Redução de prolapso vaginal em uma porca SRD no município de São Francisco do Guaporé – RO – relato de caso

Revista Agrária Acadêmica

agrariacad.com

doi: 10.32406/v6n4/2023/25-30/agrariacad 

 

Redução de prolapso vaginal em uma porca SRD no município de São Francisco do Guaporé – RO – relato de caso. Reduction of vaginal prolapse in a mixed breed sow in the municipality of Sao Francisco do Guapore – RO – case report.

 

Denilson Oliveira Silva¹, Helder Henrique Felix Fernandes1, Hingrid Gomes Cardoso1, Mateus Gomes de Freitas1, Rafael Silva dos Santos1, Luiz Donizete Campeiro Junior2, Jomel Francisco dos Santos2*, Regina Tose Kemper3

 

1- Discente do Curso de Medicina Veterinária, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia – IFRO – JARU/RONDÔNIA – BRASIL.
2- Docente do Curso de Medicina Veterinária, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia – IFRO – JARU/RONDÔNIA – BRASIL. *Autor para correspondência: E-mail: jomel.santos@ifro.edu.br
3- Médica Veterinária, Ross University School of Veterinary Medicine.

 

Resumo 

 

O prolapso vaginal consiste no relaxamento da fixação da vagina na cavidade pélvica, permitindo a exposição da mucosa através da rima vulvar; essa enfermidade acomete grande variedade de animais de interesse zootécnico. É considerada uma condição multifatorial influenciada por diversos fatores, como manejo, ambiente, nutrição e higiene. O objetivo é relatar uma porca SRD, 80 kg, primípara, criada no sistema intensivo, com ração balanceada, que apresentou prolapso vaginal três dias após o parto. Foi utilizado a anestesia dissociativa com cetamina na dose de 30 mg/kg/IM e acepromazina na dose de 1 mg/Kg/IM, e bloqueio local com 3 ml de lidocaína. A anestesia dissociativa com cetamina mostrou-se eficaz no plano anestésico promovendo uma boa analgesia e não provocando nenhuma reação no animal que pudesse afetar seu instinto maternal; a sutura utilizada foi Wolf captonado e após processo operatório, o animal permaneceu no plantel até o desmame dos leitões.

Palavras chaves: Bem estar. Suínos. Cirurgia.

 

 

Abstract

 

Vaginal prolapse consists of the relaxation of the vagina’s attachment to the pelvic cavity, allowing the mucosa to be exposed through the vulvar rhyme; this disease affects a wide variety of animals of zootechnical interest. It is considered a multifactorial condition influenced by several factors, such as management, environment, nutrition and hygiene. The objective is to report a mixed breed sow, 80 kg, primiparous, raised in the intensive system, with balanced ration, which presented vaginal prolapse three days after birth. Dissociative anesthesia was used with ketamine at a dose of 30 mg/kg/IM and acepromazine at a dose of 1 mg/kg/IM, and local block with 3 ml of lidocaine. Dissociative anesthesia with ketamine proved to be effective in terms of anesthesia, promoting good analgesia and not causing any reaction in the animal that could affect its maternal instinct; the suture used was Wolf captonated and after the surgical process, the animal remained in the herd until the piglets were weaned.

Keywords: Welfare. Swine. Surgery.

 

 

Introdução

 

A suinocultura no Brasil é uma atividade econômica consolidada, com um plantel de matrizes estimado em 1.970.611 cabeças no ano de 2020. O Brasil vem se destacando dentro do cenário mundial, sendo o 4° maior produtor e o 4° maior exportador do mundo, com isso a atividade gera emprego e movimenta a economia do país (GOMES, 2021). Schwertz et al. (2021) relata o prolapso vaginal como umas das principais causas de morte ou descarte de fêmeas suínas da suinocultura industrial brasileira.

Os prolapsos vaginais podem der classificados em parciais ou totais de acordo com a exposição cervical, sua característica se dá pelo relaxamento da fixação da vagina na cavidade pélvica, assim permitindo modificação da posição da parede vaginal com saída e exposição da mucosa através da rima vulvar, podendo essa enfermidade acometer todas as espécies de animais, sendo mais observado principalmente em vacas, ovelhas e porcas; e é menos comum nas éguas, cabras, cadelas e gatas, acontecendo principalmente no terço final da gestação ou logo após o parto (SILVA, 2016).

Os fatores relacionados à ocorrência dessa enfermidade podem estar associados a características individuais das fêmeas ou podem ser fatores relacionados ao manejo que a fêmea é submetida, o ambiente, nutrição e/ou higiene, tornando os problemas reprodutivos, a causa mais comum no descarte precoce das fêmeas suínas dentro do plantel (MURO et al., 2020). O objetivo do presente estudo é relatar um caso de uma porca primípara com prolapso vaginal, mostrando a eficácia da utilização da cetamina feita a campo em suínos criados em sistema não intensivo.

 

Relato de caso

 

Foi atendido na região de São Francisco do Guaporé – RO, zona rural, uma matriz suína, sem raça definida (SRD), com aproximadamente 80 kg, mantida em sistema intensivo de suínos criado ao ar livre (SISCAL), com histórico, segundo o tutor, de receber ração balanceada com proteína a 14%, água e Panicum maximum cultivar Mombaça ad libitum. Uma semana antes da data de previsão de parto a fêmea foi confinada e a mesma dieta foi mantida, com troca de volumoso para capiaçu.

Na anamnese, os cuidadores relataram que a matriz teve um trabalho de parto prolongado de aproximadamente 12 horas e período extenso entre o nascimento entre leitões. Não foi necessária intervenção durante o parto e a produção e sucção de colostros foram bem-sucedidos. Três dias após o parto os cuidadores notaram um aumento da região da vulva e atendimento veterinário foi requisitado. No exame clínico notou-se a protrusão da mucosa vaginal, que se apresentava normocrômica (figura 1) e indicado a intervenção cirúrgica.

Os leitões foram separados da matriz para iniciar o processo de sedação e contenção química. Foi utilizado a associação de cetamina na dose de 30mg/Kg/IM e acepromazina na dose de 1,1 mg/Kg/ IM profunda; o animal entrou em decúbito lateral aproximadamente 5 minutos após a aplicação. Então foi posicionado em decúbito ventral com leve elevação da cabeça. A mucosa vaginal e períneo foram lavados com água gelada e açúcar abundantemente. Após a higienização, o bloqueio local na região vulvar foi realizado com lidocaína sem vasoconstritor na dose de 3 ml.

Realizou-se a palpação para avaliar se havia torção uterina, constatando-se ausência; procedeu-se a redução da mucosa prolapsada para a cavidade. Com fio de nylon 1, realizou-se a redução de bordas com utilização do padrão de sutura Wolf captonado; após 35 minutos do início do protocolo anestésico a porca iniciou recuperação anestésica. A matriz ficou separada dos leitões por aproximadamente 3 horas, até a recuperação completa da propriocepção evitando assim possível pisoteio dos leitões. Foi utilizado anti-inflamatório dexametasona, a dose utilizada foi de 1,0 mg para cada 10 kg/ peso vivo (PV), via intramuscular (IM).

 

Figura 1 – Porca com prolapso vaginal. Fonte: (KEMPER, 2022).

 

No pós-operatório, devido à dificuldade de manejo, e os animais ficarem em baias soltas, e não em baias de gaiolas onde facilitaria o curativo, como método de evitar infecção no local da cirurgia, a limpeza da baia era feita mais constante e o animal foi acompanhado de perto pelos cuidadores para monitorar possível desenvolvimento de miíase, sendo este o método de profilaxia adotado, devido a circunstância que a propriedade apresentava. O edema local cessou completamente no quinto dia pós cirúrgico. A porca não teve queda da produção de leite e os leitões não apresentaram diarreia, sendo os mesmos desmamados com 27 dias, com média de 6 kg por animal, e após 3 dias do desmame, foi feito o abate do animal para consumo.

 

Resultados e discussão

 

O paciente apresentava um prolapso vaginal, o qual consiste na projeção da parede da vagina para o exterior pela rima vulvar; sua etiologia se dá por diversas causas, como relaxamento do sistema de fixação da vagina, aumento da pressão intra-abdominal, defeitos anatômicos, problemas hormonais, principalmente aumento de estrógeno, obesidade, inflamação na região vulvar e predisposição hereditária (MONGELLI et al., 2022).

Os veterinários que trabalham a campo a cada dia se deparam com novos desafios e com isso, faz desses desafios a força para exercer a profissão e salvar seus pacientes. O procedimento realizado cirúrgico foi o método de realojar novamente o prolapso para o interior da vagina; o animal estava em período lactente devido a parturição recente, sendo este fator uma grande preocupação, devido o animal ter queda na produção de leite e afetar o desenvolvimento dos leitões.

O protocolo feito para a realização do procedimento cirúrgico promoveu uma boa sedação em torno de 35 minutos, e o animal não apresentou sinais de dor durante o procedimento. A cetamina e acepromazina foram aplicados por via IM, conforme Thurmon et al. (1996), que afirmam ser a via IM a mais indicada para a imobilização e indução da anestesia em suínos.

O uso da cetamina mais acepromazina não proporcionam uma analgesia total, entretanto o bloqueio local com lidocaína garante um procedimento seguro para fazer a manipulação naquela região sem que o animal sinta desconforto (COSTA et al., 2020). A sutura foi bem-procedida, o pós-operatório foi satisfatório, onde o animal manteve uma boa lactação, os leitões não apresentaram diarreia, não foi feito a retirada dos pontos, pois o animal tinha que ser sedado novamente com isso iria aumentar os custos com o serviço do veterinário e medicamentos, sendo que a porca após o desmame dos leitões iria para o abate, então não se achou viável fazer o procedimento.

Uma outra alternativa de plano anestésico para o atendimento a campo principalmente como medicação pré-anestésica, pode se destacar o uso da azaperona com midazolam por via IM, de modo que a azaperona, sendo um derivado butirofenônico, produz bons resultados na ação comportamental, reduzindo o estresse, agressividade, e promove a potencialização do anestésico em gerais. Porém, as butirofenonas podem provocar alterações cardiovasculares e térmicas, além de inibição psicomotora, ou seja, diminuição de atividade involuntária e aumento do tempo de reação (GINESTET, 1998). Já o midazolam, da família dos benzodiazepínicos, é um excelente sedativo e indutor, e associado a azaperona promove bons resultados nos procedimentos cirúrgicos (MARQUETI, 2008). Além disso, o midazolam exercem seus efeitos ao se ligarem a sítios específicos no complexo macromolecular do sistema receptor do GABA, potencializando a captação de cloreto para dentro do axônio, com consequente hiperpolarização e ação inibitória (WIKINSKI, 2001).

Segundo Melotti e Mattos (2020), o uso da anestesia peridural/local usada tem a finalidade de evitar que o animal force o local da sutura, além de dessensibilizar a área, onde ele fez a lavagem com água e antisséptico não irritante suave; em seguida, foi introduzido o órgão de forma que evitasse que o tecido sofresse algum trauma; a técnica utilizada foi a de “cadarço de sapato” por ser prático e fácil (podendo ser feito a sutura Wolf captonado), com a confirmação de que animais que já tiveram casos de prolapso vaginal, devem seguir para o descarte devido a probabilidade de ocorrer novamente o prolapso ser muito grande.

A resistência bacteriana aos antibióticos é um fenômeno multifatorial, o uso indiscriminado desses medicamentos é responsável pelo aumento constante de cepas resistentes (MARIOTINI; CARVALHO, 2020). Visando esse cenário não se optou pelo uso de antibiótico preventivo na porca, devido ao prolapso não ter presença de necrose e nem fibrina na parte superior, e também pelo fato de que o animal estava sendo monitorada rotineiramente, assim, sendo indicado o uso de antibiótico somente em caso de necessidade.

 

Conclusão

 

Conclui-se que o protocolo anestésico utilizando a campo, cetamina associado a acepromazina, com anestesia local por lidocaína, em uma porca primípara apresentando prolapso vaginal mostrou eficácia, possibilitando realizar a técnica cirúrgica com segurança, fazendo assim a correção do prolapso por meio da sutura Wolf captonado, sem gerar complicações e efeitos colaterais notórios. O processo não afetou na habilidade materna do animal que 3 horas após a cirurgia foi realojada novamente com seus leitões permanecendo até o desmame. O pós-operatório foi satisfatório o animal não teve nenhum trauma.

 

Conflitos de interesse

 

Não houve conflito de interesses dos autores.

 

Contribuição dos autores

 

Denilson Oliveira Silva, Helder Henrique Felix Fernandes, Hingrid Gomes Cardoso, Mateus Gomes de Freitas, Rafael Silva dos Santos – ideia original, escrita, leitura e interpretação da obra. Luiz Donizete Campeiro Junior, Jomel Francisco dos Santos e Regina Tose Kemper – orientação, correções e revisão do texto.

 

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Recebido em 18 de dezembro de 2022

Retornado para ajustes em 12 de março de 2023

Recebido com ajustes em 7 de setembro de 2023

Aceito em 12 de setembro de 2023