Revista Agrária Acadêmica
doi: 10.32406/v6n1/2023/103-112/agrariacad
Caracterização e perfil de resistência de bactérias Gram-positivas em tanques de expansão. Characterization and resistance profile of Gram-positive bacteria in expansion tanks.
Anderson Henrique Venâncio1*, Gisele Inocêncio Pereira e Moreira
2, Bruna Azevedo Balduino
3, Michelle Carlota Gonçalves
4, Mônica Aparecida da Silva
5, Juliana Junqueira Pinelli6, Monique Suela Silva
7, Fernanda Pereira8, Fernanda Aparecida Abreu9, Roberta Hilsdorf Piccoli
10
1*- Departamento de Ciência dos Alimentos, Universidade Federal de Lavras (UFLA) – 37200-900, Lavras, MG, Brasil. E-mail: anderson123dfgh21@gmail.com
2,3,4,5,6,7,8,9,10- Departamento de Ciência dos Alimentos, Universidade Federal de Lavras (UFLA) – 37200-900, Lavras, MG, Brasil.
Resumo
O objetivo deste trabalho foi identificar microrganismos psicrotróficos Gram-positivos em tanques de expansão, e avaliar a produção de enzimas e o perfil de resistência a antibióticos. As amostras foram coletadas de 32 tanques por meio de swab e foram selecionados 53 isolados. Observou-se presença de Bacillus, Enterococcus, Corynebacterium, Styaphylococcus, Lactococcus e Micrococcus. Os isolados foram avaliados pela produção de enzimas, sendo verificada alta atividade proteolítica e lipolítica. No experimento, foram utilizados 12 antibióticos e todos os isolados apresentaram resistência múltipla às drogas testadas. Conclui-se que as boas práticas agropecuárias na produção de leite são essenciais para diminuir a multiplicação desses microrganismos, para que os consumidores possam ser adequadamente atendidos.
Palavras-chave: Deterioração. Qualidade do leite. Ação enzimática.
Abstract
The objective of this work was to identify Gram-positive psychrotrophic microorganisms in expansion tanks, and to evaluate the production of enzymes and the profile of resistance to antibiotics. Samples were collected from 32 tanks using swabs and 53 isolates were selected. The presence of Bacillus, Enterococcus, Corynebacterium, Styaphylococcus, Lactococcus and Micrococcus was observed. The isolates were evaluated for enzyme production, and high proteolytic and lipolytic activity was verified. In the experiment, 12 antibiotics were used and all isolates showed multiple resistance to the tested drugs. It is concluded that good agricultural practices in milk production are essential to reduce the multiplication of these microorganisms, so that consumers can be adequately served.
Keywords: Spoilage. Milk quality. Enzymatic action.
Introdução
No Brasil, as boas práticas agropecuárias possuem por finalidade assegurar que o leite seja produzido com qualidade adequada para o destino final (PERIN et al., 2021). Dentre os fatores responsáveis por afetar a sua qualidade, estão as práticas de produção na fazenda, temperatura de permanência do leite e a distância do transporte entre a fazenda e a plataforma de recepção (LEIRA et al., 2018). Reiteradamente, essas causas afetam a multiplicação de microrganismos do grupo dos psicrotróficos no leite, devido a qualidade higiênica insatisfatória das águas (SILVA et al., 2018), sanidade dos ordenhadores e dos animais e, sobretudo, em razão de utensílios que não são perfeitamente higienizados (LEIRA et al., 2018; ARAÚJO et al., 2020).
A estocagem do leite cru refrigerado na fonte de produção faz com que seja mantida a contagem microbiana em níveis baixos. No entanto, a refrigeração do leite, por si só, não garante a qualidade, pois atua seletivamente, favorecendo os psicrotróficos (ANDRADE PAULO et al., 2021; CONDÉ et al., 2018).
Bactérias psicrotróficas são ubíquas na natureza, tendo como habitat o solo, água, as mãos de ordenhadores, utensílios, o trato gastrointestinal de animais ruminantes e a silagem que é utilizada na sua alimentação. A maioria destas bactérias não sobrevivem aos tratamentos térmicos aplicados ao leite. Entretanto, podem produzir enzimas extracelulares, proteases, lecitinases e lipases, que são extremamente resistentes a altas temperaturas (WEI et al., 2019; YUAN et al., 2019). A atividade residual destas enzimas pode reduzir a qualidade organoléptica e a vida útil do leite e seus derivados (FUSCO et al., 2020; SANTOS et al., 2021).
As enzimas proteolíticas de natureza bacteriana agem, em sua maioria, sobre a κ-caseína, resultando na desestabilização das micelas de caseína e na coagulação do leite, de forma análoga à quimosina (COLONTUONA et al., 2020). Esta categoria de enzimas é relacionada a problemas tecnológicos, incluindo a gelificação do leite UHT, a formação de aminoácidos durante a maturação de queijos e ao desenvolvimento de sabor amargo no leite e em produtos lácteos (SOUZA et al., 2021).
O efeito das lipases endógenas na deterioração do alimento tem sido frequentemente descrito, visto que elas são capazes de hidrolisar gordura, até mesmo em temperaturas baixas (SANTOS et al., 2021; QUINTIERI et al., 2021). Dessa forma, a maior consequência da degradação de gordura no leite é a alteração da qualidade sensorial, devido ao excessivo nível de ácidos graxos livres produzidos, levando ao aparecimento de importantes alterações, como fortes odores e gostos amargos, rançosos, frutíferos e azedos (ANDREWES et al., 2007).
Outro fator relevante que envolve bactérias presentes em leite, e merece ser estudado é a crescente resistência a antibióticos. Agentes antimicrobianos são usados principalmente em rebanhos de gado para profilaxia e tratamento de infecções do úbere como a mastite (SILVA et al., 2020). O uso indiscriminado tem resultado no aumento do número de bactérias comensais e patogênicas resistentes a agentes antimicrobianos.
O desenvolvimento da resistência a antibióticos pode ocorrer pela forma intrínseca, ou natural, a qual reflete a adaptação evolucionária da bactéria em seu ambiente, ou pela forma adquirida por mutação ou carreada por elementos genéticos móveis como plasmídeos, transposons e integrons (CAMOU et al., 2017, PAZDA et al., 2019; MC CARLIE et al., 2020).
Diante do contexto acima, o trabalho proposto objetivou identificar a diversidade de microrganismos psicrotróficos Gram-positivos presentes em tanques de expansão comunitários, bem como avaliar a capacidade de produção de enzimas extracelulares e o perfil de resistência a antibióticos.
Material e métodos
Foram coletadas, previamente, amostras de 32 tanques de expansão comunitários situados nos municípios de Aguanil, Boa Esperança, Campo Belo, Candeias, Cana Verde, Coqueiral e Nepomuceno, localizados no Sul de Minas, no estado de Minas- Gerais, Brasil. As coletas foram realizadas na parede dos tanques utilizando swab estéril, logo após a higienização. O plaqueamento de alíquotas das diluições adequadas das amostras foi realizado em Ágar Triptona de Soja (TSA) (Biolife, Milão-Itália), as placas foram incubadas a 7 graus Celsius durante 7 a 10 dias, em estufa B.O.D. (SL-200, SOLAB, Brasil). Os isolados foram purificados utilizando ágar TSA, e posteriormente, foram submetidos a técnica de coloração de Gram, e testes bioquímicos como a catalase, oxidase e prova de oxidação-fermentação (OF).
A identificação dos isolados Gram-positivos foi realizada com auxílio do kit de identificação BBL Crystal Gram-positive ID (Becton, Dickinson and Company, USA). Dessa forma, para a identificação, foi realizada a reativação em ágar TSA, com incubação a 28 graus Celsius, por 24 horas. Colônias foram diluídas em solução fornecida pelo fabricante para a padronização da turbidez, equivalente ao padrão de McFarland número 5. Os inóculos foram distribuídos nas galerias do kit 58 BBL Crystal Gram-positive ID, sendo incubados a 28 graus Celsius e analisados após 24 e 48 horas, seguindo-se as orientações do manual do fabricante.
A produção de enzimas extracelulares foi avaliada pelo teste de difusão em ágar conforme a metodologia de Munsch-Alatossava et al. (2006). A produção de proteases foi determinada em meio ágar leite (Difco, França), suplementado com 5% de leite em pó; as placas foram incubadas a 28 graus Celsius por 3 dias. A atividade proteolítica foi avaliada pela formação de halos claros ao redor das colônias.
A atividade da lipase extracelular foi avaliada tendo como substrato a Tributirina. Este meio consiste de ágar base tributirina (Himedia, India) suplementado com 2,0% de tributyrin (Himedia, Índia), adicionado de solução de azul de metileno. As placas foram incubadas a 28 graus Celsius, por 3 a 10 dias. A lipólise foi observada pela formação de uma zona clara ao redor da colônia.
A detecção de fosfolipases (lecitinases) foi determinada em ágar TSA, suplementado com 10% de emulsão de gema de ovo, incubado a 28 graus Celsius por 3 dias. A atividade das lecitinases foi detectada pela formação de uma zona opaca ao redor das colônias.
Para avaliar a resistência as drogas testadas, foram selecionados 12 antibióticos, abrangendo diferentes grupos químicos e funcionais, sendo eles conhecidos: cefepime 30 μg, rifampicina 30 μg, cloranfenicol 30 μg, vancomicina 30 μg, tetraciclina 30 μg, gentamicina 10 μg, oxacilina 1 μg, penicilina G 10 μg, eritromicina 15 μg, clindamicina 2 μg, sulfazotrin 25 μg e ciprofloxacin 5 μg. Os multidiscos contendo os antibióticos foram adquiridos da Laborclin, Vargem Grande, Pinhais, PR, Brasil. Os testes de susceptibilidade/resistência aos antibióticos foram determinados pelo método de difusão dos discos, de acordo com a metodologia de Kirby-Bauer (BAUER et al., 1966). Em seguida, os isolados foram caracterizados como sensíveis, intermediários e resistentes.
No experimento foi utilizada uma estatística descritiva, exposta em percentual (%), com auxílio do Microsoft Excel para avaliação do número de isolados, produção de enzimas extracelulares e susceptibilidade aos antimicrobianos.
Resultados e discussão
Foram identificadas 53 bactérias Gram-positivas, as quais pertenciam a diferentes gêneros como Bacillus, Enterococcus, Corynebacterium, Staphylococcus, Lactococcus e Micrococcus, como indica a Tabela 1. Os resultados mostraram que bactérias do gênero Bacillus foram predominantes, totalizando 43% dos isolados.
Tabela 1 – Identificação de bactérias Gram-positivas presentes nos tanques de refrigeração por expansão.
Gênero/Espécie |
Isolados |
Gênero/Espécie |
Isolados |
Bacillus subtilis |
20 |
Enterococcus durans |
1 |
Bacillus licheniformis |
3 |
Staphylococcus simulans |
1 |
Corynebacterium sp |
9 |
Staphylococcus vitulus |
1 |
Corynebacterium jeikeiumCorynebacterium bovis |
31 |
Staphylococcus saccharolyticusStaphylococcus sp |
11 |
Corynebacterium aquaticumEnterococcus faecalis |
16 |
Micrococcus sedentariusLactococcus lactis ssp lactis |
11 |
Enterococcus solitarius |
1 |
Lactococcus garvieae |
1 |
Enterococcus faecium |
1 |
Os psicrotróficos Gram-positivos identificados neste trabalho apresentaram de forma geral, significativo potencial para produção de enzimas extracelulares, evidenciando suas características deterioradoras.
Os isolados encontrados, apresentaram alta atividade proteolítica e lipolítica, um total de 85% dos isolados testados produziram proteases e 87% produziram lípases. A produção de lecitinase foi observada em menor escala, sendo produzida por cerca de 64% dos isolados, destacando-se como maiores produtores de lecitinase bactérias do gênero Bacillus e Corynebacterium. Os resultados referentes à produção de enzimas extracelulares (proteases, lípases e lecitinases) pelas bactérias Gram-positivas dos diferentes gêneros identificados neste trabalho são apresentados no Gráfico 1.
Gráfico 1 – Produção de proteases, lípases e lecitinases por isolados de diferentes gêneros de bactérias Gram-positivas provenientes de tanques de resfriamento por expansão.
Todos os isolados apresentaram perfil de múltipla resistência aos antibióticos, sendo resistentes a seis ou mais drogas das doze testadas.
O desenvolvimento da resistência antimicrobiana nas últimas quatro décadas tem levado a uma intensificação da discussão sobre o uso prudente de agentes antimicrobianos (OLIVEIRA et al., 2020). O uso de drogas antimicrobianas e o desenvolvimento de resistência em animais e humanos são inter-relacionados e sistemas devem ser estabelecidos para monitorar essa resistência em bactérias patogênicas e comensais (SCALDAFERRI et al., 2020).
As bactérias do gênero Corynebacterium apresentaram altos índices de resistência, apenas 8% dos isolados foram sensíveis a gentamicina e sulfazotrim. A resistência aos demais antibióticos foi verificada por 100% destes isolados. Entre os isolados de Enterococcus foi observada sensibilidade intermediária para a droga sulfazotrin em 50% dos isolados. Foi constatado que 11% dos isolados pertencentes ao gênero Bacillus apresentaram sensibilidade às drogas cefepime e ciprofloxacin, e 6% foram sensíveis a gentamicina e oxacilina. Entre os Bacillus aproximadamente 82% dos isolados formaram halos intermediários quando expostos à droga sulfazotrin.
Os dados também demonstraram a presença de diversidade microbiana entre os isolados de Bacillus subtilis amostrados, a diversidade de isolados foi constatada devido às diferenças entre os perfis de resistência apresentados por microrganismos desta mesma espécie. Os isolados de Bacillus subtilis apresentaram resistência a todos os demais antibióticos testados, com exceção aos antibióticos apresentados na Tabela 2.
Tabela 2 – Diversidade de Bacillus subtilis demonstrada por meio de diferenças no perfil de resistência e sensibilidade às drogas antimicrobianas.
Diferentes isolados de Bacillus subtilis |
Sensibilidade a diferentes drogas antimicrobianas |
Bacillus subtilis (645) |
Cefepime, gentamicina, oxacilina, |
Bacillus subtilis (362) |
Ciprofloxacin |
Bacillus subtilis (145) |
Ciprofloxacin, cefepime |
Bacillus subtilis (413) |
Sulfazotrin, ciprofloxacin |
Bacillus subtilis (572) |
Oxacilina, sulfazotrin |
Os resultados referentes à diversidade de bactérias Gram-positivas mostraram-se de acordo com os dados encontrados na literatura, os quais pressupõem que os psicrotróficos Gram-positivos mais comumente isolados de leite cru são pertencentes ao gênero Bacillus, Lactobacillus, Corynebacterium, Micrococcus e Streptococcus (CHEN et al., 2003). Isolados similares também foram encontrados por Nunes et al. (2019), onde caracterizaram a microbiota psicrotrófica de leite cru, e concluíram em seus resultados que, as bactérias Gram-positivas predominantes eram dos gêneros Streptococcus, Corynebacterium, Enterococcus, Micrococcus e Bacillus. Observou-se, ainda em seus estudos, que a maioria dos isolados produziam enzimas como proteases e lipases, fazendo com que houvesse a destruição dos componentes químicos do leite. Esta diversidade de isolados pode ser proveniente de falhas durante a obtenção do leite, como ausência da higienização das mãos dos ordenhadores, de superfícies e utensílios como baldes, latões e tanques de expansão, que favorecem a multiplicação desses microrganismos.
A grande percentagem de Bacillus pode estar relacionada à sua fisiologia, pois são bactérias formadoras de esporos. Dessa maneira, os esporos podem aderir à superfície dos tanques, permanecendo por longos períodos e consequentemente levando a contaminação do leite por estas bactérias (RIBEIRO JÚNIOR et al., 2017; MARIOTO et al., 2020). Este grupo de bactérias é considerado um grupo termodúrico, ou seja, são resistentes a tratamentos térmicos, comumente utilizados na pasteurização do leite (KOVÁCS, 2019). Radmehr et al. (2020), avaliando a prevalência e características do grupo Bacillus cereus isolado de leite cru e pasteurizado, em Victória, Austrália, encontrou em seus resultados que 42,3% das amostras de leite continham o grupo B. cereus, observando uma contaminação maior no leite pasteurizado. Ainda demonstrou durante as análises de perfil de virulência que os genes nheA, nheB, hblA e nheC foram encontrados na maioria dos isolados e cykgene em 46% dos isolados. Ressaltou ainda, que o gênero Bacillus pode causar uma destruição do leite, levar a formação de biofilmes em tanques e diminuir a rentabilidade dos laticínios porque o tratamento térmico não é uma garantia de eliminação de estruturas resistentes como os esporos.
É importante saber que os processos de adesão e até mesmo formação de biofilmes bacterianos podem ocorrer em tanques de refrigeração (FLACH et al., 2014). A bactéria Bacillus subtilis, isolada nesse experimento é capaz de formar biofilmes em superfícies na indústria de laticínios (WANG et al., 2021). Os processos de adesão ocorrem, provavelmente, com uma frequência maior em superfícies em contato com alimento, quando comparados à formação de biofilme. No entanto, a adesão bacteriana é relevante no procedimento de higienização de equipamentos e utensílios utilizados na produção do leite, considerando que o número elevado de microrganismos nas superfícies dificulta a ação de detergentes e sanificantes (ANDRADE et al., 1998). Essa presença de microrganismos do grupo dos psicrotróficos no leite cru, indica que o leite oferecido aos laticínios pode comprometer a qualidade de seus derivados. Sabe-se que o leite que está no tanque de expansão comunitário, é uma mistura de leite de vários produtores rurais, o que pode atrapalhar sua qualidade e aumentar a multiplicação de patógenos. Os produtores rurais devem receber assistência técnica com relação a qualidade do leite, para que dessa maneira o tanque de expansão possa comportar um leite com qualidade.
A produção de enzimas termossensíveis extracelulares, como proteases e lipases, foi maior entre os isolados avaliados. Muitos psicrotróficos, inclusive Bacillus, são capazes de produzirem enzimas termorresistentes que podem reduzir a qualidade e a vida de prateleira do leite termicamente tratado, assim como de produtos lácteos fabricados com leite contaminado (OLIVEIRA et al., 2015; RIBEIRO JÚNIOR et al., 2017), por essa razão, eles são considerados organismos deterioradores significativos (SANTOS et al., 2021). A presença de enzimas extracelulares como lípases, proteases e lecitinases está diretamente relacionada com a determinação da qualidade sensorial e com a deterioração de derivados do leite (COLANTUONO et al., 2020).
Ao avaliar bactérias psicrotróficas em leite cru refrigerado e seu poder de adesão em aço inoxidável, Oliveira Pinto et al. (2015), encontraram em seus estudos que 23,81% dos isolados pertenciam ao gênero Bacillus e 33,33% Paenibacillus, demonstrou que todos os isolados, produziam proteases, lipases e lecitinases, e verificou adesão na superfície de aço inoxidável. Ressaltou a importância das boas práticas no campo e na indústria para que dessa forma minimize a perda econômica. O desenvolvimento de enzimas extracelulares também foi verificado por Moreira et al. (2014) ao analisar o leite cru em cinco propriedades leiteiras. A ação lipolítica foi observada em 44,14% das amostras, e proteolítica em 11,03%. Conclui-se que, a falta de higiene durante a ordenha é o que favorece a maior produção de enzimas.
A atividade residual de proteases e lipases tem sido relacionada com o baixo rendimento de queijos, a formação de off-flavours, a gelatinização e a coagulação das proteínas de leite UHT durante o armazenamento (ALMEIDA et al., 2017). A produção de proteases, lipases e lecitinases, segundo Schokker et al. (1997), acontece durante a fase exponencial e antes da fase estacionária, paralela com o crescimento, o que torna a higiene, em todos os aspectos de manipulação do leite, a principal precaução para conter a contaminação e assegurar a qualidade do leite, que deve estar associada com uma rígida manutenção da refrigeração a 4 graus Celsius e minimização do tempo de estocagem do leite cru.
O alto número de resistência aos antibióticos apresentado neste trabalho pode ser justificado pela variedade de isolados presentes na amostra. Segundo Pitkälä et al. (2001), a troca de fatores de resistência é maior em um ambiente com uma grande carga microbiana, como intestino e estábulos. A múltipla resistência a antibióticos também é alta em ambientes em que há um constante uso de drogas.
Bactérias Gram-positivas caracteristicamente têm substâncias lipofílicas em sua parede celular que retardam a penetração de compostos antimicrobianos hidrofílicos e catiônicos. A presença de enzimas de degradação natural também é associada a esse fenômeno. Bactérias Gram-positivas e Gram-negativas podem produzir enzimas capazes de inibir a ação de antibióticos como penicilinas, cefalosporina e β-lactâmicos (BOWER et al., 1999).
A resistência adquirida pode ocorrer pela aquisição de um gene de resistência pela bactéria em uma transferência a partir de outro organismo (SABBAGH et al., 2021). Em bactérias, genes de resistência são frequentemente encontrados em formas especializadas de ácido desoxirribonucleico (DNA), tais como plasmídeos, transposons e integrons (PARTRIDGE et al., 2018.) Determinantes de resistência podem também ser adquiridos através de bacteriófagos ou em DNA livre presente no ambiente, como exemplo, fragmentos de DNA originários de lise de outras células (FICA, 2014).
Conclusão
As bactérias Gram-positivas encontradas nos tanques de refrigeração por expansão são pertencentes a diferentes gêneros incluindo Bacillus, Enterococcus, Corynebacterium, Staphylococcus, Lactococcus e Micrococcus. Bactérias do gênero Bacillus predominaram, totalizando 43% dos isolados. Proteases e lípases foram produzidas por isolados de todos os gêneros de bactérias Gram-positivas encontradas nos tanques de refrigeração que foram testados. A produção de lecitinase foi em menor escala, Lactococcus e Micrococcus não produziram lecitinase. Todos os isolados apresentaram resistência a pelo menos 6 dos doze antibióticos testados, o que demonstra um quadro típico de multirresistência. Dessa forma, ressalta-se que os produtores rurais que oferecem seus leites aos laticínios devem seguir as boas práticas de produção para que dessa maneira o leite esteja seguro.
Conflitos de interesse
Não houve conflito de interesses dos autores.
Contribuição dos autores
Anderson Henrique Venâncio – revisão, correção, interpretação, escrita; Gisele Inocêncio Pereira e Moreira – escrita, coleta de dados, correção; Bruna Azevedo Balduino – revisão e correção; Michelle Carlota Gonçalves – revisão e correção; Mônica Aparecida da Silva – revisão e correção; Juliana Junqueira Pinelli – revisão e correção; Monique Suela Silva – revisão e correção; Fernanda Pereira – revisão e correção; Fernanda Aparecida Abreu – coleta de dados; Roberta Hilsdorf Piccoli – orientador do primeiro autor, ideia original, revisão e correção.
Referências bibliográficas
ALMEIDA, K. M.; BRUZAROSKI, S. R, ZANOL, D.; SANTOS, J. S.; SANTANA, E. H. W. Lipolytic capacity of Pseudomonas spp. isolated from refrigerated raw milk. Bioscience Journal, v. 33, n. 1, p. 121-124, 2017. https://doi.org/10.14393/BJ-v33n1a2017-33396
ANDRADE PAULO, I.; MONTANHINI, M. T. M.; RIBEIRO, L. F. Consequência da presença de bactérias psicrotróficas em leite e derivados. Revista Gestão, Tecnologia e Ciências, v. 10, n. 25, p. 1-8, 2021. https://revistas.fucamp.edu.br/index.php/getec/article/view/2324
ANDRADE, N. J.; BRIDEGMAN, T. A.; ZOTTOLA, E. A. Bacteriocidal activity of sanitizers against Enterococcus faeciuum attached to atainless stell as determined by plate count and impedance methods. Journal of Food Protection, v. 61, n. 7, p. 833-838, 1998. https://doi.org/10.4315/0362-028X-61.7.833
ANDREWES, P.; BALDWIN, A.; BROOME, A.; HILL, B.; HOLLAND, R.; MILLS, O.; NEWSTEAD, D. Detection of lipase in skim and whole milk powders using triheptanoin as a substrate. International Dairy Journal, v. 17, n. 6, p. 587-595, 2007. https://doi.org/10.1016/j.idairyj.2006.08.003
ARAÚJO, B. F. O.; SILVA, S. G.; SILVA, J. M.; CAVALCANTI NETO, C. C.; SILVA, P. C. V.; MONTALDO, Y. C.; COSTA, J. H. Q.; ALVES, E. S. A.; SANTOS, T. M. C. Qualidade microbiológica e células somáticas de leite in natura produzido em Alagoas, Brasil. Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento, v. 9, n. 9, pág. e412997379, 2020. https://doi.org/10.33448/rsd-v9i9.7379
BAUER, A. W.; KIRBY, W. W.; SHERRIS, J. C.; TURCK, M. Antibiotic susceptibility testing by a standardized single disk method. American Journal of Clinical Pathology, v. 45, n. 4, p. 493-496, 1966. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/5325707/
BOWER, C. K.; DAESCHEL, M. A. Resistance responses of microorganisms in food environments. International Journal of Food Microbiology, v. 50, n. 1/2, p. 33-44, 1999. https://doi.org/10.1016/S0168-1605(99)00075-6
CAMOU, T.; ZUNINO, P.; HORTAL, M. Alarma por la resistencia a antimicrobianos: situación actual y desafíos. Revista Médica del Uruguay, v. 33, n. 4, p. 104-127, 2017. http://www.scielo.edu.uy/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1688-03902017000400104
CHEN, L.; DANIEL, R. M.; COOLBEAR, T. Detection and impact of protease and lipase activities in milk and milk powders. International Dairy Journal, v. 13, n. 4, p. 255-275, 2003. https://doi.org/10.1016/S0958-6946(02)00171-1
COLANTUONO, A.; D’INCECCO, P.; FORTINA, M. G.; ROSI, V.; RICCI, G.; PELLEGRINO, L. Milk substrates influence proteolytic activity of Pseudomonas fluorescens strains. Food Control, v. 111, p. 107063, 2020. https://doi.org/10.1016/j.foodcont.2019.107063
CONDÉ, P. R.; OLIVEIRA PINTO, C. L.; SILVA GANDRA, S. O.; SILVA, R. R.; MARTINS, M. L. Temperatura de armazenamento e qualidade microbiológica do leite cru granelizado na região de Rio Pomba, Minas Gerais. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, v. 73, n. 3, p. 149-161, 2018. https://doi.org/10.14295/2238-6416.v73i3.699
FICA, C. A. Resistencia antibiótica en bacilos gram negativos, cocáceas gram positivas y anaerobios. implicancias terapéuticas. Revista Médica Clínica las Condes, v. 25, n. 3, p. 432-444, 2014. https://doi.org/10.1016/S0716-8640(14)70060-4
FLACH, J.; GRZYBOWSKI, V.; TONIAZZO, G.; CORÇÃO, G. Adhesion and production of degrading enzymes by bacteria isolated from biofilms in raw milk cooling tanks. Food Science and Technology, v. 34, n. 3, p. 571-576, 2014. https://doi.org/10.1590/1678-457x.6374
FUSCO, V.; CHIEFFI, D.; FANELLI, F.; LOGRIECO, A. F; CHO, G. S; KABISCH, J.; BOHNLEIN, C.; FRANZ, C. M. A. P. Microbial quality and safety of milk and milk products in the 21st century. Comprehensive Reviews in Food Science and Food Safety, v. 19, n. 4, p. 2013-2049, 2020. https://doi.org/10.1111/1541-4337.12568
KOVÁCS, Á. T. Bacillus subtilis. Trends in Microbiology, v. 27, n. 8, p. 724-725, 2019. https://doi.org/10.1016/j.tim.2019.03.008
LEIRA, M. H.; BOTELHO, H. A.; SANTOS, H. C. A. S.; BARRETO, B. B.; BOTELHO, J. H. V.; PESSOA, G. O. Fatores que alteram a produção e a qualidade do leite: revisão. PUBVET, v. 12, n. 5, p. 1-13, 2018. https://doi.org/10.22256/pubvet.v12n5a85.1-13
MARIOTO, L. R. M.; DANIEL, G. C.; GONZAGA, N.; MAREZE, J.; TAMANINI, R.; BELOTI, V. Potencial deteriorante da microbiota mesófila, psicrotrófica, termodúrica e esporulada do leite cru. Ciência Animal Brasileira, v. 21, p. e-44034, 2020. https://doi.org/10.1590/1809-6891v21e-44034
MC CARLIE, S.; BOUCHER, C. E.; BRAGG, R. R. Molecular basis of bacterial disinfectant resistance. Drug Resistance Updates, 48, 2020. https://doi.org/10.1016/j.drup.2019.100672
MOREIRA, N. V.; MONTANHINI, M. T. M. Contaminação do leite na ordenha por micro-organismos proteolíticos e lipolíticos. Revista Brasileira de Higiene e Sanidade Animal, v. 8, n. 2, p. 29-38, 2014. http://doi.org/10.5935/1981-2965.20140018
MUNSCH-ALATOSSAVA, P.; ALATOSSAVA, T. Phenotypic characterization of raw milk-associated psychrotrophic bacteria. Microbiological Research, v. 161, n. 4, p. 334-346, 2006. https://doi.org/10.1016/j.micres.2005.12.004
NUNES, K. B.; SILVA, L. R.; SILVA, S. G. M.; CAVALCANTE NETO, C.; SANTOS, T. M. C.; MONTALDO, Y. C. Bactérias psicrotróficas e enzimas termorresistentes em leite cru. Revista Verde de Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável, v. 14, n. 5, p. 658-664, 2019. https://doi.org/10.18378/rvads.v14i5.7604
OLIVEIRA PINTO, C. L.; MACHADO, S. G.; MARTINS, M. L.; VANETTI, M. C. D. Identificação de bactérias psicrotróficas proteolíticas isoladas de leite cru refrigerado e caracterização do seu potencial deteriorador. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, v. 70, n. 2, p. 105-116, 2015. https://doi.org/10.14295/2238-6416.v70i2.401
OLIVEIRA, G. D.; FAVARIN, L.; LUCHESE, R. H.; MCINTOSH, D. Psychrotrophic bacteria in milk: How much do we really know? Brazilian Journal of Microbiology, v. 46, n. 2, p. 313-321, 2015. https://doi.org/10.1590/S1517-838246220130963
OLIVEIRA, M.; PEREIRA, K. D. S. P. S.; ZAMBERLAM, C. R. Resistência bacteriana pelo uso indiscriminado de antibióticos: uma questão de saúde pública. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 6, n. 11, p. 183-201, 2020. http://doi.org/10.29327/4426668
PARTRIDGE, S. R.; KWONG, S. M.; FIRTH, N.; JENSEN, S. O. Mobile genetic elements associated with antimicrobial resistance. Clinical Microbiology Reviews, v. 31, n. 4, 2018. https://doi.org/10.1128/CMR.00088-17
PAZDA, M.; KUMIRSKA, J.; STEPNOWSKI, P.; MULKIEWICZ, E. Antibiotic resistance genes identified in wastewater treatment plant systems – a review. Science of the Total Environment, v. 697, 2019. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2019.134023
PERIN, R. L.; GOBATO, L.; BUSATTA, H.; RANKRAPE, F.; STARIKOFF, K. Boas práticas agropecuárias em propriedade leiteira da agricultura familiar. Revista Ciência em Extensão, v. 17, p. 65-77, 2021. https://doi.org/10.23901/1679-4605.2021v17p65-77
PITKÄLÄ, A.; HAVERI, M.; PYÖRÄLÄ, S.; MYLLYS, V.; HONKANEN-BUZALSKI, T. Bovine mastitis in Finland 2001 – prevalence, distribution of bacteria, and antimicrobial resistance. Journal of Dairy Science, v. 87, n. 8, p. 2433-2441, 2001. https://doi.org/10.3168/jds.S0022-0302(04)73366-4
QUINTIERI, L.; CAPUTO, L.; BRASCA, M.; FANELLI, F. Recent advances in the mechanisms and regulation of QS in dairy spoilage by Pseudomonas spp. Foods, v. 10, n. 12, 3088, 2021. https://doi.org/10.3390/foods10123088
RADMEHR, B.; ZAFERANLOO, B.; TRAN, T.; BEALE, D. J.; PALOMBO, E. A. Prevalence and characteristics of Bacillus cereus group isolated from raw and pasteurised milk. Current Microbiology, v. 77, n. 10, p. 3065-3075, 2020. https://doi.org/10.1007/s00284-020-02129-6
RIBEIRO JÚNIOR, J. C.; BELOTI, V.; MASSI, F. P.; FUNGARO, M. H. P. Thermoduric psychrotrophic proteolytic microbiota from refrigerated raw milk. Semina: Ciências Agrárias, v. 38, n. 1, p. 267-272, 2017. https://doi.org/10.5433/1679-0359.2017v38n1p267
SABBAGH, P.; RAJABNIA, M.; MAALI, A.; FERDOSI-SHAHANDASHTI, E. Integron and its role in antimicrobial resistance: A literature review on some bacterial pathogens. Iranian Journal of Basic Medical Sciences, v. 24, n. 2, p. 136-142, 2021. https://doi.org/10.22038/ijbms.2020.48905.11208
SANTOS, C. I. A.; SALGADO, C. A.; VANETTI, M. C. D. Lipases bacterianas: impactos na qualidade de produtos lácteos e potencial biotecnológico. Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento, v. 10, n. 13, p. e230101321213, 2021. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i13.21213
SCALDAFERRI, L. G.; TAMEIRÃO, E. R.; FLORES, S. A.; NEVES, R. A. S. C.; CORREIA, T. S.; CARMO, J. R.; FERRANTE, M. Formas de resistência microbiana e estratégias para minimizar sua ocorrência na terapia antimicrobiana: revisão. PUBVET, v. 14, n. 8, p. 1-10, 2020. https://doi.org/10.31533/pubvet.v14n8a621.1-10
SCHOKKER, E. P.; VAN BOEKEL, M. A. J. S. Production, purification and partial characterization of the extracellular proteinase from Pseudomonas fluorescens 22F. International Dairy Journal, v. 7, n. 4, p. 265-271, 1997. https://doi.org/10.1016/S0958-6946(97)00008-3
SILVA, C. G.; ALESSIO, D. R. M.; KNOB, D. A.; D’OVIDIO, L.; THALER NETO, A. Influência da sanificação da água e das práticas de ordenha na qualidade do leite. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v. 70, n. 2, p. 615-622, 2018. https://doi.org/10.1590/1678-4162-9466
SILVA, L. H. B.; PRIMIERI, C. Mastite bovina: revisão bibliográfica. Arquivos Brasileiros de Medicina Veterinária FAG, v. 3, n. 2, p. 142-151, 2020. https://themaetscientia.fag.edu.br/index.php/ABMVFAG/article/view/375
SOUZA, E. S.; ROSA, D. R.; GALVÃO, J. A. Microrganismos psicrotróficos em leites submetidos à ultra alta temperatura adquiridos em Curitiba, Paraná. Ars Veterinaria, v. 37, n. 1, p. 5-9, 2021. https://doi.org/10.15361/2175-0106.2021v37n1p05-09
WANG, X.; ZHANG, D.; DONG, F.; LIU, S.; ZHANG, J.; ZHAO, H. Cell differentiation and motion determine the Bacillus subtilis biofilm morphological evolution under the competitive growth. Journal of Basic Microbiology, v. 61, n. 5, p. 396-405, 2021. https://doi.org/10.1002/jobm.202000635
WEI, Q.; WANG, X.; SUN, D.W.; PU, H. Rapid detection and control of psychrotrophic microorganisms in cold storage foods: a review. Trends in Food Science & Technology, v. 86, p. 453-464, 2019. https://doi.org/10.1016/j.tifs.2019.02.009
YUAN, L.; SADIQ, F.A.; BURMØLLE, M.; WANG, N.; HE, G. Insights into psychrotrophic bacteria in raw milk: a review. Journal of Food Protection, v. 82, n. 7, p. 1148-1159, 2019. https://doi.org/10.4315/0362-028X.JFP-19-032
Recebido em 13 de fevereiro de 2023
Retornado para ajustes em 18 de março de 2023
Recebido com ajustes em 10 de abril de 2023
Aceito em 12 de abril de 2023