Instrumentação de espectroscopia no infravermelho próximo para previsão bromatológica do farelo de trigo

Revista Agrária Acadêmica

agrariacad.com

doi: 10.32406/v6n3/2023/70-81/agrariacad

 

Instrumentação de espectroscopia no infravermelho próximo para previsão bromatológica do farelo de trigo1. Near-infrared spectroscopy instrumentation for bromatological prediction of wheat bran1.

 

Sueli Freitas dos Santos2, Marco Aurélio Delmondes Bomfim3

 

1- Parte do trabalho de pós-doutorado da primeira autora; Projeto financiado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq; Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Funcap
2- Pós-Doutora, Embrapa Caprinos e Ovinos, Sobral, Ceará, Brasil. E-mail: sfsantoszootecnia@gmail.com
3- Pesquisador, Embrapa Caprinos e Ovinos, Sobral, Ceará, Brasil: E-mail: marco.bomfim@embrapa.br

 

Resumo

 

Amostras de farelo de trigo foram coletadas durante 12 meses nos estados brasileiros (Ceará, Paraíba e Rio Grande do Sul) e enviadas à Embrapa Caprinos e Ovinos, para procedimentos analíticos. As amostras recebidas (300 amostras) foram destinadas a uma primeira leitura espectral em instrumento NIR Perten. Dentro dessa leitura, 107 amostras foram selecionadas, classificadas como (amostras in natura lidas em NIR Perten). Em seguida, foram destinadas as análises de referências e simultaneamente a uma segunda leitura novamente em instrumento NIR Perten, classificadas como (amostras secas e moídas lidas em NIR Perten) e a uma terceira leitura, em instrumento NIR FOSS, classificadas como (amostras secas e moídas lidas em NIR FOSS). Foram desenvolvidos modelos para proteína bruta (PB) e digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) e da matéria orgânica (DIVMO), para ambos os instrumentos com as três leituras espectrais realizadas. A instrumentação NIR, associada às técnicas quimiométricas, previu com acurácia os teores de proteína bruta, digestibilidade in vitro da matéria seca e digestibilidade in vitro da matéria orgânica do farelo de trigo.

Palavras-chave: Análise de alimentos. Comprimento de onda. Subprodutos. Tecnologia NIR.

 

 

Abstract

 

Wheat bran samples were collected during 12 months in the Brazilian states (Ceará, Paraíba and Rio Grande do Sul) and sent to Embrapa Caprinos e Ovinos, for analytical procedures. The samples received (300 copies) were destined to a first spectral reading in an NIR Perten instrument. Within this reading, 107 samples were selected, classified as (in natura samples read in NIR Perten). Then, the reference analyzes were carried out simultaneously with a second reading again in a NIR Perten instrument, classified as (dry and ground samples read in NIR Perten) and a third reading, in a NIR FOSS instrument, classified as (dry and ground samples read in NIR FOSS). Models for crude protein (CP) and in vitro digestibility of dry matter (IVDMD) and organic matter (IVOMD) were developed for both instruments with the three spectral readings performed. NIR instrumentation, associated with chemometric techniques, accurately predicted crude protein, in vitro dry matter digestibility and in vitro organic matter digestibility of wheat bran.

Keywords: By-products. Food analysis. NIR technology. Wave-length.

 

 

Introdução

 

Em sistemas de produção de ruminantes, o fornecimento de uma dieta que atenda às necessidades dos animais é um fator de suma importância (SANTOS et al., 2022). Para isso, é necessário o conhecimento do valor nutricional dos alimentos utilizados que, além de contribuir para o desenvolvimento de estratégias de alimentação, otimiza a produção animal de forma eficiente e econômica, uma vez que o fornecimento de dietas sem o adequado balanceamento, contribuem para baixos índices produtivos e prejuízos na exploração (SANTOS et al., 2022). Isso é explicado pelo fato de que a alimentação, dentro de qualquer sistema produtivo, representa a parte mais onerosa, e quando esta é utilizada de forma indiscriminada, pode acarretar perdas no sistema.

Para os nutricionistas tem sido desafiador a aferição nutricional dos alimentos consumidos por animais. Isso porque, as variedades em alimentos que podem e são utilizados na alimentação animal é ampla, mas seus teores nutricionais são determinados por uma complexa interação entre seus constituintes e os microrganismos presentes no sistema digestório animal, além da própria condição fisiológica do animal (VAN SOEST, 1967). Esses desafios têm estimulado a busca e o desenvolvimento de técnicas que contornem essa situação, associando o conhecimento dos valores nutricionais dos alimentos e as exigências requeridas pelos ruminantes, para que esses possam expressar positivamente seu potencial produtivo.

Dentro dos sistemas de produção para ruminantes a busca por técnicas de alimentação e manejo adequados, tem conduzido produtores a racionalização na criação desses animais, empregando métodos eficientes e economicamente viáveis, que reflitam em uma melhor resposta produtiva pelos animais. Nesse contexto, a suplementação concentrada com alimentos comumente utilizados, pode ser um fator limitante na alimentação de ruminantes, devido sua alta precificação. Direcionando assim, os produtores o uso de alternativas de alimentos concentrados economicamente viáveis, visando minimizar custos com a alimentação animal. Dentre essas alternativas alimentares que podem ser utilizadas, cita-se o farelo de trigo.

O trigo é uma gramínea de inverno do gênero (Triticum), cultivada principalmente para produção de grãos. Dentre os cereais cultivados, ocupa a terceira posição, ficando atrás do milho e do arroz, sendo uma das principais fontes atuais de alimento direcionada prioritariamente à alimentação humana (SALVADORI et al., 2022). Seu beneficiamento gera valiosos subprodutos, destacando aqui, o farelo de trigo, que pode ser utilizado na alimentação animal.

A racionalização dentro de um sistema de produção de ruminantes, vem permitindo que tecnologias e metodologias mais rápidas e mais baratas sejam essenciais, para que decisões sejam tomadas em tempo hábil sobre o uso estratégico de suplementos e aumento do acesso dos produtores ao serviço de análise bromatológica de alimentos. Assim, como alternativa às metodologias tradicionais, nas quais são onerosas, vêm sendo aplicado o uso da espectroscopia de reflectância no infravermelho próximo (NIRS), para otimizar o tempo para obtenção da qualidade nutricional de alimentos, sem destruir as amostras e gerar poluentes. Com isso, objetivou-se neste estudo avaliar o efeito da instrumentação NIR na previsão bromatológica do farelo de trigo.

 

Material e Métodos

 

Local experimental e coleta de amostras

 

Amostras de farelo de trigo foram colhidas mensalmente durante 12 meses nos estados brasileiros do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Sul. Para isso, foram estabelecidas parcerias de colaboração com profissionais da extensão rural, cerealistas e fábricas de rações. Essa rede de colaboração resultou na coleta de um conjunto amostral composto por 300 amostras, que foram enviadas pelos correios à Embrapa Caprinos e Ovinos, no município de Sobral, Ceará, para serem submetidas a procedimentos analíticos no Laboratório de Nutrição Animal (LANA) e no Laboratório de NIR (LABNIR).

 

Atividades laboratoriais (leitura de espectros, composição físico-química e análises de referência)

 

As amostras recebidas (conjunto amostral com 300 amostras), foram destinadas a uma primeira leitura espectral em instrumento NIR Perten® DA 7250 (PerkinElmer, Inc., USA), com comprimento de onda de 950 a 1650 nm e intervalo espectral de 5 nm, para coleta de espectros.

Após a primeira leitura espectral, dentro desse conjunto amostral (300 amostras), um subconjunto com 107 amostras foi selecionado, sendo classificado como (amostras in natura lidas em NIR Perten). A seleção foi feita por meio da matriz X dos espectros usando a ferramenta de seleção “Evenly Distributed Samples Only”, do software The Unscrambler® versão 10.5.1 (Camo Inc), observando a maior variabilidade entre as amostras para realização das análises química – bromatológicas de referência, destinadas a criação dos modelos de previsões.

As 107 amostras do subconjunto selecionado, foram secas em estufa de ventilação forçada a 55°C até que suas massas se estabilizassem. Posteriormente, foram moídas em moinho tipo Wiley equipado com peneira de malha de 1,0 mm e armazenados em recipientes devidamente identificados e destinadas às seguintes análises de referências química – bromatológicas: matéria seca (MS), matéria mineral (MM) (AOAC 1990). A matéria orgânica (MO) foi calculada como a diferença entre a MS e MM. A concentração de nitrogênio total (N) foi determinada em sistema de combustão (Leco FP-628, Leco Corp., St. Joseph, MI, EUA). Para conversão dos valores de N em proteína bruta (PB) usou a correção 6,25. A digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) e digestibilidade in vitro da matéria orgânica (DIVMO) das amostras foram determinadas utilizando incubadora automática tipo MA443 (MA443, Marconi Instrumentos para Laboratórios Ltda., Piracicaba, SP, Brasil), conforme princípios de técnica já estabelecida (TILLEY; TERRY, 1963).

Simultaneamente a realização das análises de referências, o subconjunto com as 107 amostras (após a secagem e moagem), foi destinado a uma segunda leitura em instrumento NIR Perten® DA 7250 (PerkinElmer, Inc., EUA) (descrito anteriormente), onde essa, foi classificada como (amostras secas e moídas lidas em NIR Perten) e a uma terceira leitura, em instrumento NIR FOSS 5000 Nirsystem II usando o software ISIScan®, com comprimento de onda de 1100 a 2500 nm e intervalo espectral de 2 nm, na qual foi classificada como (amostras seca e moídas lidas em NIR FOSS).

Após o término das três leituras espectrais, nos dois Instrumentos NIRS, no subconjunto amostral das 107 amostras, também por meio da matriz X dos espectros usando a ferramenta de seleção “Evenly Distributed Samples Only”, do software The Unscrambler® versão 10.5.1 (Camo Inc), observando a maior variabilidade entre as amostras, foram selecionando amostras para compor o banco de calibração (75% das amostras) para construção dos modelos e o banco de validação (25% das amostras) para validação independente.

Todas as medidas laboratoriais (bromatológicas e espectrais) foram realizadas em condições controladas de umidade da amostra e de ambiente com temperatura de 25°C e umidade relativa de 55% a fim de evitar possíveis interferências nas coletas dos espectros (LYONS; STUTH, 1992).

 

Análises quimiométricas e desenvolvimento dos modelos

 

Para exploração dos dados espectrais coletados e desenvolvimento dos modelos, utilizou-se o software The Unscrambler® versão 10.5.1 (Camo Inc).

Na exploração dos dados, foi aplicada a correção multiplicativa de espalhamento (MSC), assim como também, a Análise de Componentes Principais (PCA) na elipse de Hotelling (estatística T2 de Hotelling) com os espectros centrados na média, a fim de observar classes ou categorias entre as amostras pertencentes ao banco de calibração.

Na preparação dos modelos, o método de regressão utilizado foi o dos mínimos quadrados parciais sendo uma variável por vez (PLS – 1), (KOURTI; MACGREGOR, 1995) considerando os valores de referência obtidos pelas análises laboratoriais, como variável dependente e as variáveis latentes criadas a partir dos espectros como variáveis independentes dos modelos de regressão múltipla.

Foram desenvolvidos modelos para os parâmetros de proteína bruta (PB) e digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) e digestibilidade in vitro da matéria orgânica (DIVMO), para os dois Instrumentos NIRS (Perten e FOSS), com as três leituras espectrais realizadas (amostras in natura lidas em NIR Perten, amostras secas e moídas lidas em NIR Perten e amostras seca e moídas lidas em NIR FOSS). Para cada constituinte modelado foram gerados modelos submetendo os espectros originais a diferentes pré-tratamentos matemáticos, como a correção multiplicativa de sinal (MSC), transformação normal de variância (SNV), primeira e segunda derivada (Savitzky-Golay) com janela variando de 1 a 4 pontos (BROWN et al., 2000).

O número de fatores PLS dos modelos, foi determinado pela validação cruzada (cross-validation) procedimento “leave-one-out” (GELADI; KOWALSKI, 1986). Na validação independente foi utilizado o banco de dados separado (25% das amostras).

Após os modelos serem gerados para todos os pré-tratamentos utilizados, foram selecionados os melhores modelos para cada parâmetro, de acordo com os critérios: coeficiente de determinação do modelo na calibração, validação cruzada (R2), raiz quadrada do erro padrão da média da calibração e validação cruzada (RMSE) (LEITE; STUTH, 1995; LANDAU et al., 2006), além do número de fatores utilizados na calibração (PASQUINI, 2003). Outro parâmetro utilizado na avaliação do desempenho dos modelos foi a RPD “Ratio of Performance to Deviation”, a qual representa a divisão entre o desvio padrão das análises e referência e o erro médio de previsão (WILLIAMS; SOBERING, 1993).

 

Resultados e discussão

 

Na Tabela 1, são apresentados os modelos de calibração, validação utilizando a regressão PLS para estimar os valores de proteína bruta (PB), digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) e digestibilidade in vitro da matéria orgânica (DIVMO) do farelo de trigo.

Os modelos desenvolvidos para PB obtiveram R2 de 0,39; 0,64 e 0,78, RMSEC 0,92; 0,84 e 0,53 e RMSEV 1,02; 1,10 e 0,72 para (amostras in natura lidas em NIR Perten, amostras pré-secas e moídas lidas em NIR Perten e amostras pré-secas moídas e lidas NIR FOSS) respectivamente. Em relação aos valores de RMSEC e RMSEV observa-se que estes foram relativamente baixos, indicando uma moderada exatidão do modelo, o que demonstra uma conformidade entre o valor estimado e o valor de referência.

 

Tabela 1 – Modelos de calibração e validação utilizando a regressão PLS para proteína bruta (PB), digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) e digestibilidade in vitro da matéria orgânica (DIVMO) do farelo de trigo
Amostras in natura lidas em NIR Perten
Calibração
Validação
Parâmetro
N
Tratamento
FPLS
R2
RMSEC
R2
RMSEV
Rcal/Rval
RPD
PB
70
ST
4
0,39
0,92
0,28
1,02
1,39
1,22
DIVMS
70
MSC SG 2.1
6
0,90
0,79
0,73
1,33
1,23
1,92
DIVMO
70
SNV 2.1
6
0,91
0,78
0,79
1,25
1,15
2,14
Amostras pré-secas e moídas lidas em NIR Perten
Calibração
Validação
Parâmetro
N
Tratamento
FPLS
R2
RMSEC
R2
RMSEV
Rcal/Rval
RPD
PB
66
SG 2.4
7
0,64
0,84
0,41
1,10
1,56
1,13
DIVMS
64
MSC SG 2.4
4
0,88
0,91
0,84
1,10
1,05
2,33
DIVMO
65
MSC SG 2.4
4
0,87
0,99
0,85
1,12
1,02
2,39
Amostras pré-secas e moídas lidas em NIR FOSS
Calibração
Validação
Parâmetro
N
Tratamento
FPLS
R2
RMSEC
R2
RMSEV
Rcal/Rval
RPD
PB
73
SNV
7
0,78
0,53
0,64
0,72
1,21875
1,72
DIVMS
70
MSC
4
0,71
1,15
0,65
1,28
1,092308
2,00
DIVMO
69
MSC
4
0,71
1,15
0,64
1,29
1,109375
2,08
FPLS (número de fatores PLS); N (número de amostras); SG1e SG2: 1 a 4 (Derivadas Savitzky-Golay, primeira e segunda derivativa, pontos 1 a 4); MSC (Multiplicative Scatter Correction); SNV (Standard Normal Variate); R2 (Coeficiente de determinação); RMSEC (erro quadrático médio de calibração); RMSEV (erro quadrático médio de validação); Rcal/Rval (R2calibração/ R2validação); RPD (Ratio of Performance to Deviation).

 

A aproximação entre os valores de RMSEC e RMSEV para o parâmetro PB é um indicativo de que o número de fatores utilizados (que variaram entre 4 e 7) no desenvolvimento dos modelos foi adequado. Uma vez que, o número de fatores pode ser um indicativo da complexidade do modelo.

Para os modelos desenvolvidos para os parâmetros de DIVMS e DIVMO para (amostras in natura lidas em NIR Perten), os valores desses coeficientes foram: R2 de 0,90 e 0,91, RMSEC 0,79 e 0,78, RMSEV 1, 33 e 1,25. Enquanto para (amostras pré-secas e moídas lidas em NIR Perten), os valores encontrados foram: R2 0,88 e 0,87, RMSEC 0,91 e 0,99, RMSEV 1,10 e 1,12 e para (amostras pré secas e moídas lidas em NIR FOSS), os valores para os coeficientes foram: R2 0,71 e 0,71, RMSEC 1,15 e 1,15 e RMSEV 1,28 e 1,29, respectivamente.

Observou-se que o desempenho dos modelos de DIVMS e DIVMO para o farelo de trigo foram melhores em relação aos modelos de PB. Isso pode ter ocorrido devido o farelo de trigo ser considerado um alimento energético e apresentar alta digestibilidade, no caso das amostras do presente estudo a média encontrada para DIVMS e DIVMO foram 87,66% e 90,00% respectivamente.

O desempenho dos modelos de validação avaliados pelo RPD (Tabela 1), seguiu uma classificação padronizada (CHANG et al., 2001). Os modelos para PB apresentaram RPD de 1,22, 1,13 e 1,72 respectivamente. De acordo com os valores de RPD para esse parâmetro, os modelos foram considerados: não confiáveis para as (amostras in natura lidas em NIR Perten) e para as (amostras pré-secas e moídas lidas em NIR Perten) e ajustado para as (amostras pré-secas e moídas lidas em NIR FOSS).

Para os modelos de DIVMS, esses apresentaram RPD 1,92, 2,33 e 2,00 respectivamente. Os modelos foram considerados: ajustado para as (amostras in natura lidas em NIR Perten), excelente para as (amostras pré-secas e moídas lidas em NIR Perten) e ajustado para as (amostras pré-secas e moídas lidas em NIR FOSS). Para os modelos de DIVMO, esses apresentaram RPD 2,14, 2,39 e 2,08 respectivamente, foram considerados: excelentes para as (amostras in natura lidas em NIR Perten), para as (amostras pré-secas e moídas lidas em NIR Perten) e para as (amostras pré-secas e moídas lidas em NIR FOSS).

Esses resultados observados para os parâmetros de proteína e digestibilidade, podem ser em virtude das estruturas químicas dos parâmetros analisados. Uma vez que, a proteína contém ligações químicas orgânicas (N˗H, C˗H e C=O, que podem estar associadas a componentes proteicos e grupos de aminoácidos) e a digestibilidade (C-H, CH2, C-O, C-C, C-N, COOH, podendo também estar associadas a compostos aromáticos e grupos fenólicos relacionados a lignina e celulose), tornando-se possíveis de serem absorvidas nos comprimentos de onda na região do infravermelho próximo, como mostra a (Figura 1), dados coletados de estudos realizados por (WEYER, 1985; MCLELLAN et al., 1991; GIVENS et al., 1992; DEAVILLE; GIVENS, 1998; SHENK et al., 2008; AENUGU et al., 2011).

 

Figura 1 – Comprimentos de ondas associados aos constituintes ligados a proteína, celulose e lignina.

 

Para este estudo com farelo de trigo, na (Figura 2) é possível verificar os pesos dos coeficientes das variáveis importantes, expressando determinados picos das ligações químicas orgânicas (N˗H, C˗H e C=O, amidas, aminas e grupos de aminoácidos) atreladas as estruturas do parâmetro analisado PB, para os modelos de previsão desenvolvidos em ambos os instrumentos NIRS e para as três formas de leitura.

Nota-se que a ligação N-H possui alta relação com a estrutura da proteína, o que pode ser confirmado com os picos dos coeficientes mais importantes utilizados na determinação desse parâmetro, com os comprimentos de ondas relacionados a esta referida ligação (Figura 2).

As bandas espectrais relacionadas ao parâmetro de proteína neste estudo, compreenderam as faixas de 965 a 980 nm (terceira overtone), 1380 a 1475 nm (segunda overtone) e 1515 nm (faixa espectral entre segunda e primeira overtone) e 1635 nm (primeira overtone), para as (amostras in natura lidas em NIR Perten). Enquanto para as (amostras pré-secas e moídas lidas em NIR Perten), as bandas espectrais foram de 1090 a 1100 nm (terceira overtone), 1250, 1270, 1450 e 1490 nm (segunda overtone), 1510 a 1530 nm (faixa espectral entre segunda e primeira overtone) e 1630 nm (primeira overtone). E para as (amostras pré-secas e moídas lidas em NIR FOSS), as bandas espectrais identificadas foram de 1100 nm (terceira overtone), 1130 nm (faixa espectral entre a terceira e segunda overtone), 1220, 1238, 1284, 1376, 1420 e 1470 nm (segunda overtone), 1604, 1876, 1922 e 1968 nm (primeira overtone), 2060 nm (faixa espectral entre a primeira overtone e a combinação de bandas) e 2378 nm (combinação de bandas).

Os resultados para o parâmetro de PB deste estudo, estão dentro dos reportados na literatura como mais comumente associados a ligações químicas que compõem a matriz proteica (SHENK et al., 2008; XIAOBO et al., 2010; AENUGU et al., 2011; CHENG; SUN, 2017; SANTOS et al., 2022).

 

Figura 2 – Variáveis importantes para o parâmetro de proteína bruta (PB), (A) amostras in natura lidas em NIR Perten, (B) amostras pré-secas e moídas lidas em NIR Perten e (C) amostras pré-secas e moídas lidas em NIR FOSS.

 

Nas figuras 3 e 4, é possível verificar os pesos dos coeficientes das variáveis importantes, expressando determinados picos das ligações químicas orgânicas (C-H, CH2, C-O, C-C, C-N, COOH) atreladas as estruturas dos parâmetros analisado DIVMS e DIVMO, para os modelos de previsão desenvolvidos em ambos os instrumentos NIRS e para as três formas de leitura.

Para as (amostras in natura lidas em NIR Perten), as bandas espectrais para os parâmetros DIVMS e DIVMO tiveram resultados semelhantes, nos quais compreenderam as faixas de 955 a 1110 nm (terceira overtone e faixa espectral entre a terceira e segunda overtone). O mesmo foi observado para as (amostras pré-secas e moídas lidas em NIR Perten) e para as (amostras pré-secas e moídas lidas em NIR FOSS), onde as bandas espectrais compreenderam as faixas de 970 a 1625 nm, abrangendo picos entre (terceira – segunda – primeira overtone).

 

Figura 3 – Variáveis importantes para o parâmetro de digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS), (A) amostras in natura lidas em NIR Perten, (B) amostras pré-secas e moídas lidas em NIR Perten e (C) amostras pré-secas e moídas lidas em NIR FOSS.

 

Figura 4 – Variáveis importantes para o parâmetro de digestibilidade in vitro da matéria orgânica (DIVMO), (A) amostras in natura lidas em NIR Perten, (B) amostras pré-secas e moídas lidas em NIR Perten e (C) amostras pré-secas e moídas lidas em NIR FOSS.

 

É importante enfatizar que em virtude da complexidade desses parâmetros de DIVMS e DIVMO as ligações (C-H, CH2, C-O, C-C, C-N, COOH), podem estar relacionadas com sua matriz química, com absorções em vários comprimentos de ondas, sendo reportadas como as que se relacionam a compostos aromáticos e grupos fenólicos, os quais podem estar associados a estrutura fibrosa das plantas (SHENK et al., 2008; XIAOBO et al., 2010; CHENG; SUN, 2017). E que a digestibilidade tem correlação com a composição dos alimentos, principalmente em celulose e lignina. Para celulose, a composição tem sido associada a informações coletadas nos comprimentos de onda 1490, 1780, 1820 2335, 2347, 2352 e 2488 nm e enquanto para lignina em 1100, 1170, 1410, 1417, 1420, 1440 nm (Figura 1) (WEYER, 1985; MCLELLAN et al., 1991; SHENK et al., 2008; AENUGU et al., 2011).

Os parâmetros observados para DIVMS e DIVMO, corroboram com os relatados por (SANTOS et al., 2022), que utilizaram dois tipos de instrumentação NIR para prever parâmetros de digestibilidades da matéria seca e da matéria orgânica do caroço de algodão, onde obtiveram informações espectrais semelhantes às encontradas neste estudo.

 

Conclusão

 

A instrumentação NIR associada às técnicas quimiométricas, previu com acurácia os teores de proteína bruta, digestibilidade in vitro da matéria seca e digestibilidade in vitro da matéria orgânica do farelo de trigo.

 

Conflitos de interesse

 

Não houve conflito de interesses dos autores.

 

Contribuição dos autores

 

Sueli Freitas dos Santos – realização da pesquisa experimental, coleta e interpretação de dados, escrita; Marco Aurélio Delmondes Bomfim – orientador da primeira autora na execução da pesquisa, ideia original, revisão e correção.

 

Agradecimentos

 

A Embrapa Caprinos e Ovinos, por ter apoiado e auxiliado no desenvolvimento da pesquisa em suas instalações. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão de bolsa de Desenvolvimento Científico Regional – DCR e a Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FUNCAP, pela concessão de auxílio financeiro para realização da pesquisa.

 

Financiamento

 

O(s) autor(es) declararam recebimento do seguinte apoio financeiro para a pesquisa, autoria, e/ou publicação deste artigo: este trabalho foi apoiado por uma bolsa de Desenvolvimento Científico Regional (DCR) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) [DCR- 0024-01687.01.00/16 SPU Nº 0543037/2016] e Fundação Cearense de Amparo à Pesquisa Científica e Desenvolvimento Tecnológico (FUNCAP) [DCR-0024-01687.01.00/16 SPU Nº 0543037/2016].

 

Referências bibliográficas

 

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Recebido em 10 de maio de 2023

Retornado para ajustes em 10 de agosto de 2023

Recebido com ajustes em 10 de agosto de 2023

Aceito em 12 de agosto de 2023