Revista Agrária Acadêmica
doi: 10.32406/v5n6/2022/53-61/agrariacad
O cloridrato de procaína e o bicarbonato de sódio – uma opção para a resistência microbiana. Procaine hydrochloride and sodium bicarbonate – an option for microbial resistance.
Bruna Aparecida Lima Gonçalves1*, Leonardo Rocha Vianna
1, Armando de Mattos Carvalho
2, Patricia Maria Colleto Freitas
2, Cibele Maria Lage Siqueira
3
1- Mestrado em Clínica e Cirurgia Veterinárias, Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
2- Docente de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
3- Farmacêutica, Casa das Fórmulas, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
*Autor(a) para correspondência: bruna_alg@yahoo.com.br
Resumo
Com o aumento da resistência bacteriana nas últimas décadas, há cada vez mais a necessidade de associação de fármacos com efeitos antimicrobianos nos tratamentos. Nesse contexto, objetivou-se com este estudo avaliar in vitro o efeito antimicrobiano do cloridrato de procaína a 0,7% associado ou não ao bicarbonato de sódio a 0,023% sobre Escherichia coli, Proteus mirabilis e Staphylococcus aureus, patógenos comumente presentes em infecções urinárias de cães, pelos métodos de diluição em caldo e disco-difusão. Conclui-se assim que a soluções de cloridrato de procaína a 0,7%; bicarbonato de sódio a 0,023% e solução contendo cloridrato de procaína 0,7% com bicarbonato de sódio a 0,023%, possuem efeito antimicrobiano contra Staphylococcus aureus e Proteus mirabilis, e somente a o cloridrato de procaína a 0,7% possui ação antimicrobiana contra Escherichia coli.
Palavras-chave: Anestésico local. Infecção urinária. Resistência bacteriana. Terapia Neural.
Abstract
With the increase in bacterial resistance in recent decades, there is an increasing need for the association of drugs with antimicrobial effects in treatments. In this context, the objective of this study was to evaluate in vitro the antimicrobial effect of 0.7% procaine hydrochloride associated or not with 0.023% sodium bicarbonate on Escherichia coli, Proteus mirabilis and Staphylococcus aureus, pathogens commonly present in urinary tract infections of dogs, by broth dilution and disc diffusion methods. It is thus concluded that 0.7% procaine hydrochloride solutions; 0.023% sodium bicarbonate and solution containing 0.7% procaine hydrochloride with 0.023% sodium bicarbonate have antimicrobial effect against Staphylococcus aureus and Proteus mirabilis, and only 0.7% procaine hydrochloride has antimicrobial action against Escherichia coli.
Keywords: Local anesthesic. Urinary infection. Bacterial resistance. Neural Therapy.
Introdução
Com o aumento da resistência bacteriana observada nas últimas décadas, há necessidade cada vez maior de uso de associações de fármacos com efeitos antimicrobianos para o tratamento dos animais, principalmente em patologias de podem ter caráter crônico, como as infeções urinárias (SCHERER et al., 2017).
Os primeiros relatos da ação antimicrobiana dos anestésicos locais foram de 1909 (GONÇALVES et al., 2020). Nesse contexto, fármacos, como os anestésicos locais, podem ser utilizados com intuito de auxiliar ou até mesmo tratar pacientes com infecções por agentes multirresistentes. Os anestésicos locais são fármacos conhecidos por promoverem anestesia e analgesia, entretanto estes também apresentam ação antimicrobiana, possuindo ação bacteriostática e bactericida (JOHNSON et al., 2008).
A descoberta dos antimicrobianos foi um grande avanço na medicina, contribuiu para o tratamento de doenças infecciosas o que proporcionou diminuição da morbidade e mortalidade. Mas atualmente o uso indiscriminado de antimicrobianos é preocupante e favorece o aparecimento de microrganismos resistentes (GONÇALVES et al., 2020).
Johnson et al. (2008) descreveram que a procaína possui ação bacteriostática e bactericida, por meio do aumento na desordem lipídica da membrana de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas, com consequente aumento da fluidez e permeabilidade, induzindo assim alterações ultra estruturais nos microrganismos.
Lazdunski et al. (1979) verificaram que a procaína a 0,55% tem efeito inibitório sobre o crescimento celular da Escherichia coli. A procaína é o primeiro anestésico local sintético injetável descoberta por Alfred Einhorn em 1905. É um éster metabolizado em ácido para amino benzoico (PABA) e dietilamina etanol (DEAE) degradado pelas pseudocolinesterases plasmáticas (VIANNA, GONÇALVES, 2020).
Além disso, o cloridrato de procaína a 0,7% possui 207 milivolts (VIANNA, GONÇALVES, 2020), o que pode induzir uma tensão bioelétrica na membrana celular, sendo capaz de repolarizar e estabilizar o potencial de membrana das células afetadas (CASTRO, 2011). Assim, esse fármaco em baixas concentrações, de 0,1 a 1% pode ser utilizada para tratamento de pacientes com distúrbios agudos e crônicos, segundo a prática integrativa da Terapia Neural (CRUZ, FAYAD, 2011).
Além dos anestésicos locais, o bicarbonato de sódio, tem efeito antimicrobiano contra bactérias Gram-positivas in vitro, como Streptococcus mutans e Staphylococcus aureus (PINTO et al., 2013). O bicarbonato de sódio altera o pH do meio, e quando se adicionado aos anestésicos locais promove um estresse bacteriano, que influencia diretamente na sobrevivência e no crescimento das bactérias (IBUSUKI et al., 1998).
Segundo Gonçalves et al. (2022) o cloridrato de procaína associado ao bicarbonato de sódio foi eficaz na resolução de uma cistite multirresistente em um paciente felino que apresentava uma cultura e antibiograma resistente a 18 antimicrobianos ao microrganismo Proteus Mirabilis.
Contudo, objetivou-se com este estudo avaliar in vitro o efeito antimicrobiano da solução de cloridrato de procaína a 0,7% associado ou não ao bicarbonato de sódio, sobre Escherichia coli, Proteus mirabilis e Staphylococcus aureus, patógenos comumente presentes em infecções urinárias de cães, através dos métodos diluição em caldo e disco difusão.
Material e métodos
O estudo foi desenvolvido na área de controle de qualidade e pesquisa da Farmácia Casa das Fórmulas, na cidade de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais. Foram utilizadas três cepas bacterianas, Escherichia coli ATCC 25922, Staphylococcus aureus ATCC 25923 e Proteus mirabilis ATCC 25933.
As cepas foram adquiridas isoladamente de um laboratório de biossegurança. Foram replicadas em ágar sangue e incubadas a 37ºC por 24 horas antes da realização dos testes. Foram testadas as soluções: cloridrato de procaína a 0,7%1; bicarbonato de sódio a 0,023%2; solução contendo cloridrato de procaína 0,7% com bicarbonato de sódio 0,023%3 e solução fisiológica a 0,9%4. Essas soluções foram preparadas pela própria farmácia e não continham conservantes.
1- Cloridrato de Procaína 0,7%, Casa das Fórmulas, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2- Bicarbonato de Sódio 0,023%, Casa das Fórmulas, Belo Horizonte, Minas Gerais, 3- Cloridrato de Procaína 0,7% com Bicarbonato de Sódio 0,023%, Casa das Fórmulas, Belo Horizonte, Minas Gerais, 4- Solução Fisiológica 0,9%, Casa das Fórmulas, Belo Horizonte, Minas Gerais.
Para testar a ação antimicrobiana frente aos microrganismos descritos, foram utilizados dois métodos: diluição em caldo e o disco-difusão (antibiograma). Esses realizados em caldo Mueller-Hinton e em Ágar Mueller-Hinton, respectivamente. Foram realizadas em triplicatas e controles: meio com inoculação do patógeno e meio sem inoculação do patógeno. E não houve crescimento microbiano nas soluções testadas, portanto não estavam contaminadas.
A padronização da concentração de bactérias feita pela escala de MacFarland 0,5, de acordo com as normas da Anvisa. A solução equivale a 1,5×108 UFC. Os inóculos foram preparados em capela de exaustão de fluxo contínuo, em ambiente estéril para que se evitasse a contaminação cruzada.
A avaliação da atividade antimicrobiana foi realizada observando se houve crescimento bacteriano no caldo (turbidez) e se houve a formação de halos de inibição ao redor dos discos, conforme CLSI (2011). Os diâmetros dos halos de inibição do crescimento bacteriano ao redor de cada disco são mensurados em milímetros. O halo de inibição é a área sem crescimento detectável a olho nu, está relacionado à sensibilidade da amostra bacteriana e à velocidade de difusão do antimicrobiano no ágar. Para as substâncias testadas não tem critérios interpretativos conforme CLSI.
Para o teste de caldo: a suspensão McFarland 0,5 (1 x 108 UFC/mL) foi diluída 1:10 antes da inoculação no tubo de ensaio para se conseguir uma diluição de 107 UFC/mL. Cada tubo de ensaio apresentava 10mL do caldo Mueller-Hinton e colocou se com alça bacteriológica 0,05 mL desse inóculo e 0,05 ml das soluções a serem testadas, cloridrato de procaína 0,7%, bicarbonato de sódio a 0,023%, solução de cloridrato de procaína a 0,7% com bicarbonato de sódio 0,023% e solução fisiológica a 0,9%. Cada solução separadamente em um tudo de ensaio. Após as inoculações a concentração final de bactérias nos tubos de ensaio era de aproximadamente 5 x 105 UFC/mL.
Após as inoculações das bactérias e das soluções nos tubos de ensaio contendo caldo Mueller-Hinton foi realizada incubação a 37°C. Após 24 horas da incubação foi realizada a observação macroscópica dos tubos quanto à turbidez para certificar se houve ou não crescimento bacteriano.
Para o teste de antibiograma o inóculo microbiano, a solução de MacFarland 0,5, foi semeado, na superfície das placas de Ágar Mueller-Hinton com auxílio de swabs estéreis. Foi realizado um semeio em toda a placa de ponta a ponta com os microrganismos a serem testados Escherichia coli ATCC 25922, Staphylococcus aureus ATCC 25923 e Proteus mirabilis ATCC 25933. Um microrganismo por placa. Após a inoculação com o swab, foi realizada uma pré-incubação em uma incubadora bacteriológica a uma temperatura de 36°C por 5 min.
Posteriormente, os monodiscos estéreis de papel filtro impregnados com cada solução a ser testada, cloridrato de procaína a 0,7%, bicarbonato de sódio a 0,023%, cloridrato de procaína 0,7% com bicarbonato de sódio e solução fisiológica a 0,9% foram aplicados com pinça estéril sobre a placa de Petri contendo Ágar Mueller-Hinton, com intervalo de no mínimo 3,0 cm de distância. Cada placa de petri continha um disco com cada solução e foram realizadas em triplicatas. Ocorreu todo o processo de validação dos discos pela farmácia de acordo com as normativas da vigilância sanitária. Em seguida foi realizada a incubação a 37°C por 20 horas. Após a incubação foram realizadas as medições dos halos de inibição com paquímetro a cada 24 horas durante 14 dias.
Amostras e os resultados receberam tratamento estatístico adotado pelo processo de validação da ANVISA e certificação ISO 9001. Aplicou-se análise estatística descritiva da média.
Resultados e discussão
A escolha dos microrganismos Staphylococcus aureus, Proteus mirabilis e Escherichia coli para serem testados neste estudo, foi decorrente desses patógenos serem, segundo Carvalho et al. (2014), os principais agentes responsáveis pelas infecções urinárias nos animais e no homem.
Neste estudo, os discos de anestésico local contendo procaína foram produzidos, e até onde os autores conhecem na literatura, foi a primeira vez que discos anestésicos locais foram utilizados em um trabalho científico.
As soluções de cloridrato de procaína a 0,7%, bicarbonato de sódio a 0,023%, e solução de procaína acrescida de bicarbonato de sódio inibiu o crescimento de Staphylococcus aureus, nos testes de diluição em caldo (Tabela 1) e teste de disco-difusão (antibiograma) (Tabela 2).
Tabela 1 – Crescimento de Staphylococcus aureus, Proteus mirabilis e Escherichia coli no teste de diluição em caldo com uso de cloridrato de procaína a 0,7%, bicarbonato de sódio a 0,023%, solução de cloridrato de procaína a 0,7% acrescida de bicarbonato de sódio a 0,023%.
Substância |
Staphylococcus aureus |
Proteus mirabilis |
Escherichia coli |
Cloridrato de procaína 0,7% |
Não houve crescimento |
Houve crescimento |
Houve crescimento |
Bicarbonato de sódio 0,023% |
Não houve crescimento |
Houve crescimento |
Houve crescimento |
Cloridrato de procaína 0,7% + bicarbonato de sódio 0,023% |
Não houve crescimento |
Houve crescimento |
Houve crescimento |
Solução fisiológica 0,9% |
Houve crescimento |
Houve crescimento |
Houve crescimento |
– Controle (ágar e o inóculo) houve crescimento bacteriano
– Controle (somente ágar) não houve crescimento bacteriano
Tabela 2 – Formação de halo do Staphylococcus aureus, Proteus mirabilis e Escherichia coli no teste de disco-difusão com uso de cloridrato de procaína a 0,7%, bicarbonato de sódio a 0,023% e solução de cloridrato de procaína a 0,7% acrescida de bicarbonato de sódio a 0,023%.
Substância |
Bactéria |
|||||
Staphylococcus aureus |
Proteus mirabilis |
Escherichia coli |
||||
Presença Halo |
Tamanho Halo |
Presença Halo |
Tamanho Halo |
Presença Halo |
Tamanho Halo |
|
Cloridrato de procaína 0,7% |
+ |
16,0 mm |
+ |
6,0 mm |
+ |
8,0 mm |
Bicabornato de sódio 0,023% |
+ |
20,4 mm |
– |
– |
– |
– |
Cloridrato de procaína 0,7% + bicabornato de sódio 0,023% |
+ |
18,0 mm |
+ |
8,0 mm |
– |
– |
Presença: +; Ausência: –
A inibição do crescimento verificada pela procaína com relação ao Staphylococcus aureus foi decorrente do efeito antimicrobiano encontrado neste anestésico local, como descrito na literatura (JOHNSON et al., 2008). Esse efeito, de acordo com Johnson et al. (2008), pode ser decorrente da indução de efeitos em células bacterianas Gram-positivas, como aumento na desordem lipídica da membrana, com consequente aumento da fluidez e permeabilidade, induzindo assim alterações ultra estruturais.
Segundo Liu et al. (2018), a ação antimicrobiana dos anestésicos locais pode ocorrer por meio da inibição da atividade da membrana respiratória, o escape de íons K+ do interior do citoplasma bacteriano, e a interferência na síntese de DNA e RNA.
Este resultado encontrado neste estudo concorda com o descrito por Pelz et al. (2008), que relataram que a procaína possui ação antimicrobiana contra o Staphylococcus aureus. Também, de acordo com Silva et al. (2007), os anestésicos locais podem apresentar efeitos diretos sobre bactérias Gram-positivas, dentre os quais pode causar a inibição do crescimento. Fato observado neste estudo, já que a procaína inibiu o crescimento do Staphylococcus aureus por 14 dias, um microrganismo Gram-positivo.
Segundo Pinto et al. (2013), o bicarbonato de sódio possui ação antimicrobiana contra bactérias Gram-positivas in vitro, como o Streptococcus mutans e Staphylococcus aureus. Esse efeito, segundo Ibusuki et al. (1998), pode ser decorrente do bicarbonato de sódio alterar o pH do meio. De acordo com Xie et al. (2010) a ação antimicrobiana do bicarbonato de sódio é devido a inibição da expressão de genes e supressão da síntese proteica.
De acordo com Reuter et al. (2017), o bicarbonato de sódio pode ser utilizado juntamente com a procaína, em uma mesma solução, com o intuito de promover um tampão natural, promovendo a solvatação dessa solução, permitindo assim sua estabilidade, melhorando suas atuações, entre elas, o efeito antimicrobiano. Segundo Ibusuki et al. (1998) e Dokai et al. (2018), a adição do bicarbonato a um anestésico local pode alterar o pH intracelular, agindo assim como bactericida natural.
No teste de disco-difusão observou-se que o halo de inibição, que o cloridrato de procaína e o bicarbonato de sódio promoveram com relação ao Staphylococcus aureus, esteve presente durante 14 dias, indicando assim um efeito longo desses fármacos sobre o microrganismo. Assim, esses fármacos poderiam ajudar no tratamento de infecções crônicas em pacientes causada por este agente, com o intuito de poder promover uma redução da resistência desse microrganismo frente ao uso prolongado de antimicrobianos.
Segundo Shrestha et al. (2019), a terapia a longo prazo com antimicrobianos pode promover aumento da resistência a classes de antimicrobianos. Vale ainda ressaltar que o Staphylococcus sp. é um microrganismo que pode apresentar alta resistência com relação a diversos antimicrobianos, como descrito por Penna et al. (2010) e Scherer et al. (2017).
Assim, o uso de outros agentes bactericidas, como o caso do cloridrato de procaína e do bicarbonato de sódio poderia reduzir o uso de agentes antimicrobianos, diminuindo consequentemente a resistência e a multirresistência microbiana.
Com relação aos microrganismos Proteus mirabilis e Escherichia coli, no teste de diluição em caldo, as substâncias cloridrato de procaína, bicarbonato de sódio e a solução de procaína acrescida de bicarbonato de sódio, não inibiram o crescimento (Tabela 1). Entretanto, no teste do disco-difusão (antibiograma) encontrou-se formação de halo inibitório por 48 horas para Proteus mirabilis e 72 horas para Escherichia coli quando se utilizou cloridrato de procaína (Tabela 2).
Esses resultados divergentes são provavelmente decorrentes da diferença de sensibilidade entre os testes. De acordo com Bona et al. (2014), o método de diluição em caldo utilizado no estudo mede quantitativamente a atividade in vitro de um agente antimicrobiano contra um determinado isolado bacteriano. Contudo, o antibiograma ou disco-difusão é o mais utilizado na rotina, pois mede qualitativamente a atividade antimicrobiana in vitro, e segundo Remonatto (2006), esse teste é mais efetivo, segundo os parâmetros de análise microbiológica.
Labedan (1988) descreveu que a membrana externa de uma bactéria Gram-negativa confere uma barreira hidrofóbica adicional, dificultando assim a penetração de algumas substâncias, o que confere maior resistência ao patógeno e confere proteção a agentes quimioterápicos ao patógeno, o que pode ter causado a falta de atuação do bicarbonato de sódio nesses microrganismos nesse experimento. Segundo Xie et al. (2010), o bicarbonato de sódio só teria uma ação antimicrobiana contra Escherichia coli em altas concentrações. Além disso, o bicarbonato de sódio na concentração de 0,023% como utilizado neste estudo pode ter agido como ácido fraco, como descrito por Ibusuki et al. (1998), colaborando dessa forma para a multiplicação da Escherichia coli. Pois, de acordo com Thornton et al. (2018), o meio ácido pode favorecer a sua multiplicação desse microrganismo, dificultando assim até a ação do anestésico local, o que pode ter sido observado quando se utilizou a solução de procaína associada ao bicarbonato de sódio.
Em contrapartida, em bactérias Gram-negativas os anestésicos locais são capazes de tornar a membrana externa permeável a antibióticos aos quais normalmente são resistentes, além de induzir alterações na fluidez da membrana citoplasmática e inibição do crescimento de microrganismos, o que pode explicar neste estudo a formação do halo de inibição frente a Escherichia coli e Proteus mirabilis quando se utilizou a solução de procaína.
Conclusão
O cloridrato de procaína a 0,7% possui ação antimicrobiana in vitro contra as bactérias Escherichia coli, Proteus mirabilis e Staphylococcus aureus. O bicarbonato de sódio a 0,023% tem ação antimicrobiana in vitro somente contra Staphylococcus aureus. A associação do cloridrato de procaína e o bicarbonato de sódio possui ação antimicrobiana in vitro frente ao Staphylococcus aureus e Proteus mirabilis. Contudo, a eficácia dos anestésicos locais in vivo precisa ser estudada, para comprovar esses efeitos observados in vitro.
Conflito de interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
Contribuição dos autores
Os autores declaram que todos contribuíram por igual na confecção deste artigo.
Agradecimentos
Os autores gostariam de agradecer a Farmácia Casa das Fórmulas pelo fornecimento dos fármacos e estrutura para a execução do experimento.
Referências bibliográficas
BONA, E. A. M.; PINTO, F. G. S.; FRUET, T. K.; JORGE, T. C. M.; MOURA, A. C. Comparação de métodos para avaliação da atividade antimicrobiana e determinação da concentração inibitória mínima (cim) de extratos vegetais aquosos e etanólicos. Arquivos do Instituto Biológico, v. 81, n. 3, p. 218-225, 2014. https://doi.org/10.1590/1808-1657001192012
CARVALHO, V. M.; SPINOLA, T.; TAVOLARI, F.; IRINO, K.; OLIVEIRA, R. M.; RAMOS, M. C. C. infecções do trato urinário (ITU) de cães e gatos: etiologia e resistência aos antimicrobianos. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 34, n. 1, p. 62-70, 2014. https://doi.org/10.1590/S0100-736X2014000100011
CASTRO, R. A. Bases para la terapia neural em caninos y felinos. Buenos Aires: Dunken, 2011, 304p.
CLSI. Clinical and Laboratory Standards Institute. Performance Standards for Antimicrobial Susceptibility Testing: Twenty-First Informational Supplement. CLSI document M100-S21. Wayne, PA; 2011.
CRUZ, Y.; FAYAD, R. Microtúbulos y terapia neural: propuesta de una investigación promisoria. Revista Med, v. 19, n. 1, p. 82-92, 2011. http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0121-52562011000100009
DOKAI, O.; LAUB, K.; STERCZ, B.; KÉRI, A.; BALÁZS, B.; TÓTHPÁL, A.; KARDOS, S.; JAIKUMPUN, P.; RUKSAKIET, K.; QUINTON, P. M.; ZSEMBERY, Á. Bicarbonate inhibits bacterial growth and biofilm formation of prevalent cystic fibrosis pathogens. Fronties in Microbiology, v. 9, p. 1-12, 2018. https://doi.org/10.3389/fmicb.2018.02245
GONÇALVES, B. A. L.; VIANNA, L. R.; ANDRADE, C. C.; OLIVEIRA, J. S. G. Anestésicos locais e a ação antimicrobiana, uma opção em microrganismos multirresistentes: revisão de Literatura. Revista V & Z em Minas, v. 145, p. 29-32, 2020. http://crmvmg.gov.br/RevistaVZ/Revista145.pdf
GONÇALVES, B. A. L.; VIANNA, L. R.; CARVALHO, A. M.; FREITAS, P. M. C. Neural Therapy in a multidrug resistant urinary tract infection in a cat: case report. Multidisciplinary Science Journal, v. 4, n. 4, p. 1-4, 2022. https://doi.org/10.31893/multiscience.2022017
IBUSUKI, S; KATSUKI, H.; TAKASAKI, M. The effects of extracellular pH with and without bicarbonate on intracellular procaine concentrations and anesthetic effects in crayfish giant axons. Anesthesiology, v. 88, n. 6, p. 1549-1557, 1998. https://doi.org/10.1097/00000542-199806000-00019
JOHNSON, S. M.; JOHN, B. E. S.; DINE, A. P. Local anesthetics as antimicrobial agents: a review. Surgical Infections, v. 9, n. 2, p. 205-213, 2008. https://doi.org/10.1089/sur.2007.036
LABEDAN, B. Increase in permeability of Escherichia coli outer membrane by local anesthetics and penetration of antibiotics. Antimicrobial Agents and Chemotherapy, v. 32, n. 1, p. 153-155, 1988. https://doi.org/10.1128/AAC.32.1.153
LAZDUNSKI, C.; BATY, D; PAGES, J. M. Procaine, a local anesthetic interacting with the cell membrane, inhibits the processing of precursor forms of periplasmic proteins in Escherichia coli. European Journal of Biochemistry, v 96, n. 1, p. 49-57, 1979. https://doi.org/10.1111/j.1432-1033.1979.tb13012.x
LIU, K.; YE, L.; SUN, W.; HAO, L.; LUO, Y.; CHEN, J. Does use of lidocaine affect culture of synovial fluid obtained to diagnose periprosthetic joint infection (PJI)? an in vitro study. Medical Science Monitor, v. 24, p. 448-452, 2018. https://doi.org/10.12659/MSM.908585
PELZ, K.; WIEDMANN-AL-AHMAD, M.; BOGDAN, C.; OTTEN, J.-E. Analysis of the antimicrobial activity of local anaesthetics used for dental analgesia. Journal of Medical Microbiology, v. 57, n. 1, p. 88-94, 2008. https://doi.org/10.1099/jmm.0.47339-0
PENNA, B.; VARGES, R.; MARTINS, R.; MARTINS, G.; LILENBAUM, W. In vitro antimicrobial resistance of staphylococci isolated from canine urinary tract infection. The Canadian Veterinary Journal, v. 51, n. 7, p. 738-742, 2010. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2885114/
PINTO, A. T. M.; SILVA, V.; RIBEIRO, A S. C.; PEIXOTO, I. T. A. Atividade antimicrobiana de Dentifrícios Fitoterápicos contra Streptococcus mutans e Staphylococcus aureus. Unopar Cientifica. Ciências Biológicas e da Saúde, v. 15, n. 4, p. 259-263, 2013. https://doi.org/10.17921/2447-8938.2013v15n4p%25p
REMONATTO, G. Correlação entre concentração inibitória mínima e níveis urinários de antimicrobianos para o tratamento de infecções no trato urinário. 56p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/10383
REUTER, U. R. M.; OETTMEIER, R.; NAZLIKUL, H. Procaine and procaine-base-infusion: a review of the safety and fields of application after twenty years of use. Sciforschen Clinical Research, v. 4, n. 1, p. 1-7, 2017. http://doi.org/10.16966/2469-6714.127
SCHERER, C. B.; BOTONI, S. L.; COSTA-VAL, A. P. Mecanismos de ação de antimicrobianos e resistência bacteriana. Medvep Dermato – Revista da Educação Continuada em Dermatologia e Alergologia Veterinária, v. 4, n. 13, p. 12-20, 2017. https://medvep.com.br/mecanismos-de-acao-de-antimicrobianos-e-resistencia-bacteriana/
SHRESTHA, L. B.; BARAL, R.; KHANAL, B. Comparative study of antimicrobial resistance and biofilm formation among Gram-positive uropathogens isolated from community-acquired urinary tract infections and catheter-associated urinary tract infections. Infection and Drug Resistance, v. 12, p. 957-963, 2019. https://doi.org/10.2147/IDR.S200988
SILVA, J. G.; SOUZA, I. A.; HIGINO, J. S.; SIQUEIRA-JUNIOR, J. P.; PEREIRA, J. V.; PEREIRA, M. S. V. Atividade antimicrobiana do extrato de Anacardium occidentale Linn. em amostras multirresistentes de Staphylococcus aureus. Revista Brasileira de Farmacognosia, v. 17, n. 4, p. 572-577, 2007. https://doi.org/10.1590/S0102-695X2007000400016
THORNTON, L. A.; BURCHELL, R. K.; BURTON, S. E.; LOPEZ-VILLALOBOS, N.; PEREIRA, D.; MACEWAN, I.; FANG, C.; HATMODJO, A. C.; NELSON, M. A.; GRINBERG, A.; VELATHANTHIRI, N.; GAL, A. The effect of urine concentration and pH on the growth of Escherichia coli in canine urine in vitro. Journal of Veterinary Internal Medicine, v. 32, n. 2, p. 752-756, 2018. https://doi.org/10.1111/jvim.15045
VIANNA, L. R.; GONÇALVES, B. A. L. pH e condutividade do cloridrato de procaína em diferentes concentrações utilizadas em terapia neural. Multidisciplinary Science Journal, v. 3, n. 1, p. 1-5, 2020. https://doi.org/10.29327/multiscience.2021002
XIE, C.; TANG, X.; XU, W.; DIAO, R.; CAI, Z.; CHAN, H. C. A host defense mechanism involving CFTR-mediated bicarbonate secretion in bacterial prostatitis. PLOS ONE, v. 5, n. 12, p. 1-13, 2010. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0015255
Recebido em 22 de dezembro de 2022
Retornado para ajustes em 22 de fevereiro de 2023
Recebido com ajustes em 27 de fevereiro de 2023
Aceito em 27 de fevereiro de 2023