma porcentagem de 27,00% de vacas em lactação no rebanho, demostrando que esse quesito era um problema na maioria das propriedades leiteiras em Goiás, já que apresentaram o mesmo resultado em estudos com uma década de diferença. Assim, apesar das diferenças encontradas nos resultados da pesquisa, todas as seis propriedades analisadas apresentaram resultados superiores à média para o estado de Goiás.

 

Indicadores econômicos

 

A Tabela 3 apresenta a análise estatística dos indicadores econômicos das propriedades em análise.

 

Tabela 3­– Estatística descritiva dos indicadores econômicos
Indicador
Unidade
Média
Desvio padrão
Mínimo
Máximo
Mediana
Preço médio do leite
(R$ ano-1)
 1,30
 0,10
 1,16
 1,45
 1,31
Renda bruta anual da atividade leiteira
(R$ ano-1)
213.201,23
123.773,33
70.300,41
426.406,14
 197.822,86
Custo operacional efetivo da atividade leiteira
(R$ ano-1)
144.692,83
 97.881,55
47.655,83
326.527,69
 130.393,99
Custo operacional total da atividade
(R$ ano-1)
174.939,38
 97.495,32
69.425,10
356.204,65
 159.558,78
Custo total da atividade
(R$ ano-1)
187.090,02
101.166,68
75.921,02
374.590,05
 171.050,13
Margem bruta anual da atividade leiteira
(R$ ano-1)
 68.508,40
 31.301,96
22.644,58
102.694,64
 67.600,85
Margem bruta unitária
(R$ litro1)
 0,47
 0,11
 0,34
 0,66
 0,46
Margem líquida da atividade leiteira
(R$ ano-1)
 38.261,85
 32.732,02
 875,31
 70.201,49
 38.264,09
Margem líquida unitária
(R$ litro1)
 0,22
 0,17
 0,02
 0,45
 0,18
Lucro total da atividade leiteira
(R$ ano-1)
 26.111,21
 29.528,58
-5.620,61
 56.846,90
 26.772,73
Lucro unitário da atividade leiteira
(R$ litro1)
 0,13
 0,18
-0,11
 0,37
 0,11
Fonte: dados da pesquisa

 

O preço médio pago aos produtores analisados, no ano de 2018, foi de R$1,30±0,10 demonstrando uma grande variação de preço, até para um mesmo município com propriedades relativamente próximas. A precificação do leite no Brasil é bastante diversificada e complexa, tendo como os principais aspectos envolvidos o volume produzido e a qualidade do leite. Uma possível explicação para a variação do preço nesse estudo é a diferença de produção média diária entre os produtores. Por exemplo, a fazenda 2 e a fazenda 5 apresentaram uma diferença de produção média diária de seiscentos e cinquenta e nove litros.

A renda bruta anual da atividade leiteira foi de R$ 213.201,23±123.773,33. Esse indicador demonstra a potencialidade econômica e social da produção de leite intensificada com o aumento de escala de produção, comparada com a produção de leite tradicional, de baixa produtividade. Conforme visto na Tabela 1, a área média dessas propriedades é de 16,07±4,76, caracterizando-as como pequenas em tamanho. Contudo, cabe ressaltar que todas obtiveram resultados econômicos satisfatórios, a partir do programa de ATeG e, que serão discutidos na sequência.

O COE médio apresentou uma relação de 67,87% da renda bruta total da atividade, sendo que a referência para esse indicador é estar abaixo dos 70%, o que gerou uma margem bruta positiva de 32,13%. Santos et al. (2014) analisaram fazendas leiteiras de alta produção no estado de Minas Gerais e encontrou a relação COE sobre preço do leite de 116,49%, demonstrando a inviabilidade econômica no curto prazo dessas fazendas no período analisado, visto que as receitas não foram suficientes para cobrir ao menos os custos necessários ao desenvolvimento das operações produtivas. A margem bruta unitária foi de R$0,47±0,11, valor menor do que encontrado por Pelegrini et al. (2019), que foi de R$ 0,54±0,22. Dessa forma, a amplitude da margem bruta indica a eficiência alocativa dos insumos.

Para Farrell (1957), as medidas de eficiência podem se dar de duas formas: técnica e alocativa. A primeira reflete a capacidade de obter o máximo de produção para uma quantidade de insumos fornecida. Já a eficiência alocativa é a utilização de insumos em proporções adequadas, considerando o seu preço. Ou seja, a eficiência alocativa é alcançada quando um ou mais processos produtivos são combinados produzindo a mesma quantidade a um menor custo. Em resumo, significa dizer que, toda implementação de tecnologia deve ser analisada sob a ótica do retorno econômico e não somente a partir da busca máxima de eficiência técnica.

Todas as propriedades analisadas apresentaram margem bruta positiva. A análise da margem bruta é elementar para qualquer negócio, vez que cobre somente o COE. Sendo assim, o negócio é atrativo economicamente somente no curto prazo. Negócios com margem bruta negativa estão trabalhando no prejuízo, visto que os desembolsos estão sendo maiores que as receitas.

O COT médio apresentou uma relação de 82,06% da renda bruta da atividade, gerando uma margem líquida positiva de 17,94%. Lopes et al. (2008) encontraram uma relação do COT sobre preço do leite de 90%. A diferença entre COT e COE, retornou o resultado de 14,19%, que é o impacto das depreciações e da mão de obra familiar na renda bruta da atividade. Estes fatores, em geral, são negligenciados ou não calculados por não representarem desembolso direto, porém são extremamente relevantes. Eles revelam o custo de oportunidade da mão de obra familiar, e demonstram a quantidade de reserva de capital que o produtor deve planejar, para se manter no mesmo nível tecnológico no decorrer dos anos, visto o fim da vida útil ou inovações que possam surgir para os bens utilizados na produção de leite.

A margem líquida unitária foi de R$0,22±0,17, valor maior que o encontrado por Pelegrini et al. (2019), que foi de R$0,12±0,34. Esse resultado evidencia, monetariamente, o impacto das depreciações e da mão de obra familiar nos resultados econômicos da atividade leiteira, ratificando a importância de suas mensurações e análises. Margem líquida positiva demonstra que o negócio está cobrindo todos os seus custos variáveis e parte de seus custos fixos, bem como evidencia a capacidade de se manter na atividade tanto no curto quanto no médio prazo.

O CT médio apresentou uma relação de 87,75% da renda bruta da atividade e gerou um lucro positivo de 12,25%. O lucro total médio foi de R$26.111,21±29.528,58 e o lucro unitário foi de R$0,13±0,18. O lucro é uma forma de mensurar a atratividade do negócio em questão, ao mesmo tempo que permite compará-lo com demais atividades econômicas, do agronegócio ou não, visto que o lucro é a sobra real, descontados os custos totais da atividade, inclusive o custo de oportunidade do capital.

Na metodologia de cálculo de custo de produção do Senar, a taxa aplicada ao capital investido na atividade é de 6% ao ano. Lucro positivo deve ser o objetivo de qualquer negócio, e somente ele sinaliza sua atratividade a longo prazo. A Figura 4 consolida a composição dos custos das propriedades analisadas, divididos em custo operacional efetivo, custo operacional total e custo total.

 

Figura 4- Estratificação dos custos da atividade leiteira. Fonte: elaborado pelos autores

 

Os custos no período analisado caracterizam o impacto individual na renda bruta da atividade leiteira. Gráficos como esse (Figura 4) são importantes para que os produtores de leite e técnicos de campo identifiquem quais fatores impactam de forma mais expressiva nos custos, dentro da composição de cada um, bem como auxiliar no planejamento da atividade a partir dos indicadores levantados. Uma série histórica desse gráfico demonstrará a evolução ou não dos indicadores, servindo como ferramenta nas tomadas de decisão do negócio. Daí a relevância do processo de gestão econômica e financeira com controles que expressem, de fato, a realidade da propriedade rural.

A Figura 5 consolida a composição das margens e do lucro das propriedades analisadas, divididos em margem bruta, margem líquida e lucro.

 

Figura 5- Estratificação das margens e do lucro da atividade leiteira. Fonte: elaborado pelos autores

 

Ressalta-se novamente que, o principal objetivo de qualquer atividade econômica, seja do agronegócio ou não, é auferir lucro. E, apresentar os resultados analíticos de forma gráfica é importante para que os produtores de leite visualizem o status do seu negócio, além de poder compará-lo com outras atividades. Uma série histórica desse gráfico demonstrará ao empresário se sua atividade se desenvolve de forma positiva, se está em equilíbrio ou mesmo, se apresenta déficits em suas margens com o passar dos anos. Destarte, é possível tomar ‘as rédeas’ do negócio antes que o nível de fragilidade econômica e financeira o empurre para fora da atividade.

 

Conclusão

 

É notória a importância da avaliação de indicadores zootécnicos e econômicos, bem como suas utilizações como ferramenta de gestão nas empresas rurais. Além disso, ficou evidente a necessidade de assistência técnica e gerencial aos produtores de leite, auxiliando-os nas tomadas de decisões assertivas. Vale ressaltar que, devido à complexidade da pecuária de leite, a diversidade de sistemas de produção existentes e às diferentes características de cada região do estado de Goiás e do país, esse tema necessita de pesquisas contínuas, já que os dados desse trabalho se restringiram a uma pequena amostra e região.

 

Conflitos de interesse

 

Não houve conflito de interesses dos autores.

 

Contribuição dos autores

 

Guilherme Brandão Gonçalves Bizinoto – ideia original, leitura e interpretação das obras e escrita; Cleonice Borges de Souza – orientação, escrita, correções e revisão do texto; Celso Pereira Neris Junior – orientação.

 

Referências bibliográficas

 

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Recebido em 21 de janeiro de 2022

Retornado para ajustes em 29 de março de 2022

Recebido com ajustes em 5 de abril de 2022

Aceito em 26 de abril de 2022