Gastrosquise em filhote canino sem raça definida – relato de caso

Revista Agrária Acadêmica

agrariacad.com

doi: 10.32406/v6n1/2023/35-39/agrariacad

 

Gastrosquise em filhote canino sem raça definida – relato de caso. Gastroschisis in a non-defined canine puppy – case report.

 

Ana de Paula Leite da Silva¹, Ana Paula de Amorim Souza¹, Angela Cristina Ferraz Caciano¹, Elãine Lopes Pereira¹, Leonardo Rosa da Silva¹, Ronaldo Santos Chagas¹, Ana Carla de Lima Scarpati2, Juliana Sousa Terada Nascimento3, Luiz Donizete Campeiro Junior3, Jomel Francisco dos Santos3*

 

1- Discente do Curso de Medicina Veterinária, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia – IFRO – JARU/RONDÔNIA – BRASIL.
2- Médica Veterinária. Universidade Federal de Rondônia – UNIR – ROLIM DE MOURA/RONDÔNIA – BRASIL.
3- Docente do Curso de Medicina Veterinária, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia – IFRO – JARU/RONDÔNIA – BRASIL.
*Autor para correspondência: E-mail: jomel.santos@ifro.edu.br

 

Resumo

 

Em neonatos caninos os defeitos congênitos são comumente encontrados na rotina clínica veterinária. Dentre eles está a gastrosquise, onde consistem em uma falha no fechamento da parede abdominal durante o período fetal, desencadeando a saída de órgãos abdominais e, algumas vezes, também órgãos da cavidade torácica. Animais acometidos com essa anomalia podem apresentar tratamento limitado. A fim de garantir bom prognóstico aos pacientes portadores, como no caso apresentado, realizou-se o procedimento cirúrgico de gastrosquise com sucesso. O presente trabalho tem por objetivo apresentar um relato de caso de um paciente canino diagnosticado com gastrosquise, sendo realizado procedimento cirúrgico de reposição do intestino e fechamento da cavidade abdominal do animal. O procedimento anestésico e a correção cirúrgica foram eficaz para a correção da malformação.

Palavras-chave: Defeitos congênitos. Isofluorano. Neonatos.

 

 

Abstract

 

In canine neonates, birth defects are commonly encountered in routine veterinary practice. Among them is gastroschisis, which consists of a failure to close the abdominal wall during the fetal period, triggering the exit of abdominal organs and, sometimes, also organs of the thoracic cavity. Animals affected with this anomaly may have limited treatment. In order to guarantee a good prognosis for carrier patients, as in the case presented, the surgical procedure of gastroschisis was successfully performed. The present work aims to present a case report of a canine patient diagnosed with gastroschisis, where a surgical procedure was performed to replace the intestine and close the animal’s abdominal cavity. The anesthetic procedure and surgical correction were effective in correcting the malformation.

Keywords: Congenital defects. Neonates. Isoflurane.

 

 

Introdução

 

Em neonatos, os defeitos congênitos são comumente encontrados na rotina clínica médica veterinária, correspondendo a alterações nas proporções corporais, cabeça e face, abdômen, tórax e coluna vertebral, membros e cauda, órgãos genitais e ânus (JERICÓ et al., 2015). Segundo Little (2011), tais defeitos podem ser ocasionados devido a fatores maternos, gestacionais, ambientais, genéticos e infecciosos.

Dentre as anomalias congênitas que afetam os neonatos, está a gastrosquise. Sendo caracterizada pela extrusão do intestino fetal durante a vida intrauterina, estando relacionada a um defeito secundário na parede abdominal anterior (MIRANDA et al., 2013).  De acordo com Jericó et al., (2015), há uma falha no fechamento da parede abdominal durante o período fetal, desencadeando a saída de todos os órgãos abdominais e, algumas vezes, também os torácicos.

Existem várias hipóteses para explicar a patogênese da gastrosquise, como por exemplo, falha do mesoderma no processo de formação da parede abdominal, ruptura do âmnio ao redor do anel umbilical, involução anormal da veia umbilical, levando a uma fragilidade da parede abdominal e ruptura da artéria vitelina direita com subsequente lesão da parede abdominal fetal (SILVA et al., 2021).

O uso de anestesia em neonatos na realização de procedimento cirúrgico para correção das vísceras, deve ser realizada de forma criteriosa, visto que esses animais possuem um rápido metabolismo, maior quantidade de pele do que músculo e apresentam aproximadamente 80% de água corporal, sendo que a maior parte se encontra no espaço extravascular (COELHO, 2021).

Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo apresentar um relato de caso de malformação congênita caracterizada por gastrosquise em um paciente canino SRD e demonstrar o protocolo anestésico utilizado no procedimento cirúrgico de reposição do intestino e fechamento da cavidade abdominal do animal.

 

Relato de caso

 

Foi atendido em uma Clínica Veterinária na cidade de Jaru/RO, uma cadela com 3 anos de idade, SRD, pesando 8 kg, com queixa clínica de trabalho de parto há aproximadamente 24 horas. Ao exame clínico apresentava dificuldade respiratória e secreção vaginal condizente com parto distócico. Os demais parâmetros do exame físico estavam dentro dos padrões de normalidade para a espécie, foi então indicado o procedimento cirúrgico.

Durante a cesariana de emergência foram retirados 6 filhotes, sendo que um apresentou má formação da parede abdominal e exposição de parte do intestino (Figura 1A), caracterizando a anomalia congênita denominada gastrosquise. O defeito da parede abdominal era de aproximadamente 0,5 cm resultando na exposição das alças intestinais.

Foi indicada a correção cirúrgica (Figura 1B), onde as vísceras foram envolvidas por compressa embebida em soro fisiológico aquecido. No animal não foi utilizada medicação pré-anestésica, porém o mesmo foi induzido e mantido com máscara de isofluorano na concentração de 2% em vaporizador universal. Para o reposicionamento das vísceras foi necessário aumentar o defeito em parede abdominal e, em seguida, realizar abdominorrafia com pontos de padrão simples separado, utilizando fio de sutura nylon 4-0.

No pós-cirúrgico recomendou-se limpeza da ferida cirúrgica com soro fisiológico NaCl a 0,9% e uso tópico de rifocina spray SID por 10 dias, no entanto, no retorno para retirada das suturas cutâneas a tutora relatou que não aderiu às recomendações. O retorno ocorreu com 10 dias, sendo feita a retirada das suturas cutâneas do filhote (Figura 1C), no qual o animal apresentava bom estado de saúde.

 

Figura 1 – Fotografias representativas do caso apresentado.  A)  Má formação da parede abdominal e exposição das alças intestinais do neonato. B) Pós cirúrgico imediato. C) 10 dias após correção cirúrgica.

 

Resultados e discussão

 

As anomalias congênitas possuem várias etiologias, tais como causas hereditárias, endogamia, agentes infecciosos, substâncias químicas ou deficiências nutricionais, que levam a irregularidades estruturais desencadeando em variações morfológicas funcionais de tecidos, órgãos ou sistemas e, que em caninos na maioria dos casos é de origem idiopática e raramente acometidos (SILVA et al., 2021). A gastrosquise é uma malformação congênita caracterizada pela evisceração do intestino fetal ainda na vida intrauterina, decorrente de um defeito de fechamento da parede abdominal (JERICÓ et al., 2015).

Durante o procedimento cirúrgico, observou-se a necessidade de aumentar o defeito em parede abdominal para reposicionar as vísceras na cavidade abdominal, seguido de abdominorrafia, onde o animal apresentou plena recuperação. Segundo Silva et al. (2021), a correção cirúrgica   apresenta   dificuldades, pois como fator agravante podem ser citados a desproporção entre vísceras e cavidade abdominal, ocasionando comprometimento    funcional    do    trato    gastrintestinal e respiratório e predispondo a infecções, sendo assim, o neonato terá baixa expectativa de vida.

No presente relato, optou-se por utilizar apenas anestesia inalatória durante o procedimento de abdominorrafia. O fármaco de escolha foi o isoflurano na concentração de 2%, que foi ministrado por vaporizador universal. No entanto, é necessário o desenvolvimento de mais pesquisas sobre os protocolos anestésicos utilizados em neonatos, tanto inalatórios como intravenosos, pois apesar de haver maior indicação sobre a utilização dos inalatórios, podem ocorrer distúrbios neurocomportamentais por apoptose celular em células do sistema nervoso devido a exposição prolongada de mais de 5 horas por isofluorano (COELHO, 2021).

Assim como em animais adultos, em neonatos também requer o acompanhamento e monitoração dos parâmetros vitais durante os processos anestésicos. Esse acompanhamento pode ser através de eletrocardiograma, capnógrafo, doppler para mensurar a Pressão Arterial, no intuito de evitar intercorrências como alterações cardiorrespiratórias e aprofundamento da anestesia durante o plano anestésico (COELHO, 2021; GABAS et al., 2006; OLIVA et al., 2018). Contudo, no presente relato não foram aferidos esses parâmetros no animal.

Animais recém-nascidos com gastrosquise são um desafio para os clínicos e a padronização dos cuidados para os animais com esse tipo de anomalia permite a evolução da prática, assim como, a melhoria dos resultados dos procedimentos cirúrgicos e uma boa relação custo-benefício, apoiando uma cultura organizacional dedicada à constante melhoria (BIGIO et al., 2022).

 

Considerações finais

 

As malformações congênitas de gastrosquise em neonatos requerem mais estudos sobre suas causas, prevenção e o uso de fármacos anestésicos, visto que possuem tratamento limitado, a fim de garantir um bom prognóstico aos animais portadores.

Conclui-se que o procedimento anestésico utilizado no presente trabalho proporcionou anestesia necessária para a correção cirúrgica de reposição do intestino e fechamento da cavidade abdominal do animal. O protocolo anestésico se mostrou seguro controlando adequadamente a dor e sem efeitos adversos no paciente.

 

Conflitos de interesse

 

Não houve conflito de interesses dos autores.

 

Contribuição dos autores

 

Ana de Paula Leite da Silva, Ana Paula de Amorim Souza, Angela Cristina Ferraz Caciano, Elãine Lopes Pereira, Leonardo Rosa da Silva, Ronaldo Santos Chagas – ideia original, escrita, leitura e interpretação da obra. Ana Carla de Lima Scarpati, Juliana Sousa Terada Nascimento, Luiz Donizete Campeiro Junior e Jomel Francisco dos Santos – orientação, correções e revisão do texto.

 

Referências bibliográficas

 

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COELHO, C. S. Anestesia intravenosa total em pacientes caninos neonatais e pediátricos: revisão de literatura. 32f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos, Faculdade de Medicina Veterinária, 2021. Disponível em: https://dspace.uniceplac.edu.br/handle/123456789/1810. Acesso em: 21 out. 2022.

GABAS, D. T.; MATSUBARA, L. M.; OLIVA, V. N. L. S.; RODELLO, L.; ROSSI, C. N.; PERRI, S. H. V. Estado neurológico e cardiorrespiratório de filhotes de cães nascidos de parto normal ou de cesariana sob anestesia geral inalatória com sevofluorano. Ciência Rural, v. 36, n. 5, p. 1450-1455, 2006. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-84782006000500016. Acesso em: 20 nov. 2022.

JERICÓ, M. M.; ANDRADE NETO, J. P.; KOGIKA, M. M. Tratado de Medicina Interna de Cães e Gatos. Rio de Janeiro: Roca, 2015, 1291p.

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MIRANDA, D. F. H.; AZEVEDO JÚNIOR, J. W. C.; FERRAZ, M. S.; PESSOA, G. T.; BEZERRA, D. O.; FORTES, E. A. M.; CONDE JÚNIOR, A. M. Malformações congênitas em neonatos felinos: relato de caso. PUBVET, v. 7, n. 4, art. 1503, 2013. Disponível em: https://doi.org/10.22256/pubvet.v7n4.1503. Acesso em: 21 out. 2022.

OLIVA, V. N. L. S.; QUEIROZ, M. C. V. G.; ALBUQUERQUE, V. B.; CARREIRA, J. T.; SOUZA, Talita F. B.; FERREIRA, G. T. N. M.; ABIMUSSI, C. J. X.; VIDES, J. P. Métodos de avaliação da vitalidade neonatal de cães após cesariana sob anestesia geral inalatória. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 38, n. 6, p. 1172-1177, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1678-5150-PVB-5350. Acesso em: 20 nov. 2022.

SILVA, A C. F.; MEDEIROS, L. K. G.; FELIPE, G. C.; RODRIGUES, L. A.; FILGUEIRA, F. G. F.; SÁ, M. J. C.; NOBREGA NETO, P. I. Gastrosquise e toracosquise em um canino. PUBVET, v. 15, n. 9, art. 914, p. 1-4, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.31533/pubvet.v15n09a914.1-4. Acesso em: 21 out. 2022.

 

 

 

Recebido em 18 de dezembro de 2022

Aceito sem ajustes em 21 de março de 2023