Lesões na cavidade oral decorrentes de pontas excessivas de esmalte dentário em cavalos de tração em município do extremo oeste maranhense

Revista Agrária Acadêmica

agrariacad.com

doi: 10.32406/v6n2/2023/12-26/agrariacad

 

Lesões na cavidade oral decorrentes de pontas excessivas de esmalte dentário em cavalos de tração em município do extremo oeste maranhense1. Lesions in the oral cavity resulting from excessive enamel dental points in traction horses in a municipality in the extreme west maranhense1.

 

Kryscia Beatriz Teixeira Araújo Varão2, Déborah Milhomem Silva2, Lorena da Silva Soares2, Kalyne Sousa dos Santos2, Vitória Baltazar Rodrigues2, Rafaella Brandão Silva2, Jailson Honorato3*

 

1- Parte do Projeto de Iniciação Científica da primeira autora
2- Curso de Medicina Veterinária, CCA, UEMASUL, Imperatriz, MA, Brasil.
3- Curso de Medicina Veterinária, Centro de Ciências Agrárias – CCA, Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão – UEMASUL, Imperatriz, MA, Brasil. *Autor para correspondência. E-mail: honorato@uemasul.edu.br

 

Resumo

 

As pontas excessivas de esmalte dentário (PEED), resultantes de um desgaste dentário irregular, são consideradas o distúrbio mais frequente na odontologia equina. O objetivo foi avaliar a cavidade oral de cavalos de tração, diagnosticando as pontas excessivas de esmalte dentário dos dentes pré-molares e molares, identificando as principais lesões causadas por elas e seus impactos. Os procedimentos foram realizados na cidade de Imperatriz – MA, onde foram avaliados 40 cavalos de tração. Foi feita coleta de informações dos proprietários, exame físico geral dos animais, seguido de avaliação dentária e de toda a cavidade oral. Os principais sinais clínicos detectados como indicativos de irregularidade dentária foram recusa do alimento oferecido, aceitação de apenas metade da quantidade de alimento fornecida, queda de alimento da boca durante a mastigação, diminuição da excursão lateral da mandíbula, recusa do uso de embocaduras e perda de peso. Dessa forma, torna-se evidente que a avaliação da cavidade bucal dos cavalos é de grande importância, pois a presença de pontas excessivas de esmalte dentário podem provocar lesões na mucosa oral, que ocasionam dor, alteração da biomecânica da mastigação, desconforto durante o trabalho, queda no desempenho e, consequentemente, diminuição da qualidade de vida desses animais.

Palavras-chave: PEED. Dentes. Lacerações. Equinos.

 

 

Abstract

 

Excessive enamel dental points, resulting from irregular tooth wear, are considered the most frequent disorder in equine dentistry. The objective was to evaluate the oral cavity of traction horses, diagnosing the excessive points of dental enamel on the premolars and molars, identifying the main injuries caused by them and their impacts. The procedures were carried out in the city of Imperatriz – MA, where 40 traction horses were evaluated. Information was collected from the owners, a general physical examination of the animals was carried out, followed by a dental evaluation and an evaluation of the entire oral cavity. The main clinical signs detected as indicative of dental irregularity were refusal of food offered, acceptance of only half of the amount of food provided, food falling out of the mouth during mastication, decreased lateral excursion of the mandible, refusal to use bits and loss of weight. In this way, it becomes evident that the evaluation of the oral cavity of horses is of great importance, since the presence of excessive points of dental enamel can cause lesions in the oral mucosa, which cause pain, alteration of the biomechanics of mastication, discomfort during work, a decrease in performance and, consequently, a decrease in the quality of life of these animals.

Keywords: Dental points. Teeth. Lacerations. Equine.

 

 

Introdução

 

Os equinos, por terem erupção contínua dos dentes, costumam apresentar doenças de oclusão, principalmente pontas de esmalte dentário e ganchos, devendo-se realizar tratamentos de rotina para evitar patologias mais graves que podem trazer muito prejuízo à saúde do animal, patologias essas que são frequentemente encontradas em animais geriátricos (STRAIOTO et al., 2018).

As pontas dentárias representam uma das principais alterações dentárias nos equídeos, devido ao desgaste irregular dos dentes pré-molares e molares (CARMO et al., 2019). As pontas excessivas de esmalte dentário (PEED), resultantes de um desgaste dentário irregular, são consideradas o distúrbio mais frequente na odontologia equina, capazes de afetar de forma negativa na trituração mecânica das fibras dos alimentos, reduzir a produção de saliva e influenciar no processo de digestão e trânsito intestinal (MEYER, 1995; MUELLER, 1991).

Os vegetais exigem uma trituração eficiente, portanto, há um determinado movimento lateral da mandíbula nos herbívoros, denominado excursão lateral. O maxilar do cavalo, por ser mais largo que a mandíbula, ocasiona um desgaste dentário em forma de cinzel, formando as PEED, que são cortantes na região lingual dos dentes mandibulares e na região vestibular dos dentes maxilares (SWENSON, REECEE, 2006; KLUGH, 2010).

Quando negligenciadas, as pontas dentárias podem eventualmente envolver toda a superfície oclusal, formando um ângulo de oclusão íngreme, superior a 45º (DIXON, DACRE, 2005). Assim, elas ocasionam, de forma frequente, lesões nas partes moles da cavidade oral, como úlceras na língua e bochecha, que provocam dor e desconforto durante a mastigação, alterando a sua biomecânica; além de causarem distúrbios nas articulações temporo-mandibulares, proporcionar estresse dental que leva à fraturas e desconforto animal durante a mastigação e o trabalho, bem como, podem trazer problemas como a reação a embocaduras, queda de alimento da boca, emagrecimento progressivo e cólicas recorrentes, reduzindo consequentemente, o desempenho do animal e seu tempo de vida (LANE, 1994).

Quando em vida livre, os cavalos pastejam durante bastante tempo, o que possibilita um desgaste adequado dos dentes. Por outro lado, os animais que vivem confinados, dependendo da alimentação fornecida pelo tratador, podem sofrer uma mudança no manejo alimentar, de fibra para concentrado. Sabe-se, portanto, que o concentrado verticaliza os movimentos durante a mastigação, diminui a excursão lateral e altera o desgaste dentário normal. Dessa forma, a estabulação e o tempo de trabalho podem impedir que estes animais expressem o comportamento natural de escolha do alimento, diminuindo o tempo de mastigação e gerando problemas odontológicos (PAGLIOSA, 2006).

As PEED são consideradas como o distúrbio mais identificados durante um exame clínico, com incidência de 44 a 72%, sendo mais encontradas em cavalos de até nove anos de idade devido ao processo de formação da raiz dos dentes permanentes (DIXON, 2000; DIXON et al., 2000; BRIGHAM, DUNCANSON, 2000; BAKER, 2005). Assim, a avaliação da cavidade oral dos equinos, realizada por um profissional qualificado, torna-se essencial para a manutenção da saúde bucal, uma vez que o conhecimento especializado possibilita o tratamento adequado, que contribui no aumento da digestibilidade dos nutrientes fornecidos e influencia positivamente na melhora do escore corporal e do temperamento animal (MEIRELLES et al., 2016).

Devido as alterações de desgaste dentário serem ocasionadas pela mudança do tempo de mastigação e de alimentação do equino, o presente trabalho tem como objetivo avaliar a cavidade oral de cavalos de tração do município de Imperatriz – MA, diagnosticando as pontas excessivas de esmalte dentário dos dentes pré-molares e molares, identificando as principais lesões causadas por elas e seus impactos.

 

Material e métodos

 

Os procedimentos foram realizados em diversos bairros da cidade de Imperatriz – MA, município localizado Região Metropolitana do Sudoeste Maranhense.

Foram avaliados 40 cavalos de tração, que viviam em ambiente aberto na zona urbana da cidade e realizavam trabalhos de transporte em período diurno, principalmente de cargas frigoríficas perecíveis, encomendas, mudanças, produtos de serrarias e areia. Destes, havia 12 fêmeas e 18 machos, de 2 a 9 anos de idade, 17 de pelagem escura e 13 de pelagem clara, medindo desde 1,34 a 1,58 metros de altura e pesando de 170 kg a 540 kg, todos sem raça definida (SRD).

Houve consenso dos proprietários sobre o uso destes animais no presente estudo, que foram devidamente identificados por função, nome, sexo, idade, pelagem e raça; onde a idade foi estimada de acordo com a observação da arcada dentária, o peso foi mensurado por meio de uma fita de perímetro torácico para pesagem de equinos e a altura por uma fita métrica. Além disso, foi mantida a rotina normal de trabalhos realizados pelos animais de tração durante as avaliações.

Assim, inicialmente, foi executada uma coleta de informações detalhadas dos proprietários dos animais, levando em consideração o tipo e a quantidade de alimento recebida diariamente; o histórico de procedimentos odontológicas; a observação de alterações quanto à alimentação e mastigação, para a avaliação do tempo do ciclo mastigatório e de sua eficiência; observação de ganho/perda de peso nos últimos 6 meses; e estado geral dos animais.

Em seguida, foi realizado o exame físico geral dos equinos, onde utilizou-se de um estetoscópio para a auscultação cardíaca e respiratória, realizou-se a avaliação do escore corporal utilizando a adaptação descrita por Easley (2005), foi feita a mensuração da temperatura retal com um termômetro digital, bem como a observação do grau de hidratação a partir da coloração e umidade da mucosa oral, juntamente com o tempo de preenchimento capilar (TPC).

Durante as avaliações dentárias não foi necessário o uso de contenção medicamentosa, uma vez que as contenções físicas se fizeram suficientes para o manuseio dos animais. Os dentes foram examinados de acordo com o sistema Triadan de classificação dentária e todas as alterações encontradas, tanto no exame geral quanto no exame oral, foram registradas em prontuários individuais, denominados odontogramas, específicos para a espécie equina.

Dessa forma, com o auxílio de um apoiador odontológico, a cabeça do cavalo foi mantida em posição neutra, que é a mesma que é adotada quando ele está mastigando. Para a visualização de toda a cavidade oral, utilizou-se de um espéculo oral, que aplica pressão uniforme sobre todos os dentes incisivos, proporcionando a abertura de toda a boca, e uma lanterna clínica como fonte de luz. Ainda, a limpeza da cavidade foi feita com o uso de um borrifador e água.

O exame odontológico, portanto, prosseguiu-se com as seguintes etapas: foi feita uma avaliação geral dos dentes pré-molares e molares, através da inspeção e palpação da arcada dentária, a fim de se identificar formações puntiformes, que indiquem presença de possíveis pontas de esmalte dentário; executada a determinação do movimento rostrocaudal da mandíbula, para avaliar a extensão do deslizamento sob a superfície oclusal dos dentes, buscando constatar alterações; além da análise das bochechas, língua, palato, gengivas e mucosa oral, com intuito de se visualizar lesões ocasionadas pelas PEED.

Os dados foram analisados através da estatística descritiva, utilizando-se o método de frequência absoluta (n) e relativa (%).

 

Resultados

 

Identificou-se na anamnese que: os cavalos de tração estudados alimentavam-se principalmente de palha de arroz com milho quebrado e farelo de trigo, mas também recebiam alimentação complementar com frutas e capim Brachiaria e Panicum maximum (Gráfico 1); a alimentação era fornecida uma vez, duas vezes, três vezes por dia ou à vontade (Gráfico 2); nenhum dos animais realizaram exames ou receberam tratamento dentário durante toda sua vida (Gráfico 3); 13 deixam o alimento cair da boca durante a mastigação; 17 comem apenas metade da alimentação fornecida; 13 demonstram recusa durante a alimentação; 16 apresentaram perda de peso nos últimos 6 meses; e 11 reagem contra embocaduras, sendo este um possível sinal de dor ou desconforto percebido pelos proprietários dos animais (Gráfico 4).

 

Gráfico 1 – Tipo de alimentação fornecida pelos proprietários aos cavalos de tração.

 

Gráfico 2 – Frequência de alimentação oferecida por dia pelos proprietários aos cavalos de tração.

 

Gráfico 3 – Número de animais que já obtiveram ou não histórico de exame/tratamento dentário ao longo de sua vida.

 

Gráfico 4 – Número de cavalos de tração que apresentaram alterações quanto à mastigação, alimentação, peso e estado geral, segundo os proprietários.

 

Quanto ao exame clínico geral, nenhum dos animais apresentaram alterações significativas que apresentassem correlação com os achados de alteração dentária.

Através da avaliação dos dentes pré-molares e molares, foi possível identificar 23 (62%) cavalos com pontas excessivas de esmalte dentário (Gráficos 5, 6, 7 e 8), sendo que 8 (35%) animais apresentaram essas pontas na região medial e 15 (65%) na região lateral; nos dentes pré-molares (10 animais; 43%) e molares (13 animais; 57%); tanto dos dentes das arcadas maxilares (15 animais; 65%), quanto mandibulares (8 animais; 35%).

Na determinação do movimento rostrocaudal da mandíbula (Gráfico 9), dos 23 animais que foram classificados com PEED, 13 destes apresentaram dificuldade durante o movimento. Por outro lado, dos 17 animais que não foram classificados com PEED, 7 também apresentaram dificuldade de movimentação da mandíbula.

O conhecimento destes resultados pode auxiliar na conduta médico-veterinária mais adequada, beneficiando a saúde do animal, com qualidade de vida e desempenho satisfatório (VARÃO et al., 2023).

Ainda, por meio da inspeção das bochechas, língua, palato, gengivas e mucosa oral, foi feita a visualização de lacerações na mucosa lingual e vestibular dos 23 animais que apresentaram PEED (Tabela 1) (VARÃO, HONORATO, 2022).

 

Gráfico 5 – Relação de cavalos de tração submetidos à exames odontológicos, que apresentaram ou não pontas excessivas de esmalte dentário.

 

Gráfico 6 – Número e porcentagem de animais que apresentaram PEED nos dentes pré-molares e molares.

 

Gráfico 7 – Número e porcentagem de animais que apresentaram PEED na região lateral e medial dos dentes.

 

Gráfico 8 – Número e porcentagem de animais que apresentaram PEED na arcada dentária maxilar e mandibular.

 

Gráfico 9 – Resultado da determinação do movimento rostrocaudal da mandíbula de cavalos de tração, etapa do exame clínico odontológico ao qual foram submetidos.

 

Tabela 1 – Resultado da inspeção de presença de lesões na cavidade oral dos cavalos avaliados com PEED.
Descrição
%
Lacerações na mucosa vestibular
15
65%
Lacerações na mucosa lingual
8
35%

 

 Discussão

 

Segundo Pereira et al. (2016), na clínica equina, os sinais citados pelos proprietários dos animais avaliados, de irregularidades durante a alimentação e a mastigação como recusar o alimento oferecido, comer apenas metade da quantidade fornecida, deixar o alimento cair da boca, recusar o uso de embocaduras e apresentação de perda de peso, estão, em 90% dos casos, relacionados com alterações de pontas dentárias. Essa informação associada com o fato de que os cavalos avaliados no presente estudo não obtiveram tratamento dentário ao longo de suas vidas, reforçou a possibilidade desses animais possuírem tais alterações.

Além disso, Bonin et al. (2007) abordam que aspectos relacionados à alimentação, como: tipo de alimento, tempo de alimentação e forma de fornecimento tem influência direta na manutenção do padrão oclusal normal, onde suas alterações podem predispor ao desenvolvimento de patologias dentárias. Dessa forma, torna-se evidente que o tipo de alimento exerce um papel importante no ciclo mastigatório, principalmente ao estimular uma maior amplitude dos movimentos. O estudo de Moraes Filho et al. (2019) em cavalos adultos submetidos ao procedimento de equilíbrio oclusal (odontoplastia), sugeriu melhores condições fermentativas no intestino grosso dos animais.

Os cavalos avaliados eram alimentados principalmente com concentrados (palha de arroz com milho quebrado e farelo de trigo), sendo que durante a ingestão desse tipo de alimento, há um incremento no movimento dorsoventral com excursão lateral diminuída em comparação à alimentação a base de volumoso, como o capim, além de diminuição na frequência mastigatória (BONIN et al., 2007). Pagliosa (2006) e Dixon et al. (2011) referem-se à PEED como consequência da alteração na alimentação decorrente da domesticação dos equinos, onde o fornecimento de forragem é menor. Foi observado nos animais avaliados que os mesmos que tinham um menor tempo/frequência de alimentação e menor frequência de mastigação foram aqueles que recebiam apenas dietas ricas em concentrados. Isso, porque esses animais levam um tempo menor na mastigação de concentrados quando comparados aos que recebem volumosos, como o feno, e esta mudança no padrão alimentar é responsável pela predisposição a patologias de mal oclusões dentárias, onde a principal é o supercrescimento de esmalte dentário na face vestibular e lingual dos dentes pré-molares e molares (BONIN et al., 2007).

O excesso de esmalte dentário dificilmente é encontrado em animais que realizam pastoreio constante. Os movimentos mastigatórios são predominantemente mais verticais do que laterais, assim, o movimento vertical predominante no manejo de arraçoamento de animais que não realizam esse pastoreio com determinada frequência não desgasta a superfície oclusal por completo e aumenta o ângulo da superfície oclusal, promovendo então o aparecimento de PEED (DIXON et al., 2011). Sendo assim, percebe-se que a domesticação dos cavalos, juntamente com as alterações no manejo alimentar, fornecimento cada vez maior de alimentos concentrados e diminuição do período de alimentação, favorece o desenvolvimento de alterações na superfície oclusal, tanto por redução do tempo de mastigação (DIXON, DRACE, 2005) quanto por alteração no padrão mastigatório (BAKER, 2005).

A ponta excessiva de esmalte é considerada uma anomalia muito comum na cavidade oral de equinos, que se origina tanto pelo pregueamento do órgão de esmalte dos dentes maxilares nas bordas bucais (Figura 1), como também nos dentes mandibulares nas bordas linguais (Figura 2), bem como aumentam quando o contato oclusal é incompleto (ALLEN, 2008).

No estudo de Silva et al. (2021), as pontas excessivas de esmalte dentário afetavam 98,1%  dos cavalos no norte pioneiro piauiense. Já no estudo de Amorim et al. (2019), a prevalência foi de 100% nos equídeos de Araguaína, Tocantins. No estudo realizado por Leite et al. (2019), com cavalos da raça Crioulo, em Uruguaiana, Rio Grande do Sul, a taxa de ocorrência de pontas excessivas de esmalte dentário e cálculo foi de 82,4%. No estudo de Berbari Neto et al. (2013), as mais comuns em equídeos de matadouro foram as pontas excessivas de esmalte dentário (83,9%). No estudo de Alencar-Araripe et al. (2013), dentre as alterações observadas em dois grupos de cavalos avaliados (policiamento e esporte), estão, principalmente, pontas de esmalte dentário e úlceras nas bochechas dos animais. Ainda segundo os autores, esses dados sugerem a ocorrência de mastigação irregular nesses animais, corroborada pela presença de lesões ulceradas na face interna da bochecha. Os dentes que apresentavam pontas dentárias causando maior prevalência de úlceras eram os dentes 06, 09, 10 e 11. No estudo de Rizzo et al. (2011), a alteração mais frequentemente observada equinos atletas da mesorregião sul do Espírito Santo foi a ocorrência de pontas excessivas de esmalte (96,6%). Ainda segundo Rizzo et al. (2011)), estas pontas podem apresentar-se muito cortantes, o que leva ao desenvolvimento de úlceras da mucosa gengival, outra afecção bastante frequente nas observações feitas neste estudo.

 

Figura 1 – Presença de pontas excessivas de esmalte dentário na região lateral dos dentes pré-molares e molares da maxila de um cavalo de tração, representadas pelas setas brancas. Fonte: Arquivo pessoal.

 

Figura 2 – Presença de pontas excessivas de esmalte dentário na região lateral dos dentes pré-molares e molares da maxila e na região lingual dos dentes pré-molares da mandíbula de um cavalo de tração, representadas pelas setas brancas. Fonte: Arquivo pessoal.

 

As PEED são pontiagudas e cortantes, presentes geralmente na face lingual dos dentes mandibulares e na face vestibular dos dentes maxilares. O atrito causado pelas alterações da superfície oclusal, em contato com a mucosa provoca a formação de lesões traumáticas na mucosa oral e língua (Figuras 3 e 4), causando dor e consequente reações à embocadura e queda de alimento da boca – pois essas regiões afetadas tornam-se sensíveis -emagrecimento progressivo, trituração ineficiente dos alimentos e redução da digestão dos mesmos, podendo ainda originar outras alterações da superfície oclusal com o passar do tempo, pelas modificações que promovem no padrão mastigatório (BAKER, 2005; THOMASSIAN, 2005; DIXON et al., 2011; CASEY, 2013).

 

Figura 3 – Presença de lacerações, ocasionadas por PEED, presentes na região lateral dos dentes mandibulares, na mucosa lingual de um cavalo de tração, representadas pelas setas brancas. Fonte: Arquivo pessoal.

 

Figura 4 – Presença de lesões na mucosa vestibular (região da bochecha) de um cavalo de tração, causadas por PEED, presentes na região lateral dos dentes maxilares, representadas pela seta branca. Fonte: Arquivo pessoal.

 

Foi constatado que houve uma dificuldade maior em exercer o movimento rostrocaudal da mandíbula em animais que apresentavam crescimento excessivo de esmalte dentário e mesmo em alguns animais que não apresentavam. Considera-se, portanto, que isso ocorreu devido a outras alterações relacionadas à mal oclusões dentárias, que também ocasionam certa restrição da mandíbula (CARMALT, 2007).

O movimento rostrocaudal varia de acordo com a posição da cabeça do animal, sendo que a área de oclusão entre os incisivos é menor quando a mandíbula está em posição horizontal, comparando-se à posição totalmente inclinada. Essa movimentação rostrocaudal é reduzida pela presença de lesões ou mal oclusões dentárias (CARMALT, 2007). Quando as forças e movimentos são realizadas de forma padrão, a oclusão é consequentemente normal, e a taxa de erupção é igual a taxa de atrito. Por outro lado, quando os fatores que afetam negativamente a taxa de atrito incluem forças anormais sobre a superfície oclusal, há um consequente desenvolvimento anormal do dente, ou seja, qualquer alteração que comprometa a movimentação da mandíbula, levando à amplitude de movimento reduzida, tem como resultado um desgaste dentário desigual (KLUGH, 2010).

Na permanência de pontas dentárias, pode ocorrer uma obstrução mecânica, impedindo o movimento “lado a lado” da mandíbula, afetando cada vez mais a eficiência da mastigação. Assim sendo, é importante mencionar que a dor e o bloqueio mecânico causados pelo crescimento excessivo, além de restringirem os movimentos mastigatórios, reduzem também a mistura adequada da saliva no alimento, e como consequência, prejudica a movimentação do alimento na boca (DIXON et al., 2011). Dessa maneira, é provável que cavalos acometidos acumulem comida entre as laterais dos dentes pré-molares e molares e as bochechas, de forma cautelosa, com intuito de proteção das pontas dentárias presentes nos dentes pré-molares da arcada maxilar. Contudo, esse acúmulo pode causar infecções periodontais secundárias, além de agravamento de outros problemas orais que possam estar apresentando e halitose (DIXON, DACRE, 2005).

 

Conclusões

 

Pontas excessivas de esmalte dentário e lacerações na mucosa oral foram consideradas alterações frequentes nos cavalos de tração avaliados no presente estudo. As possíveis causas para tais alterações foram atribuídas ao tipo de alimento recebido diariamente e a um menor tempo de mastigação durante a alimentação.

Os principais sinais clínicos detectados como indicativos de irregularidade dentária foram recusa do alimento oferecido, aceitação de apenas metade da quantidade de alimento fornecida, queda de alimento da boca durante a mastigação, diminuição da excursão lateral da mandíbula, recusa do uso de embocaduras e apresentação de perda de peso.

Dessa forma, torna-se evidente que a avaliação da cavidade bucal dos cavalos é de grande importância, pois a presença de pontas excessivas de esmalte dentário pode provocar lesões na mucosa oral, que ocasionam dor, alteração da biomecânica da mastigação, desconforto durante o trabalho, queda no desempenho e, consequentemente, diminuição da qualidade de vida desses animais.

 

Conflitos de interesse

 

Não houve conflito de interesses dos autores.

 

Contribuição dos autores

 

Kryscia Beatriz Teixeira Araújo Varão – leitura e interpretação das obras, coleta de dados e interpretação de resultados, escrita; Déborah Milhomem Silva – coleta de dados; Lorena da Silva Soares – coleta de dados; Kalyne Sousa dos Santos – coleta de dados; Vitória Baltazar Rodrigues – coleta de dados; Rafaella Brandão Silva – coleta de dados; Jailson Honorato – ideia original, orientação, correção e revisão.

 

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Recebido em 19 de outubro de 2022

Retornado para ajustes em 3 de fevereiro de 2023

Recebido com ajustes em 30 de abril de 2023

Aceito em 12 de maio de 2023