Cão especialista em odor na busca de pessoas desaparecidas – relato de caso

Revista Agrária Acadêmica

agrariacad.com

doi: 10.32406/v6n3/2023/49-58/agrariacad

 

Cão especialista em odor na busca de pessoas desaparecidas – relato de caso. Specialist odor dog in the search for missing persons – case report.

 

Éderson Luis Lima Gomes1, Sandra Márcia Tietz Marques2

 

1- Bombeiro. Especialista em Cinotecnia Policial. CEBS – Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul – Av. Mauá 1050 – Porto Alegre – RS. E-mail: edertakwondo@yahoo.com.br
2- Médica Veterinária – Faculdade de Veterinária – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Av. Bento Gonçalves, 9090, Bairro Agronomia, CEP: 91540-000, Porto Alegre – RS. Autor para correspondência. Fone: (51) 3308-6136. E-mail: santietz@gmail.com

 

 

Resumo

 

Este relato descreve um caso de busca e resgate de pessoa desaparecida através da utilização de cão especializado no método de busca por odor específico. O trabalho do cão e seu parceiro, um bombeiro militar, foi executado em 2021. O cão da raça Pastor holandês, fêmea, com quatro anos, de porte médio e musculoso, pelagem curta e dura, coloração tigrada, apresentando máscara preta e orelhas eretas, pesava 25 kg e de expressão inteligente e sagaz. Durante a formação, o cão deve aprender a trabalhar livre, utilizando os sentidos do faro, visão e audição, ter bom controle de obediência, ter boa socialização com pessoas e animais e trabalhar em ambientes diversos. Este tipo de operação é oficial e participam dela várias entidades governamentais. O cão logrou êxito na missão.

Palavras-chave: Cães de detecção. Faro. Olfato canino. Busca e resgate.

 

 

Abstract

 

This report describes a case of search and rescue of a missing person using a dog specialized in the search method by specific odor. The work of the dog and his partner, a military firefighter, was carried out in 2021. The Dutch Shepherd, female, four years old, medium-sized and muscular, short and hard coat, brindle coloration, with a black mask and erect ears, weighed 25 kg and had an intelligent and shrewd expression. During training, the dog must learn to work free, using the senses of smell, sight and hearing, have good obedience control, have good socialization with people and animals and work in different environments. This type of operation is official and several government entities participate in it. The dog succeeded in the mission.

Keywords: Detection dogs. Faro. Canine smell. search and rescue.

 

 

Introdução          

 

Os seres humanos deram aos cães domésticos (Canis lupus familiaris) uma infinidade de papéis como companheiros e colegas de trabalho. Uma dessas funções envolve a detecção de pessoas, animais, de pragas urbanas e recentemente a detecção de doenças que, de algum modo, são detectadas (FURTON; MYERS, 2001), uma contribuição única e crítica para a sociedade, em busca e salvamento, biologia da conservação, diagnóstico médico e aplicação da lei (ROSELL, 2018). 

A capacidade do canino para detecção de odores foi relatada em até 10.000 a 100.000 vezes do ser humano médio, e o limite inferior canino de detectabilidade para compostos orgânicos voláteis é de uma parte por trilhão (ppt) (WALKER et al., 2006). Esse sentido aguçado dá aos caninos a capacidade de detectar um grande número de compostos químicos contendo moléculas que exibem diferenças sutis nas estruturas estereoisoméricas (RIEZZO et al., 2004; JENKINS et al., 2018).

O olfato canino é crucial para coletar informações importantes sobre o ambiente, reconhecer indivíduos, tomar decisões e aprender. É muito mais especializado e sensível do que o olfato dos humanos. Usando a força do olfato canino, os humanos trabalham com cães para o reconhecimento de diferentes odores, com uma precisão que excede em muito as capacidades analíticas da maioria dos instrumentos modernos. Devido ao seu olfato extremamente sensível, os cães podem ser usados ​​como scanners móveis modernos e supersensíveis, detectando sinais químicos específicos em tempo real em vários ambientes fora do laboratório e, em seguida, rastreando o odor de alvos dinâmicos até sua fonte, também em lugares lotados. Estudos recentes mostram que os cães podem detectar não apenas cheiros específicos de drogas ou explosivos, mas também mudanças nas emoções, bem como no metabolismo das células humanas durante várias doenças (KOKOCIŃSKA-KUSIAK et al, 2021).

Os odores geralmente consistem em vários constituintes químicos, a maioria dos quais são compostos orgânicos voláteis de baixo peso molecular (AUFFARTH, 2013). Além disso, essas misturas complicadas existem em várias fases simultaneamente: vapor, aerossol e líquido, quando depositadas em uma superfície. Cada reservatório potencial pode ter uma composição química diferente. Três parâmetros importantes que determinam essa composição são temperatura do ar, umidade relativa e velocidade do vento. Assim, os estímulos olfativos disponíveis para um animal navegante são altamente dinâmicos no espaço e no tempo, devido tanto às condições termodinâmicas atmosféricas locais (temperatura e umidade relativa) quanto às condições locais de fluxo atmosférico (velocidade e variabilidade) (JINN et al., 2020).

A habilidade do cão para investigar marcações territoriais e na detecção de amigos e inimigos é treinada. Quando bem trabalhado, o olfato canino pode ser utilizado para busca de pessoas desaparecidas ou corpos humanos em desastres, rastreamento e identificação de suspeitos de crimes, detecção de drogas, explosivos, minas terrestres, contrabando, alimentos e, mais recentemente, a detecção de marcadores de odores relacionados a doenças humanas e animais (GAZIT et al., 2003).

Os métodos para testar a detecção de cheiros caninos variam, influenciando as métricas de desempenho e a validade dos resultados. Operadores, equipes de gerenciamento, formuladores de políticas e autoridades policiais dependem de dados científicos para tomar decisões, elaborar políticas e desenvolver tecnologias caninas. A falta de informações científicas e protocolos padronizados na indústria de cães detectores adicionam dificuldades e imprecisões ao tomar decisões informadas sobre capacidade, vulnerabilidade e análise de risco na utilização do faro canino (HELTON, 2009; LAZAROWSKI et al., 2020).

O método do odor específico apresenta o cão ao odor exclusivo do alvo que se quer encontrar.  O cheiro único que seres humanos mortos exalam é realmente único: cães farejadores treinados para isso podem diferenciar entre o cheiro de restos mortais humanos e o cheiro de carcaças de animais. Cães experientes ou cães submetidos a treinamento intensivo são mais bem-sucedidos (WOIDTKE et al., 2018; JACKOWSKI et al., 2021). 

Alguns estudos mostraram que os cães são capazes de combinar itens tocados por uma pessoa em especial e discriminar de outro item tocado por qualquer indivíduo, inclusive com o cheiro de seu treinador. Portanto, cães especialmente treinados têm sido usados ​​por agências de aplicação da lei para ajudar em investigações criminais e na busca de pessoas desaparecidas. Ainda assim, não estão claros quais componentes do cheiro humano liberados no ambiente contribuem para buscas bem-sucedidas de indivíduos (JACKOWSKI et al., 2021). 

Os cães de busca estão, portanto, emergindo como um paradigma experimental, importante tanto por suas contribuições inestimáveis ​​para a sociedade quanto pelo avanço de questões teóricas em comportamento e cognição. Apesar do campo emergente da psicologia cognitiva canina (HOROWITZ, 2014), há uma notável escassez de estudos sobre a cognição subjacente à busca olfativa em cães porque não existe simplicidade tanto no estudo do comportamento canino como ser sociável, de companhia e de trabalho. A complexidade é vinculada as dificuldades de ferramentas específicas para medir e padronizar o comportamento nas diversas situações que se apresentam quando se trabalha com o cão. E tudo se vincula ao trabalho e conhecimento do parceiro/treinador para reconhecer as habilidades de seu cão em obter êxito no aprendizado da busca pelo odor. Portanto, o objetivo deste relato é apresentar o trabalho de um cão de resgate treinado por seu parceiro, um bombeiro da Companhia Especial de Busca e Salvamento – CEBS – do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sol na busca de pessoa desaparecida através do odor específico.

 

Relato de caso

 

Este relato de caso foi destaque no jornal Acontece da cidade de Portão, Rio Grande do Sul, e repercutiu de forma sensível para a família do idoso desaparecido. A matéria jornalística datada de 16 de dezembro de 2021 assim se configura:

 

“O Corpo de Bombeiros Militar de Portão, junto da Companhia Especial de Busca e Salvamento (CEBS), com sede em Porto Alegre, localizaram o corpo de um idoso próximo ao Rio dos Sinos na tarde desta quinta-feira. O cadáver estava em área de banhado a cerca de 1,3  km da Estrada do Socorro e a 1,5 km da Balsa do Carioca. Na operação foi imprescindível o uso dos cães de buscas da CEBS, pois foi dado um chinelo da vítima para os cães sentirem o cheiro/odor dela. Logo após os cães foram postos no terreno e então encontraram um rastro de odor que foi seguido e sinalizado, o que levou à localização da vítima, que não apresentava sinais de violência. De acordo com o comandante do CB de Portão, Luís Rodrigo Bialoso, familiares procuraram a corporação nesta quarta (15) à noite para que ajudasse nas buscas ao idoso, sendo iniciadas de imediato. A causa da morte ainda não é conhecida pelas autoridades. Nem mesmo a hipótese de morte natural está descartada. Os bombeiros tiveram também de prestar os primeiros socorros à esposa do idoso, pois passou mal e precisou ser hospitalizada ao receber a notícia da morte”.

 

Concluída a fase preliminar de coleta de dados, organização da equipe, as informações sobre a vítima e os materiais para coleta de odor para apresentar para os cães, o(s) binômio(s) e demais integrante da busca se deslocaram para a área de busca estabelecida. O uso de drone permitiu com maior brevidade visualizar a vítima ou descartar áreas de busca. A vista panorâmica permitiu que o tempo de busca fosse reduzido e a probabilidade de a equipe encontrar a vítima com vida, menor dano físico e à sua saúde, que é o esperado nas missões.

O trabalho teve início com o cão General, da raça Pastor Belga Malinois que é especialista em busca de pessoas vivas e em óbito, através da técnica de varredura de área com a técnica K-Sar, na qual o cão procura sem guia qualquer pessoa que esteja na área demarcada para a busca, neste caso o desaparecido era idoso com Alzheimer. A única informação repassada por populares é que o haviam avistado parado em frente ao cemitério, próximo de sua residência no dia anterior. A busca foi iniciada por varredura de área, com a estratégia de iniciar a partir deste local e as áreas foram sendo descartadas por quadrantes. Na área de mata fechada, a utilização do drone serviu para verificar áreas de campo e de plantações. Após cinco horas de busca foi localizado um pé de sandália de couro, reconhecida pelos familiares como sendo do desaparecido. A partir deste objeto pessoal a técnica escolhida foi de busca de pessoas por odor específico com a cadela Katrina, da raça pastor holandês, especialista nesta modalidade. O cão utiliza um peitoral atrelado a uma guia longa e inicia a busca com o comando de “busca”. A cadela Katrina trilhou, através das partículas de decomposição celular (PDC) do desaparecido, a distância de 500 metros até a localização da vítima, que estava em óbito, em decúbito dorsal e sem sinais de violência.

 

Discussão

 

O cão para se tornar especialista em busca de pessoa por odor específico passa por treinamento diário de no mínimo 12 meses, com treinamento em diversas fases, sempre com o uso de uma guia longa e peitoral adequado. Inicia-se criando uma trilha com petiscos (migalhas) deixados com intervalo de 15 cm para que o cão aprenda a rastrear com focinho no chão, sem perder o foco com distrações, até chegar à porção maior de petisco (pote) no final da trilha. Com o domínio deste rastreio, o cão aprende a trilhar odores humanos específicos, começando com o odor do condutor, onde irá receber o petisco no final da trilha, das mãos do condutor. Posteriormente, inicia  o treinamento com o figurante, que deve ser pessoa que tenha afinidade com o cão e com o condutor. O figurante chama a atenção do cão e se despede do condutor enquanto o cão visualiza o deslocamento do figurante, enquanto introduz o artigo de cheiro para o cão coletar o odor em um saco plástico transparente e em seguida o condutor comanda o cão para ir atrás do figurante, usando a expressão “busca” como comando para iniciar o trabalho.  Quando o cão chega até o figurante, o treinador e o figurante fazem uma grande festa e dando o petisco ou brinquedo preferido pelo cão, e paralelo treinando a marcação do cão (pular, que é o mais preferível ou outra marcação) para saber quando o odor da pessoa apresentada no início da trilha e indicado pelo cão no final da trilha.

Quando o cão demonstra foco e segurança durante os treinamentos de autofiguração é hora de avançar para a última fase de treinamento que é a universalização de figurantes, na qual o cão saberá localizar qualquer pessoa quando apresentado ao odor no início da trilha. Quando o cão está continuamente encontrando o figurante é hora de progredir para distâncias mais longas e curvas no trajeto da trilha, continuar avançando com o nível de dificuldade sempre com uso de marcadores do trajeto dos figurantes.

Durante o treinamento do cão de busca de pessoa por odor específico devem ser apresentados os compostos orgânicos voláteis (COV) liberados durante a decomposição humana para que cão, quando no final da trilha venha encontrar uma pessoa em óbito, ele se aproxime e não se assuste com a vítima.

Os cães selecionados para esta especialidade precisam ter determinadas características ou habilidades, como gostar de pessoas, temperamento hiperativo e brincalhão, para que assim, durante o treinamento e ocorrência de busca de pessoas vivas ou em óbito, o cão tenha o “efeito de recompensa”, em recebê-la quando localiza uma pessoa viva ou restos biológicos humanos (RBH). Durante esta formação o cão deve aprender a trabalhar ancorado ao seu condutor através da guia longa e peitoral adequado; para poder desempenhar este trabalho de busca e resgate ele precisa ser ótimo em utilizar seus sentidos de faro, visão e audição, ter bom controle de obediência, ter boa socialização com pessoas e animais e ambientação em ambientes diversos.

O cão para ser especialista em cadáver e restos mortais passa por treinamento diário de no mínimo 12 meses. Este treinamento o habilitará a indicar um corpo ou restos desse em qualquer estado de decomposição, inclusive restos esqueletizados. O cão terá contato com gases/odores de 450 a 479 COV (Composto Orgânico Volátil) liberados durante a decomposição humana. Durante esta formação o cão deve aprender a trabalhar livre, na técnica K-SAR (Kanine Search and Rescue – Cães de Busca e Salvamento), cujo trabalho de busca e resgate utiliza os sentidos de faro, visão e audição, ter bom controle de obediência, ter boa socialização com pessoas e animais e ambientação em ambientes diversos (GOMES; MARQUES, 2022).

Qualquer que seja a assinatura química, ela está presente em todo o processo, desde cadáveres frescos, mortos há poucas horas até esqueletos de muitos anos de idade. O cheiro está presente em diversos tipos de tecidos, incluindo sangue, ossos e gordura. Os cães farejadores treinados de forma apropriada podem identificar o cheiro não apenas em cadáveres completos, mas em poças de sangue, ossos e em restos mortais cremados. Eles podem até mesmo identificar o cheiro deixado no solo depois de um corpo ter sido removido do túmulo. O cheiro único que seres humanos mortos exalam é realmente único: cães farejadores treinados para isso podem diferenciar entre o cheiro de restos mortais humanos e o cheiro de carcaças de animais (SMITH-STRICKLAND, 2015).

Um estudo com amostras de saliva e suor axilar foram coletadas de 190 pessoas e o DNA foi extraído do sangue total de sete pessoas e também usado como amostra de odor. Ao todo foram realizados 675 testes (trilhas) durante um período de 18 meses. A capacidade de rastrear indivíduos com as amostras de odor mencionadas acima foi examinada com sete cães, quatro dos quais eram cães especialmente treinados da Polícia da Saxônia. Os resultados indicaram que cães policiais especialmente treinados podem rastrear uma pessoa com uma taxa média de sucesso de 82% e identificar corretamente a ausência de um rastro de odor com uma taxa média de sucesso de 97% sob várias condições. Cães de resgate privados tiveram menos sucesso com uma taxa média de sucesso de 65% e 75%, respectivamente. Esses dados sugerem que a taxa de erro potencial de uma equipe de manipuladores bem treinada é baixa e pode ser uma ferramenta útil para o pessoal de aplicação da lei. A saliva, como fonte de odor de referência, foi considerada particularmente adequada para a pesquisa. Os resultados do estudo sugeriram que os componentes contidos no suor axilar, na saliva e no DNA extraído do sangue total são suficientes, servindo como estímulo fundamental para buscas individualizadas (WOIDTKE et al., 2018).

É importante observar que ainda faltam estudos para determinar quais componentes do odor humano são utilizados pelos cães para rastreamento individual. Uma terminologia de três componentes para fatores de odor humano foi descrita. Primeiro, o “odor primário”, que contém constituintes estáveis ​​ao longo do tempo, independentemente da dieta ou de fatores ambientais. O “odor secundário” contém constituintes que estão presentes devido à dieta e a fatores ambientais e o “odor terciário” contém constituintes que estão presentes devido à influência de fontes externas. Esses fatores são descritos como estáveis ​​ao longo do tempo (fatores genéticos) ou variam com as condições ambientais ou internas (CURRAN et al., 2005; CURRAN et al., 2007; SCHOON, 1996; SCHOON et al., 2009). 

Também não está claro se a percepção olfativa do cão de traços individuais de cheiro humano em tarefas de rastreamento é realmente baseada na classificação de odores primários, secundários e terciários. O odor primário pode ser considerado como um estímulo chave para o rastreamento individual do odor. Sabe-se que vários itens, como roupas, saliva, pontas de cigarro, ar respirável, etc. podem ser usados ​​como artigos com odores para cães bem treinados. A partir dessas experiências e considerando os estudos realizados até o momento, surge à questão de saber quais são as semelhanças entre os artigos perfumados com odores humanos e quais componentes permitem uma discriminação individual, sugerindo que os vestígios de uma pessoa que foram deixados para trás pode ser DNA (WOIDTKE et al., 2018).

O cheiro do cadáver difere do cheiro do vivo. É quimicamente genérico e não específico para um indivíduo. As reações químicas associadas à decomposição são essencialmente as mesmas em todos os corpos. O treinamento com peças de restos mortais familiariza e habilita o cão para esta tarefa (FORENSICS DIGEST, 2021). Existem muitas barreiras que o cão supera para ter êxito na sua pesquisa de cadáver. As moléculas de cheiro são levadas pelo vento, o cadáver ou seus restos podem estar enterrados, raso ou fundo, na água, em cavernas, dentro de embalagens fechadas e isso são barreiras pelas quais o cão supera com seu nariz (GOMES; MARQUES, 2022). Diferenças entre raças caninas, anatomicamente com características sensoriais e morfológicas são especialmente importantes ao examinar as capacidades de desempenho que provavelmente são influenciadas por características físicas, como limiar de sensibilidade a baixas concentrações de odor.  A sensibilidade e a função olfativa também são influenciadas por uma série de outros fatores, incluindo idade, doença, medicamentos, hidratação e dieta (DODMAN et al., 1996; JONES et al., 2004; JENKINS et al., 2018;   LAZAROWSKI et al., 2020).

Estudos com compostos voláteis presentes nas mãos de seres humanos podem ser identificados e classificados em sete grupos: ácidos, álcoois, aldeídos, hidrocarbonetos, ésteres, cetonas e compostos contendo nitrogênio, mostrando existir um perfil individual de odor pessoal com base em seu perfil de cheiro de mão (CURRAN et al., 2007).

Também é importante reconhecer as diferenças individuais na motivação do cão, pois a falta de motivação para aprender ou concluir uma tarefa pode influenciar negativamente os resultados. No entanto, é imperativo selecionar uma recompensa apropriada usando uma com a qual o cão tenha experiência ou conduzindo um teste de preferência de recompensa antes do experimento e considerando os efeitos potenciais do valor da recompensa em razão do desempenho (BRUCKS et al., 2017). Além disso, uma tentativa de aquecimento fácil antes da sessão garantirá que o cão esteja disposto a trabalhar pela recompensa escolhida (SCHOON, 1996).

Além das diferenças na acuidade olfativa ou no comportamento de busca, o histórico de treinamento pode influenciar bastante o desempenho da detecção. Por exemplo, a experiência com um determinado odorante pode afetar a sensibilidade a esse odor ou a generalização para outros odores (HALL et al., 2015; PORRITT et al., 2015). Cães especificamente treinados para detecção de cheiro também são mais propensos a ter um desempenho melhor do que cães novatos em tarefas baseadas em busca.

Um fator chave desta técnica é o material de amostragem e suas propriedades de absorção. Atualmente, a identificação olfativa de pessoas é realizada quase que exclusivamente por meio de cães especialmente treinados. Supõe-se que o cheiro humano contém um determinado grupo de compostos que permite a identificação de pessoas, a chamada assinatura olfativa humana. No entanto, sua composição química é completamente desconhecida até o momento. O principal problema dos estudos de aromas humanos consiste nas concentrações muito baixas de milhares de compostos aromáticos, enquanto suas concentrações relativas são, em geral, dramaticamente diferentes.

Finalmente, a detecção de odores e o desempenho da busca podem ser influenciados por fatores ambientais, como temperatura, umidade, fluxo de ar e terreno (PILLEY; REID, 2011). Esconderijos para alvos também são mais variáveis ​​em buscas livres, e a disponibilidade de odor pode ser influenciada pela profundidade, altura e odor-alvo enclausurado. As colocações de alvos e não-alvos devem, portanto, ser distribuídas aleatoriamente, mas combinadas em termos de nível de dificuldade ou acessibilidade dos odores-alvo. Apesar dos desafios na padronização de buscas gratuitas, a avaliação no desempenho em situações semelhantes às operações do mundo real é fundamental para definir as capacidades do cão de detecção.

Fatores como treinamento prévio e familiaridade com o odorante, diferenças individuais entre cães e protocolos de testes são fontes potenciais de variação. No entanto, as diferenças nos métodos de entrega de odor são grandes contribuintes para tais discrepâncias (DODMAN et al., 1996). 

A duração dos odores residuais depende do próprio material de teste, do substrato sendo contaminado pelo odor residual, da quantidade de contaminação e das condições ambientais. Por exemplo, foi demonstrado que resíduos de narcóticos ou óleos essenciais são detectados entre duas e 48 h após a remoção da fonte de odor (UEMURA, 2015). Os cães foram capazes de detectar resíduos de restos humanos no solo até 667 dias após a remoção (ECKBURG et al., 2005) e conseguiram localizar sangue em amostras de algodão após cinco ciclos de lavagem (LOZUPONE; KNIGHT, 2005). Como o odor residual pode ser difícil de prever, é melhor manter registros de locais de odor de testes anteriores para ajudar a identificar alertas falsos aparentes que estão realmente corretos, mas causados ​​por odor residual, o que suporta a importância de avaliações de odores conhecidos em épocas distintas bem como de odores residuais potencializados por outros odores (EZEH et al., 1992).

Estressores físicos, incluindo exercício, ausência de condicionamento e alta temperatura ambiente afetam o olfato canino, direta ou indiretamente. O teor de gordura na dieta, a quantidade de comida por refeição e o horário das refeições demonstraram afetar o olfato de camundongos e cães. A microbiota gastrintestinal (GI) provavelmente afeta o olfato por meio da comunicação bidirecional entre o trato GI e o cérebro, e a microbiota é afetada por exercícios, dieta e estresse (JENKINS et al., 2018; PILLA et al., 2020).

 

Considerações finais

           

A meta de cães de faro que buscam e resgatam pessoas desaparecidas é encontrar a vítima o mais breve possível. Neste caso, o cão do Corpo de Bombeiros logrou êxito na sua missão. Por isso, o cão treinado para esta finalidade é parte relevante na missão de encontrar pessoas desaparecidas.

 

Conflitos de interesse

 

Não houve conflito de interesses dos autores.

 

Contribuição dos autores

 

O autor bombeiro Éderson Luis Lima Gomes escolheu relatar esta missão para prestar homenagem à cadela Katrina, especialista em busca e resgate através do método de buscas de pessoas por odor específico, que veio a falecer em fevereiro deste ano. O primeiro autor é responsável pelo trabalho de busca e resgate e seu relato. O segundo autor, seu orientador (Médica Veterinária) foi responsável pelo referencial teórico, confecção do artigo, orientação e revisão da obra. Os autores editaram e aprovaram a versão final.

 

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Recebido em 22 de março de 2023

Retornado para ajustes em 24 de julho de 2023

Recebido com ajustes em 1 de agosto de 2023

Aceito em 4 de agosto de 2023