Revista Agrária Acadêmica
doi: 10.32406/v5n5/2022/96-106/agrariacad
Flap conjuntival pediculado como tratamento cirúrgico de descemetocele bilateral em um cão da raça Shih Tzu – relato de caso. Pedicled conjunctival flap as surgical treatment of bilateral descemetocele in a Shih Tzu dog – case report.
Fernanda Zago Solcia1, Alini Osowski2, José Ivaldo de Siqueira Silva Júnior2, Elaine Pereira de Santana
3, Ivone dos Santos Costa3, Vanubia Moizes Tavares3, Victor Gabriel Farias Gonçalves
3, Rute Witter Franco
4, Juliana Sousa Terada Nascimento
4, Tâmara Mayara de Souza Santos4, Jomel Francisco dos Santos
4*, Luiz Donizete Campeiro Junior
4
1- Médica Veterinária. Centro Universitário São Lucas. Curso de Medicina Veterinária – JI-PARANÁ/RONDÔNIA – BRASIL.
2- Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Animal – BOTUCATU/SÃO PAULO – BRASIL.
3- Discente do Curso de Medicina Veterinária, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia – IFRO – JARU/RONDÔNIA – BRASIL.
4- Docente do Curso de Medicina Veterinária, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia – IFRO – JARU/RONDÔNIA – BRASIL.
*Autor para correspondência: E-mail: jomel.santos@ifro.edu.br
Resumo
A úlcera de córnea é considerada uma emergência, que pode levar a perda da visão quando não tratada. Dentre as técnicas cirúrgicas de eleição, o flap conjuntival pediculado é um procedimento que proporciona aporte mecânico e vascular da conjuntiva para a lesão corneana. O objetivo deste estudo é relatar um caso de descemetocele bilateral em um cão fêmea com nove meses de idade, da raça Shih Tzu, atendido do Hospital Veterinário São Lucas de Ji-Paraná. Inicialmente o tratamento instituído foi a terapia medicamentosa sistêmica e tópica, após 72 horas realizou-se a cirurgia em ambos os olhos e tarsorrafia temporária somente no olho direito, posteriormente seguindo todo processo de cicatrização.
Palavras-chave: Retalho. Recobrimento. Conjuntiva. Córnea.
Abstract
Corneal ulcer is considered an emergency, which can lead to loss of vision if left untreated. Among the surgical techniques of choice, the pedicled conjunctival flap is a procedure that provides mechanical and vascular supply of the conjunctiva to the corneal lesion. The aim of this study is to report a case of bilateral descemetocele in a nine-month-old female dog, Shih Tzu, treated at São Lucas Veterinary Hospital of Ji-Paraná. Initially, the treatment was systemic and topical drug therapy, after 72 hours, surgery was performed in both eyes and temporary tarsorrhaphy only in the right eye, later following the entire healing process.
Keywords: Retail. Coating. Conjunctiva. Cornea.
Introdução
A túnica fibrosa é composta pela esclera e a córnea, sendo o revestimento externo do olho. Esta camada é constituída por tecido colagenoso denso responsável pela conformação e a resistência. Histologicamente são organizadas em quatro camadas, sendo o epitélio, estroma, membrana de descemet e endotélio (ALVES; MOREIRA, 2019, p. 24-25). A córnea compõe a parte transparente da túnica fibrosa, que se pronuncia para fora, devido essa leve protrusão os cães braquicefálicos tornam-se mais sujeitos a vários traumas (LIEBICH; SÓTONYI; KÖNIG, 2021, p. 597-598).
Frequentemente as úlceras de córnea representam um problema na clínica de animais de companhia (GELATT; BROOKS, 2011, p. 193-210), requerendo um atendimento imediato devido a sua gravidade, pois pode levar a perda da visão (SLATTER, 2013, p. 178). As causas são diversas, podendo ocorrer por traumas, deficiência de produção da parte aquosa da lágrima, estresse, inflamações, infecções, doenças metabólicas, distúrbios nutricionais e fatores raciais (KOVACS et al., 2015, p. 4).
O diagnóstico envolve três passos básicos, como a anamnese, inspeção e o exame clínico detalhado do paciente (SLATTER, 2013, p. 194). O principal exame oftalmológico é o teste com colírio de fluoresceína, corando de verde o local onde está localizada a ulceração, deste modo avaliando a profundidade da úlcera (GONÇALVES, 2013, p. 52). O tratamento é realizado de acordo com as características e profundidades da úlcera, podendo ser indicada terapia medicamentosa e/ou cirúrgica. Seu prognóstico é variável conforme a sua severidade (BELKNAP, 2015, p. 74-80).
A ceratite ulcerativa é considerada uma afecção gravíssima, necessitando de intervenção imediata, pois pode acarretar a perda da visão (SILVA et al., 2015, p. 1297). É possível utilizar inúmeros tratamentos para reparação das úlceras de córneas, a seleção da conduta varia de acordo com a seriedade da lesão. Em úlceras mais profundas e as descemetoceles é fundamental juntamente com a terapia clínica realizar tratamento cirúrgico (ALBUQUERQUE, 2011, p. 9). E também podemos utilizar procedimentos protetores como a tarsorrafia temporária e o recobrimento com a terceira pálpebra, porém não proporcionam suprimento sanguíneo, interferindo no tratamento e na avaliação pós-operatória (KERN, 2013, p. 1-5).
O presente trabalho tem como objetivo relatar a técnica cirúrgica de flap conjuntival pediculado, associada e não associada a tarsorrafia temporária em um cão com descemetocele bilateral, atendido no Hospital Veterinário São Lucas de Ji-Paraná/RO, comparando a cicatrização da córnea das técnicas utilizadas.
Material e métodos
No dia 1 de julho de 2019 deu entrada no setor de clínica médica do Hospital Veterinário São Lucas de Ji-Paraná/RO, um cão da raça Shih Tzu, fêmea, com 9 meses de idade, pesando 4,2 kg. O proprietário se queixou que após ter levado o animal ao petshop, no dia seguinte observou sinais de irritação e lacrimejamento em ambos os olhos, e após três dias começou a ficar azulado.
A paciente foi submetida a exame físico geral, em que os parâmetros estavam dentro dos padrões fisiológicos da espécie. No exame específico oftalmológico, foi observado no olho direito úlcera de córnea profunda em região médio ventral do globo ocular, com presença de edema corneal, hiperemia conjuntival e epífora (Figura 1 A). Já no esquerdo apresentou-se com úlcera de córnea profunda em região central do globo ocular atingindo a camada de descemet com presença de bordas espessas e bem delimitadas, edema corneal intenso, hipópio, hiperemia conjuntival, epífora e opacidade da córnea (Figura 1 B). Foi realizado o teste com o colírio de fluoresceína constatando descemetocele bilateral (Figura 1 C e 1 D).
Figura 1 – A: olho direito; B: Olho esquerdo; C e D: Úlcera corada com colírio de fluoresceína confirmando descemetocele bilateral. Fonte: Arquivo pessoal (2019).
Procedeu-se a coleta de sangue total para realização de hemograma completo, em que no eritrograma e contagem de plaquetas os valores se encontraram dentro dos padrões de referência, e no leucograma observou leve aumento de neutrófilos segmentados. E o bioquímico sérico (creatinina, ureia, fosfatase alcalina – FA, alanina aminotransferase – ALT, proteína total e albumina), os quais se apresentaram sem alterações significativas. Bem como a realização do teste de erliquiose (SensPERT™ E. canis Ab Test Kit), sendo o resultado negativo.
Deste modo a paciente permaneceu hospitalizada e imediatamente iniciou a terapia tópica com colírio a base de atropina (Atropina 1%®) e colírio a base de diclofenaco sódico (Still®) uma gota em ambos os olhos a cada doze horas; colírio a base de sulfato de tobramicina (Tobrex®) uma gota em ambos os olhos a cada seis horas e pomada a base de cloranfenicol e vitamina A (Regencel®) aplicando uma camada fina sobre a borda palpebral em ambos os olhos a cada vinte e quatro horas, obedecendo um intervalo de 15 a 30 minutos, com intuito de regredir a carga bacteriana ocular. E terapia sistêmica com cefalotina (25 mg/kg), meloxicam (0,2 mg/kg passando para 0,1 mg/kg após segundo dia), tramadol (3 mg/kg), dipirona sódica (25 mg/kg) pela via endovenosa e ranitidina (1 mg/kg) pela via subcutânea.
O procedimento cirúrgico foi realizado após 3 dias, com a paciente em jejum alimentar de 12 horas e hídrico de 6 horas. Como protocolo pré-anestésico foi utilizado tramadol (3 mg/kg) por via intramuscular, sendo encaminhado para o bloco cirúrgico. Realizou-se então a indução com midazolam (0,2 mg/kg) e propofol (3 mg/kg) por via endovenosa, intubado com tubo endotraqueal número 3,5 cuff e mantido com anestesia inalatória em sistema semi-fechado, com Isoflurano e oxigênio 100%.
O animal foi posicionado em decúbito esternal elevando a cabeça com auxílio de uma almofada, seguido de tricotomia da região periocular, antissepsia prévia com clorexidine 2% diluído em solução fisiologia Cloreto de Sódio 0,9% e na antissepsia definitiva fez o uso de solução fisiologia com auxílio de gazes.
Deu início ao recobrimento pediculado fazendo levemente um corte com bisturi e com auxílio de uma tesoura dissecando a conjuntiva bulbar contornando a margem do limbo da região dorsal do globo ocular (Figura 2 B e 2 C e Figura 3 B e 3 C). Fez-se a curetagem da lesão corneana (Figura 2 D e Figura 3 D) e o pedículo foi posicionado sobre a área ulcerada realizando uma sutura em padrão simples interrompido com fio de nylon monofilamentar nº 5-0 (Figura 2 E 2 F e Figura 3 E) em ambos os olhos. Prosseguiu com a tarsorrafia somente no olho direito, utilizando o fio nylon monofilamentar nº 3-0 e quatro captons, elaborando uma sutura em padrão simples interrompido para aproximação das pálpebras superiores e inferiores (Figura 3 F).
Figura 2 – Procedimento cirúrgico com Flap conjuntival e a tarsorrafia temporária em olho direito. A: Olho antes do procedimento; B: Corte na margem do limbo e divulsão da conjuntiva; C: Conjuntiva dissecada; D: Curetagem da lesão corneana; E: Posicionamento do Flap conjuntival sobre a lesão; F: Sutura simples interrompida. Fonte: Arquivo pessoal (2019).
Figura 3 – Procedimento cirúrgico com Flap conjuntival em olho esquerdo.A: Olho antes do procedimento; B: Corte na margem do limbo e divulsão da conjuntiva; C: Conjuntiva dissecada; D: Curetagem da lesão corneana; E: Posicionamento do Flap conjuntival sobre a lesão e sutura simples interrompida; F: Tarsorrafia. Fonte: Arquivo pessoal (2019).
Deu-se continuidade com as medicações no pós-operatório e a paciente teve alta no dia seguinte. Para casa foram prescritos medicações orais como cefalexina (20 mg/kg) a cada 12 horas, por dez dias, meloxicam (0,1mg/kg) a cada 24 horas, por cinco dias, dipirona sódica (25 mg/kg) a cada 12 horas, por três dias, e ranitidina (1 mg/kg) a cada 12 horas, por cinco dias. Para uso tópico ocular, soluções oftálmicas como colírio a base de sulfato de tobramicina (Tobrex®) uma gota a cada oito horas e diclofenaco sódico 0,1% (Still®) uma gota a cada oito horas em ambos os olhos; e pomada a base de Vitamina A e Cloranfenicol (Regencel®) aplicando uma camada fina sobre a borda palpebral a cada vinte e quatro horas no olho esquerdo. Devendo obedecer a intervalos de 20 a 30 minutos entre os colírios e recomendado o uso do colar elisabetano em tempo integral.
No dia 15 de julho a paciente retornou para a primeira avaliação após a cirurgia (Figura 4). Permanecendo internada no HV para o acompanhamento e após 07 dias foi realizado a retirada dos pontos da tarsorrafia do olho direito (Figura 5).
Figura 4 – Olho esquerdo após 10 dias do procedimento cirúrgico. Fonte: Arquivo pessoal (2019).
Figura 5 – Retirada dos pontos da tarsorrafia do olho direito. Fonte: Arquivo pessoal (2019).
No dia seguinte realizou o procedimento de secção do pedículo. Foi realizado acesso venoso e fluidoterapia com solução fisiológica NaCl 0,9% com equipo microgotas, a paciente foi submetida a medicação pré-anestésica utilizando tramadol (3 mg/kg) intramuscular e para indução midazolan (0,2 mg/kg) e propofol (3 mg/kg) intravenoso, bem como uso do isofluorano para manutenção. Retirou-se os pontos do flap conjuntival e o pedículo foi seccionado utilizando uma tesoura (Figura 6). A terapia medicamentosa realizada foi a mesma descrita anteriormente. A alta foi dia seguinte e foi prescrito somente o uso do colírio sulfato de tobramicina (Tobrex®) uma gota a cada doze horas e um lubrificante (Systane®) uma gota a cada oito horas, em ambos os olhos até o retorno.
Figura 6 – Secção do pedículo. A: Olho direito; B: Olho esquerdo. Fonte: Arquivo pessoal (2019).
Os retornos para reavaliação ocorrem com 10 dias (Figura 7 A e 7 B), 25 dias (Figura 7 C e 7 D) e o último com 92 dias (Figura 7 E 7 F) após a secção do pedículo.
Figura 7 – Acompanhamento do pós-operatório da cicatrização da córnea após a secção do pedículo. A/C/E: Olho direito; B/D/F: Olho esquerdo. Fonte: Arquivo pessoal (2019).
Resultados e discussão
Segundo Kobashigawa (2014, p. 14) as enfermidades oftálmicas acometem frequentemente os cães braquicefálicos, principalmente os da raça Shih Tzu, pois tendem a ter uma maior exposição do bulbo ocular. Pois de acordo com Packer et al. (2015, p. 1), o aumento de 10% na largura da fissura palpebral associado com a exposição da esclera em braquicefálicos podem triplicar o risco de úlcera de córnea. Geralmente a perda da visão nesses animais é devido a lesões que acometem a córnea, e a causa inclui diversos tipos de lesões traumáticas, alterações palpebrais, substâncias químicas, defeito na produção de lágrima e infecções causadas por vírus, fungos e bactérias (SANTOS, 2020, p. 6; KERN, 2013, p. 1-5). O animal do presente relato era da raça Shih Tzu e acredita-se que sua lesão na córnea foi de origem traumática.
O diagnóstico foi dado considerando-se o histórico, a anamnese e o exame específico, onde as alterações clínicas oftálmicas indicaram prontamente que se tratava de uma descemetocele bilateral, que de acordo com Abreu et al. (2017, p. 2), é uma lesão que atinge a membrana de descemet decorrente de ulcerações muito profundas, onde as camadas corneanas como o epitélio, a membrana basal e o estroma são expostas.
O principal método para o diagnóstico definitivo foi com o colírio de fluoresceína sódica a 2%, que de acordo com Afonso (2017, p. 50-51) é o principal método de diagnóstico na detecção de lesões de córnea, com base no teste realizado foi confirmado descemetocele bilateral, que é classificada como úlcera profunda e complicada (MAZZAROLO, 2017, p. 32-33). Deste modo a lesão quando é corada apresenta retenção do corante nas paredes devido a presença do estroma e não cora o centro pois a camada de descemet não retém a fluoresceína (KERN, 2013, p. 1-5).
Mazzarolo (2017, p. 32-33) afirma que a intervenção cirúrgica é o tratamento mais indicado como tentativa de manter o globo ocular viável, fornecendo proteção mecânica e suporte vascular para cicatrização da lesão corneana. Para o tratamento do paciente deste relato, foi realizado o retalho pediculado conjuntival bilateral, a qual recobriu a descemetocele.
Segundo Silva et al. (2015, p. 1298-1302), geralmente é realizado tratamento tópico intensivo por um período de 24 a 48 horas antes do procedimento cirúrgico, para estabilização do quadro, como diminuição da aparência gelatinosa ou da profundidade da úlcera. Porém, se for notada uma piora do quadro, a cirurgia deverá ser indicada imediatamente. No presente relato foi instituído tratamento sistêmico e tópico 72 horas antes do procedimento cirúrgico, pois o olho se encontrava muito inflamado, a fim de diminuir a carga bacteriana ocular.
O flap pediculado conjuntival que foi utilizado no paciente em questão é, provavelmente, o mais útil e versátil, além de proporcionar suporte corneano, fornecendo tecido fibrovascular que preenche os defeitos da córnea, e suprimento sanguíneo que leva a lesão vários componentes imunológicos, antibióticos sistêmicos e anticolagenases naturais, afirma os autores Ledbetter e Gilger (2013, p. 976-990).
Segundo Slatter (2013, p. 172) a tarsorrafia temporária normalmente é empregada em conjunto com o recobrimento com a terceira pálpebra, ou com o recobrimento conjuntival de 360º. Diferentemente do caso relatado, a mesma foi utilizada no olho direito em associação com o retalho pediculado conjuntival para dar maior suporte mecânico, e consequentemente ocorreu uma melhor aderência a córnea lesionada, diminuindo o desconforto e abrasão ocasionada no ato de piscar, assim evitando deiscência dos pontos de sutura. Mas não foi utilizada no olho esquerdo pois havia maior gravidade e infecção, corroborando com Slatter (2013, p. 74), que de acordo com Kern (2013, p. 1-5) esse tipo de úlcera necessita de monitoramento visual para melhor aplicação e efeito do tratamento tópico.
Gomes (2014, p. 22), utilizou para o tratamento tópico a tobramicina a cada 4 horas, durante 15 dias, acetilcisteína de 4 a 6 horas, durante 3 dias, atropina 1% a cada 8 horas, durante 3 dias, e colírio a base de vitamina b12, magnésio, potássio e ácido hialurônico a cada 8 horas, durante 1 mês. Já Mazzarolo (2017, p. 13) utilizou somente sulfato de tobramicina a cada 2 horas durante 7 dias. Neste caso instituímos sulfato de tobramicina a cada 8 horas, diclofenaco sódico 0,1% a cada 8 horas em ambos os olhos, e pomada a base de Vitamina A e Cloranfenicol, aplicando uma camada fina sobre a borda palpebral a cada vinte e quatro horas, obtendo bons resultados.
Dorbandt; Moore; Myrna (2015, p. 116), o FCP apresenta uma taxa de sucesso de 89, 95 e 100% para uma visão funcional na correção de úlceras totais, descemetocélios e estromais profundas, respetivamente. A paciente obteve uma boa recuperação pós cirúrgica, no primeiro retorno com 15 dias, o olho esquerdo se apresentava com intensa neovascularização, opacidade e hifema, bem como a deiscência de alguns pontos, mas o flap continuava bem aderido. A tarsorrafia temporária no olho direito foi removida, podendo observar uma melhor aderência do flap na córnea lesionada. O processo de restauração pode ser dificultado por irritantes externos como, pelos, poeira, areia e medicamentos, além disso outras causas como a permanência do tecido fibroso e a cápsula de tenon, também podem levar a uma deiscência do retalho, sendo uma das complicações mais comuns nesse procedimento (COSTA, 2017, p. 23-25). Deste modo a utilização da tarsorrafia temporária associada ao flap conjuntival pediculado foi essencial, pois comparado com o olho oposto, demonstrou melhor cicatrização.
Slatter (2013, p. 686) afirmar que a secção pode ser feita de três a oito semanas após a realização do recobrimento conjuntival. No trabalho realizado por Mazzarolo (2017, 31-33) que seccionou com 20 dias, diferentemente do caso relatado, em que foi seccionado em 16 dias.
Os retornos subsequentes com 10 dias e 25 dias após a secção do FCP foi observado uma melhor aparência da córnea, com diminuição da opacidade e do tecido cicatricial. Em 140 dias de pós-operatório observou-se uma boa cicatrização corneana, remissão do tecido de granulação e diminuição da neovascularização, preservando a integridade do olho, em acordo com Albuquerque (2011, p. 13-15), que relata que na maioria dos casos a cicatriz que ainda permanece na córnea geralmente é mínima e não irá comprometer as funcionalidades da visão, demonstrando um resultado satisfatório.
Conclusão
A úlcera de córnea é considerada uma das principais afecções que acometem o globo ocular na rotina clínica de pequenos animais, sendo a grande maioria de origem traumática, podendo ser relacionado a conformação racial, como por exemplo em cães braquicefálicos. É de suma importância a realização de exames específicos para diagnosticar e direcionar o tratamento adequado. De acordo com os resultados obtidos, podemos concluir que a técnica de flap conjuntival pediculado foi eficaz para a cicatrização da descemetocele. A associação com a tarsorrafia temporária demonstrou ser efetiva nesses casos, pois melhora e acelera o processo de aderência do flap, diminuindo as taxas de deiscência da sutura. Mantendo a integridade da córnea, retornando ter suas funções visuais normalizadas.
Conflitos de interesse
Não houve conflito de interesses dos autores.
Contribuição dos autores
Fernanda Zago Solcia – ideia original, leitura e interpretação das obras, escrita e orientação; Elaine Pereira de Santana, Ivone dos Santos Costa, Vanubia Moizes Tavares, Victor Gabriel Farias Gonçalves, Alini Osowski e José Ivaldo de Siqueira Silva Júnior – escrita e correções; Rute Witter Franco, Juliana Sousa Terada Nascimento, Tâmara Mayara de Souza Santos, Jomel Francisco dos Santos e Luiz Donizete Campeiro Junior – orientação, correções e revisão do texto.
Referências bibliográficas
ABREU, W. U.; PHILIPPSEN, C.; LIMA, D. J. S. Ceratoplastia com recobrimento de terceira pálpebra em felino doméstico para o tratamento de descemetocele com perfuração de córnea. Acta Scientiae Veterinariae, v. 45 (suplemento), p. 1-3, 2017. Disponível em: <https://doi.org/10.22456/1679-9216.85748> Acesso em: 30 ago. 2022.
AFONSO, I. S. D.; DELGADO, D. E. F. C. Emergências oculares em pequenos animais estudo retrospectivo de 72 casos. 95p. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária) – Universidade de Lisboa, Lisboa, 2017. Disponível em: <https://www.repository.utl.pt/handle/10400.5/14233> Acesso em: 30 ago. 2022.
ALBUQUERQUE, L. Recobrimentos conjuntivais em cães e gatos. 43p. Monografia (Graduação em Medicina Veterinária) – Faculdade de Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/38724> Acesso em: 29 ago. 2022.
ALVES, M. F.; MOREIRA, M. A. P. Descemetocele em canino sem raça definida – relato de caso. 32p. Relatório de Estágio Curricular (Graduação em Medicina Veterinária) – Instituto Federal Goiano, Campus Urutaí, Urutaí, 2019. Disponível em: <https://repositorio.ifgoiano.edu.br/handle/prefix/870> Acesso em: 29 ago. 2022.
BELKNAP, E. B. Corneal Emergencies. Topics In Companion Animal Medicine, v. 30, n. 3, p. 74-80, 2015. https://doi.org/10.1053/j.tcam.2015.07.006
COSTA, B. R. W. Úlcera de córnea em felinos – revisão bibliográfica. 28p. Monografia (Graduação em Medicina Veterinária) – Faculdade de Veterinária, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017/1. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/170939> Acesso em: 30 ago. 2022.
DORBANDT, D. M.; MOORE, P. A.; MYRNA, K. E. Outcome of conjunctival flap repair for corneal defects with and without an acellular submucosa implant in 73 canine eyes. Veterinary Ophthalmology, v.18, n. 2, p.116-122, 2015. https://doi.org/10.1111/vop.12193
GOMES, M. B. C. Medicina e cirurgia de animais de companhia. 37p. Relatório Final de Estágio (Mestrado Integrado em Medicina Veterinária) – Universidade do Porto, Porto, 2014. Disponível em: <https://core.ac.uk/works/84570011>. Acesso em: 30 ago. 2022.
GONÇALVES, M. I. P. C. Conjuntivite em animais de companhia. 75p. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária) – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, 2013. https://silo.tips/queue/conjuntivite-em-animais-de-companhia?&queue_id=-1&v=1673720123&u=MTc3LjU2LjE2OS42MQ==
KERN, T.J. Afecções da córnea e esclera. In: BIRCHARD, S. J; SHERDING, R. G. Manual Saunders: Clínica de Pequenos Animais. 3ª ed. São Paulo: Roca, cap. 10, p. 1-5, 2013.
KOBASHIGAWA, K. K. Parâmetros oftálmicos em cães adultos da raça Shih Tzu. 33p. Dissertação (Mestrado em Cirurgia Veterinária) – Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 2014. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/110441> Acesso em: 30 ago. 2022.
KOVACS, T. A. S.; MARQUES, D. R. C.; ROSA, C. L. Flap conjuntival para tratamento de úlcera profunda em cão – relato de caso. In: IX EPCC – Encontro Internacional de Produção Científica UniCesumar. Anais… n. 9, p. 4-8, 2015. Disponível em: <https://rdu.unicesumar.edu.br/handle/123456789/3010>. Acesso em: 29 ago. 2022.
GELATT, K. N.; BROOKS, D. E. Surgery of the cornea and sclera. Veterinary Ophtalmic Surgery, p. 191-236, 2011. https://doi.org/10.1016/B978-0-7020-3429-9.00008-0
LEDBETTER, E. C.; GILGER, B. C. Diseases and Surgery of the Canine Cornea and Sclera. In: GELATT, K. N.; GILGER, B. C.; KERN, T. J. (Eds.). Veterinary Ophthalmology. 5th Ed. Ames, Iowa: Wiley-Blackwell, p. 976-1049, 2013.
LIEBICH, H. G.; SÓTONYI, P.; KÖNIG, H. E. Anatomia dos Animais Domésticos: Texto e Atlas Colorido. Artmed, 7ª ed. Porto Alegre, p. 597-598, 2021.
MAZZAROLO, B. S. Úlcera de córnea com descemetocele em um cão – relato de caso. 47p. Relatório de Estágio Curricular Supervisionado (Graduação em Medicina Veterinária) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, p. 31-33, 2017. Disponível em: <https://bibliodigital.unijui.edu.br:8443/xmlui/handle/123456789/4894> Acesso em: 30 ago. 2022.
PACKER, R. M. A.; HENDRICKS, A.; BURN, C. C. Impact of facial conformation on canine health: corneal ulceration. Plos One, v. 10, n. 5, p. 1-16, 2015. Disponível em: <https://doi.org/10.1371/journal.pone.0123827> Acesso em: 30 ago. 2022.
SANTOS, T. G. S. Incidência de ceratite ulcerativa em cães comparativo em braquicefálicos e não braquicefálicos. 24p. Monografia (Graduação Medicina Veterinária) – Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos, Gama, 2020. Disponível em: <https://dspace.uniceplac.edu.br/handle/123456789/569> Acesso em: 30 ago. 2022.
SILVA, A. P. S. M.; ASSIS, P. R.; VIANA, F. A. B.; AMARAL, A. V. C. Flap de terceira pálpebra para tratamento de úlcera de córnea colagenolítica difusa em cão: relato de caso. Enciclopédia Biosfera, v. 11, n. 22, p. 1298-1302, 2015. http://doi.org/10.18677/Enciclopedia_Biosfera_2015_160
SLATTER, D. Fundamentos de Oftalmologia Veterinária. 5ª ed. São Paulo: Roca, p. 74- 686, 2013.
Recebido em 31 de agosto de 2022
Aceito sem ajustes em 18 de janeiro de 2023